Arquivo | 14-01-2004 16:04

O novo curso das águas

O novo curso das águas

Nove municípios da Lezíria do Tejo vão associar-se com um parceiro privado e criar uma empresa para gerir os sistemnas de abastecimento de água e de saneamento básico. Uma forma de terem acesso aos milhões do Fundo de Coesão e de concretizarem investimentos que os depauperados cofres das câmaras não poderiam garantir. O presidente da Associação de Municípios da Lezíria do Tejo, Sousa Gomes, e o administrador delegado da mesma entidade, António Torres, esclarecem alguns pormenores do projecto.

Porquê a criação de uma empresa intermunicipal para gerir as redes de abastecimento de água e de saneamento básico em nove concelhos da Lezíria do Tejo? Quais são as vantagens para as câmaras? Portugal, todo ele, tem vindo a constituir sistemas, até agora multimunicipais, tendo como parceiro a empresa Águas de Portugal. E não se pensava noutro modelo. Acontece que nós, na Lezíria do Tejo, entendemos que o acordo que nos foi proposto, do sistema multimunicipal, não nos agradava. Porquê? Por várias razões. Porque contemplava só os sistemas em alta (da captação ao depósito), o que para nós era impensável. Depois, nesse modelo as Águas de Portugal tinham a maioria do capital (51%) e os municípios, que eram as entidades que entravam com o grande património e constituíam a essência do sistema, ficavam minoritários na empresa. Por outro lado, o tarifário proposto de maneira nenhuma nos agradava. Era altíssimo e incomportável quer para os municípios quer para os munícipes. Este novo modelo é mais atractivo? Sim. As câmaras passam a ter a maioria do capital, o tarifário é mais baixo e a empresa passa a gerir toda a rede e não apenas a rede em alta... Ou seja, da captação até à torneira no caso da rede de água, e das casas às ETAR no caso dos efluentes. E com financiamentos assegurados, provavelmente, sem encargos para os municípios. Digo provavelmente porque a questão dos investimentos na rede em baixa resulta da exploração e da gestão da empresa. Porquê só agora a adopção deste modelo?Há aqui custos de oportunidade. Há 3 anos, sem os sistemas multimunicipais estarem todos lançados, teríamos uma oposição ainda maior. A partir do momento em que só faltam três ou quatro sistemas no país, em que foi tentado desmontar o projecto em termos de estruturação de custos e não foi conseguido, o que fizemos foi não aceitar o outro modelo e decidimos mandar fazer um estudo económico e financeiro para a eventual criação de uma empresa onde se passava a integrar também as redes em baixa. Porque desde o reservatório até à casa das pessoas perde-se muita água. O bife era todo para o lado de lá e as tais questões das rupturas, das perdas e de outras coisas ficavam do lado dos municípios. Aparentemente é só vantagens...Este é o melhor modelo. O parceiro privado mete 25 milhões de euros nos primeiros dez anos e só vai receber dividendos ao fim de 20 anos. Isto só pode ser aceite ou pelas Águas de Portugal, ou pelas fundações que têm interesses na economia social, ou pela Somague, porque há aqui milhões de investimento e é aí que eles querem ir buscar o deles. Mas também têm um problema, porque esta empresa, quando fizer obras, vai fazê-las por concurso público.Como se vai processar a participação dos municípios no capital da empresa? Vai ser através da transferência de alguns equipamentos. No caso de Almeirim, por exemplo, engloba-se a ETAR de Benfica do Ribatejo e a conduta entre Almeirim e Tapada. No anterior modelo seria em capital. E o resto dos equipamentos e infraestruturas dos municípios já existentes...O resto do património é emprestado à empresa para explorar.O fornecimento de um bem essencial como a água deve ser gerido numa perspectiva lucrativa? Isto partindo do princípio que um parceiro privado não vai entrar no negócio para perder dinheiro… Se virmos isto de uma maneira um bocado simplista é capaz de ser esse o raciocínio. Não se pode é desprezar que está subjacente a este sistema 200 milhões de euros de investimento em 40 anos. Embora o grosso desse investimento se dê até 2008 - são 98 milhões de euros de investimento em alta, financiados pelo Fundo de Coesão. Que critérios vão presidir à selecção do parceiro privado? O parceiro privado vai ser escolhido através de concurso público. Todos os interessados em concorrer vão ser ouvidos pelos municípios que fazem parte da associação e vai ser escolhido o que nos interessar mais. Neste momento há três grandes candidatos: as Águas de Portugal, a Somague e um consórcio composto por três fundações. Não há nenhum parceiro previamente escolhido. Quando se prevê que a empresa possa ser constituída? As reuniões de câmara estão a decorrer, há as assembleias municipais marcadas para dia 16 de Janeiro. A partir do momento em que tenhamos o resultado de toda a discussão e votação, trabalhar-se-á no sentido de rapidamente pôr o concurso público na rua para escolha do parceiro privado. Há quem diga que se está a assistir à primeira fase de privatização do sistema de abastecimento de água na Lezíria do Tejo. Este comentário faz algum sentido? Nós estamos a criar uma empresa ao abrigo de legislação que estipula que as câmaras têm 51%. Ninguém pode abdicar dos 51%, senão sai-se fora do enquadramento legal. Esta empresa não será uma forma de as câmaras se descartarem de serviços que trazem muitos incómodos e também de se livrarem de alguns investimentos que teriam forçosamente de fazer? Eu não diria que o actual sistema só traz inconvenientes para as câmaras. E neste novo modelo as câmaras têm a maioria do capital, daí não se poder falar em privatização. Até 2008 vamos fazer todos os investimentos que ainda estejam por executar em cada município, para cumprir os índices estabelecidos pela União Europeia. Mas depois disso há todo um percurso de optimização dos sistemas, de substituição de redes, de capacidade de armazenagem de água, de estações de tratamento de esgotos que vai para além dos 40 anos. E nessa altura não haverá fundos comunitários à nossa disposição.Esta é pois uma oportunidade a não perder?Se não criarmos uma estrutura com uma certa economia de escala que permita continuar a fazer esses investimentos sem esforço dos municípios, penso que daqui a 20, 30 ou 40 anos pode-se estar numa situação sem saída. E é esse momento que estamos a prever.A Câmara de Santarém poderá apresentar algumas propostas de alteração aos estatutos e ao plano de investimentos. Há abertura para eventuais alterações? O plano de investimentos foi todo trabalhado com as câmaras municipais. Ou seja, o que era necessário fazer com cada uma delas. Tal como o pessoal da empresa é o somatório do pessoal das câmaras, os investimentos são o somatório do que foi indicado por cada um. Há seis milhões de contos de investimento previsto para Santarém que de outra forma não se faria.Não teme que os vários municípios comecem a puxar a brasa para a sua sardinha reclamando mais investimentos?Não temo. Sei que a reivindicação de Santarém era para lugares com população inferior a 500 habitantes. Não há nenhuma obrigatoriedade de construir lá. Mas se me disserem que há um lugar com 300 habitantes que é um todo espacial com coerência, então que se faça lá o sistema. O problema é quando os 300 habitantes estão espalhados por sei lá quantos cabeços. Mas não custa discutir essas questões.Quer dizer que o plano de investimentos não é um documento fechado?A Lezíria do Tejo tem 4 mil quilómetros quadrados e uma densidade populacional de 55 habitantes por quilómetro quadrado. O índice de dispersão é muito elevado. Há também a questão de Santarém ter 700 quilómetros quadrados e de cerca de 26% da população viver em aglomerados com menos de 300 habitantes. Mesmo assim, nós já vamos a um índice de cobertura no saneamento de 83%. A lei portuguesa diz que os sistemas de abastecimento e de sanamento têm de ser sustentáveis. E a sustentabilidade passa pela manutenção, exploração e substituição dos equipamentos após o período de vida útil.Essa sustentabilidade terá de ser garantida pelas tarifas a cobrar. Até 2008, vai haver uma harmonização dos preços da água entre os vários concelhos. Que garantias vão ter os consumidores de que os preços de água não vão disparar por aí acima? Esse aspecto varia de concelho para concelho. Em Santarém não se irá sentir muito o acréscimo do tarifário, mas na Chamusca, onde a água é mais barata, vai sentir-se de certeza. A não ser que o presidente da câmara entenda que não deve aumentar os tarifários e que seja a câmara a pagar à empresa o diferencial. O dinheiro tem é que entrar na empresa. As tarifas estão previstas para um horizonte de 40 anos. Se não houver factores anormais, são estas tarifas que vão manter-se. Mas poderá haver ajustes para cima ou para baixo. De qualquer forma, esta tarifa média que aqui está é das mais baixas no país. Os valores tiveram como base o tarifário de Santarém, balizado por cima, no que respeita às águas, e do Cartaxo no que respeita aos esgotos.Uma questão prática: a empresa, ao que tudo indica, ficará sedeada em Santarém. Quando houver uma ruptura nocturna numa conduta no Couço ou na Chamusca quem a vai reparar? Haverá serviços descentralizados? O pessoal que se encontra ao serviço das câmaras na área das águas e saneamento passa a prestar serviços à empresa. Ou como funcionário da empresa, se quiser fazer essa opção, ou como funcio-nário da câmara, que entretanto celebra um protocolo com a empresa para que esta pague a esse pessoal. O número de funcionários que está previsto para a empresa é o somatório resultante das informações que cada município prestou. Embora haja alguns funcionários que a empresa terá que admitir directamente, como té-cnicos altamente qualificados.O processo tem vindo a ser conduzido com alguma discrição. Só com a discussão do tema nos executivos camarários é que se levantaram algumas questões pertinentes. Houve receio de criar algum alarmismo na opinião pública? Não é essa a questão. Criámos um sistema diferente de todos os outros que estavam a ser apadrinhados pelo Ministério do Ambiente. Ao criarmos este modelo, o primeiro passo que quisemos dar foi levá-lo ao Ministério do Ambiente, saber até que ponto o ministro aceitava esta proposta e até que ponto o Fundo de Coesão estava disposto a financiá-la. Se o Fundo de Coesão não financiasse, o projecto morria à partida, porque é o elo essencial para constituirmos a empresa.Se esses milhões não fossem garantidos, o saneamento básico não chegaria tão cedo a muitos lugares?Provavelmente, porque não estávamos dispostos a aderir ao sistema das Águas de Portugal.Houve alguma razão especial para se prever a discussão, em simultâneo, do assunto pelas assembleias municipais dos nove concelhos envolvidos? Apenas o simbolismo que quisemos dar a tudo isto. Na Associa-ção de Municípios da Lezíria do Tejo estão representadas três forças políticas mas todas as decisões que temos tomado são por consenso. Nunca fizemos uma votação para decidir. E nas Águas do Ribatejo esse consenso também se conseguiu, tal como nas comunidades urbanas, que são assuntos polémicos. Por isso achámos que simbolicamente era engraçado fazer essas assembleias municipais no mesmo dia.Ficou aborrecido por saber que Santarém, ao adiar a decisão sobre o assunto na reunião do executivo, já não poderá cumprir essa meta? Não fiquei aborrecido. Santarém tem uma especificidade própria. Claro que se o assunto for chumbado hoje na Câmara de Santarém (n.d.r. - segunda-feira, 12 de Janeiro) nenhuma das assembleias municipais se realiza. Este documento deixaria de ter fundamento. O modelo económico e financeiro é no pressuposto que entram nove municípios, entre os quais Santarém, que tem 32% do peso naquela proposta. Pelo que se depreende do processo, há uma certa urgência em se proceder à constituição da empresa. Há prazos a cumprir? Há verbas em risco? Não estamos a correr descontroladamente e apressadamente, mas estamos a correr tantando ir buscar oito milhões de contos de Fundo de Coesão. As obras têm que estar todas adjudicadas até 13 de Dezembro de 2006, para que se possam executar até 2008. Quanto mais tempo se protelar esta situação, mais prejudicados ficam os investimentos. Daí que se tenham marcado em simultâneo as assembleias municipais.Há dois municípios da Lezíria do Tejo que não integram este projecto, Azambuja e Rio Maior, tendo optado pelas Águas do Oeste. Não seria mais natural que integrassem as Águas do Ribatejo, havendo até uma comunidade urbana na forja que engloba os municípios da Lezíria?Seria lógico, mas esses municípios já tinham feito a opção pelas Águas do Oeste. O modelo já estava montado com esses dois municípios e não foi possível integrarem esta empresa. João CalhazCâmara de Santarém adia novamente entrada em empresa intermunicipal Águas paradasAinda não foi desta que a Câmara de Santarém aprovou a entrada na empresa intermunicipal Águas do Ribatejo, que irá gerir os serviços da abastecimento de água e saneamento da Lezíria do Tejo. Com o argumento de não conhecer o caderno de encargos e o programa do concurso público para a selecção do parceiro privado para a empresa intermunicipal Águas do Ribatejo, PSD e CDU “convenceram” a maioria socialista que gere a Câmara de Santarém a adiar a votação do assunto na reunião do executivo realizada esta segunda-feira.O presidente da câmara, Rui Barreiro (PS), bem argumentou que novo adiamento representaria a perda de tempo útil quando estão em causa subsídios comunitários a fundo perdido do Quadro Comunitário de Apoio (QCA) III, calculados em cerca de 43 milhões de euros. Mas um intervalo de um quarto de hora bastou para que se acertassem posições e a deliberação ficasse adiada. Uma decisão que foi comunicada à Associação de Municípios da Lezíria do Tejo (AMLT) e à Assembleia Municipal de Santarém, uma vez que estava prevista uma sessão deste último órgão no dia 16, para debater o tema.O PSD manifestou muitas dúvidas relativamente ao risco diminuto de participação do parceiro privado, que deterá 49 por cento do capital social da empresa. “Não podemos passar um cheque em branco ao privado, com lucros previstos de quatro milhões de euros no primeiro ano de actividade, antes de impostos”, afirmou Hélia Félix, acrescentando que caso a empresa intermunicipal registe um défice de exploração, será sempre o consumidor a pagar a factura.A vereadora manifestou ainda que Santarém, apesar de deter 32 por cento da população da área abrangida, receberá apenas 20 por cento do investimento, embora registe a quarta pior taxa de cobertura de sanea-mento entre os nove concelhos aderentes.Da mesma bancada, José Andrade referiu-se aos direitos dos trabalhadores dos Serviços Municipalizados de Águas aquando da transição. “Há ainda um facto ideológico e político, já que a maioria pôs de parte as suas convicções do serviço público como bem colectivo para dar prioridade ao parceiro privado”, acrescentou. Do lado da CDU, as dúvidas foram as mesmas. José Marcelino considerou que há desinvestimento nas reservas de água de 2023 a 2043, avaliado em cerca de 35 milhões de euros, acrescentando que o parceiro privado não irá correr quaisquer riscos com a operação. “Os interesses de Santarém não estão bem acautelados e está tudo pouco explícito, pelo que defendemos o adiamento da deliberação, até que nos seja facultado o caderno de encargos e programa do concurso”, defendeu.José Rui Raposo salientou também que não existem garantias de que os trabalhadores dos Serviços Municipalizados de Santarém transitem para a empresa intermunicipal com todas as regalias e direitos. Rui Barreiro contestou as acusações. E o que se pode ler no ponto seis do Estatuto do Pessoal é que os trabalhadores podem optar pela integração no quadro da EIM ou do município em termos a estabelecer no protocolo, sem perda de direitos ou regalias, designadamente remunerações.No entender do presidente da Câmara de Santarém é prioritário não perder mais tempo útil para desenvolver a rede de esgotos no concelho, com especial enfoque em Viegas e Gançaria, aproveitando ao máximo os financiamentos comunitários disponíveis. “Estão garantidos investimentos até 2008 que, de outra forma, não seriam possíveis com as actuais condições financeiras”, lembrou.

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