Arquivo | 22-03-2006 11:31

Não posso dar metade das ajudas apenas a mil agricultores

Não posso dar metade das ajudas apenas a mil agricultores

O Ministro da Agricultura mantém-se firme na decisão tomada de não pagar ajudas a algumas medidas agro-ambientais apesar da contestação da CAP não dar mostras de abrandar. Jaime Silva diz que não podia dar metade do dinheiro a “pouco mais de mil agricultores”. O Governante garante que num ano de actividade já canalizou para o sector 977 milhões de euros e defende que os agricultores têm que deixar de produzir para o subsídio e passar a produzir para o mercado.

Depois da contestação das últimas semanas tem possibilidade de continuar a dialogar com os agricultores e as suas organizações ou esse diálogo não é necessário para decidir as políticas para o sector? Há sempre condições para dialogar. Mesmo quando o nível do diálogo da parte de uma Confederação – É só uma, não são todas – baixou. O Ministério não deixa de ter as portas abertas para ouvir os agricultores para a mudança política que considera fundamental para este País.Quando fala numa única organização está a tentar desvalorizar as posições que a mesma tem tomado?Não, não desvalorizo. É uma organização importante. Estou a falar da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), que eu recebi, justamente neste gabinete há 15 dias. Tenho encontros periódicos com todas as Confederações, com as quatro maiores. Recebo-as periodicamente e quando não tenho disponibilidade elas são recebidas pelo Gabinete de Planeamento. Há um contacto e diálogo permanente com os principais interlocutores do mundo agrícola, no sentido de eu explicar qual é a política do Governo, ouvi-los, adaptar algumas das decisões em função do que eles dizem.O ex-Ministro Gomes da Silva também critica a sua actuação nesta decisão sobre as medidas agro-ambientais. Eu só li muito posteriormente as declarações do Engenheiro Gomes da Silva. Eu não sei se o Engenheiro Gomes da Silva é candidato às medidas agro-ambientais, admitamos a hipótese que sim, que por acaso era um dos candidatos a medidas agro-ambientais.É uma hipótese ou o Eng. Gomes da Silva era mesmo um dos candidatos a esses apoios?Não sei. Não tenho feitio para andar à procura dessas informações. Publiquei as listas com os subsídios pagos aos agricultores, quem quiser que vá consultá-las. Mas admitamos que há um agricultor que, de facto, foi candidato em 2005. A lei é muito clara. O agricultor quando se candidata tem que fazer um contrato com uma associação. Não é com o Ministério da Agricultura. Não é com o INGA (Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola). É com as associações. A lei diz que são as associações que entregam posteriormente as candidaturas ao INGA. E o nº 4 do artigo 87 da Portaria 1212 de 2003 diz que as candidaturas são aprovadas em função da dotação orçamental. Quando os agricultores se candidatam e cumprem as exigências da candidatura sabem que à partida nada obsta a que a sua candidatura não seja aprovada. Quando se diz que há um compromisso do Estado, isso não é verdade. Não há nenhum compromisso jurídico do Estado enquanto não houver Orçamento do Estado. E o Orçamento é aprovado em Novembro de cada ano. A partir da altura em que são abertas candidaturas são criadas legítimas expectativas.Temos que ver quem criou essas expectativas. O que eu digo é que o Governo aplica a lei e digo também que o Governo agiu no quadro do que a Portaria estabelece. A lei é muito clara, quando não há orçamento podem fazer-se duas coisas. Ou pagar-se até onde se puder e aí temos que ir ao anexo 7º e ver qual é a importância que o Governo anterior atribuiu às medias agro-ambientais - quais são as mais importantes - e depois ver até onde chega o dinheiro.Ponderou essa possibilidade?Curiosamente eu fiz esses cálculos e este ano, se nós fossemos por essa parte da lei, teríamos pago a lixiviação e os sistemas arvenses de sequeiro, que são apenas duas das agro-ambientais. Não tínhamos pago a protecção integrada, a produção integrada, os planos zonais, o arrozal…ou seja, tínhamos pago a dez por cento dos candidatos cinquenta por cento de todo o Orçamento.Optou por não pagar.A outra possibilidade que a lei prevê é essa. Se não houver dinheiro não se paga. O Governo, analisado o quadro de candidaturas e o quadro de possibilidades, decidiu prolongar para 2006 as agro-ambientais que vinham de trás, para um universo de cem mil agricultores. Há cem mil agricultores que irão receber noventa e cinco milhões de euros para agro-ambientais, este ano. E vão receber já a partir da próxima semana (desta semana).Falar em mil agricultores ou em vinte mil não é esclarecedor. Não tem que se perceber o peso de cada agricultor na agricultura?Obviamente que há agricultores que têm uma dimensão maior e a lógica das medidas favorece a dimensão. Portanto há agricultores que recebem muito mais. Mas quando se extrai a problemática da dimensão e se faz uma média…verifica-se que em média os agricultores recebem entre mil e mil e quatrocentos euros das agro-ambientais e que os senhores da lixiviação recebem vinte mil euros. E a lixiviação é apenas uma das agro-ambientais.No futuro, quando houver candidaturas a ajudas, paira sempre o espectro de serem candidaturas em vão.Não porque os agricultores já perceberam que com este Ministro da Agricultura as cartas estão todas em cima da mesa. Quando publiquei a lista dos subsídios pagos durante o ano foi justamente para prestar contas. Porque em Setembro algumas Confederações, nomeadamente a CAP, mais uma vez, disse que eu não estava a cumprir, não estava a pagar. O objectivo das listas foi provar aos agricultores portugueses que o Governo pagou. Pagou 977 milhões de euros nos doze meses que leva em funções. Cumprimos. E quando o Governo apresenta o novo Quadro Comunitário de Apoio, apresenta o novo Plano Estratégico para a Agricultura, está a pôr em cima da mesa a sua política e a discuti-la com todos. O problema é a aplicação das medidas que são decididas. Quando houver portarias que dão execução a essa política elas são para aplicar. Eu estou a aplicar uma Portaria que herdei do Governo anterior. Estou a aplicá-la, não estou a interpretá-la no sentido que me é mais agradável porque tenho problemas orçamentais. Eu estou a aplicá-la tal como ela foi prevista. Esta Portaria foi feita no tempo da Drª Manuela Ferreira Leite. Mesmo quando decide não aprovar as candidaturas às agro-ambientais?Naturalmente. Quando há um artigo que diz as candidaturas são pagas em função da dotação orçamental é evidente que não se trata de um saco sem fundo. Não bastava apresentar um papel para se ter direito a receber um cheque. Era uma lei que estabelecia claramente um calendário de medidas agro-ambientais para pagamento porque se sabia à partida que não havia orçamento para pagar tudo. Isso estava na Lei. Quem se candidata tem que cumprir uma série de requisitos e tem que se preparar para cumprir as regras para ter direito. Sabendo-se que havia um período de cinco anos em que o programa tinha validade a expectativa estava criada. As pessoas fazem investimentos.É uma justa expectativa até ao momento em que se recebe o primeiro cheque. A partir desse momento o agricultor pode estar seguro que vai ter ajuda nos cinco anos.Não tinha possibilidade de ter falado mais cedo desta eventualidade de optar por não pagar?As dificuldades só surgem quando a única entidade que tem poder para decidir o Orçamento, que é a Assembleia da República, decide. E isso é em Novembro de cada ano. Quando tomei posse, em 12 de Março, esta Portaria estava em vigor e as candidaturas tinham-se iniciado no dia 1 de Fevereiro. Não se mudam as regras do jogo no meio do processo. Não mudou?Eu não mudei as regras do jogo. Disse que ia aplicar a Portaria e lembrei às associações que a Portaria diz que as candidaturas serão aprovadas em função da dotação orçamental. Tem que haver uma prudência. As associações têm um protocolo com o INGA, recebem mais de dez milhões de euros para organizarem as candidaturas, fazerem um contrato com os agricultores. É só para isso. Não é para criarem falsas expectativas. Já disse que alertou as associações para o que se poderia vir a passar?As associações têm obrigação de conhecer a lei. Quando assinam um protocolo com o INGA têm que saber qual é o contrato. O Governo anunciou e nunca escondeu que estávamos num quadro orçamental de rigor e que iríamos tomar medidas. A proposta de Orçamento chegou à Assembleia da República em pleno Verão. Toda a gente viu os cortes que teve o Ministério da Agricultura e os cortes que tiveram todos os Ministérios. E mesmo assim o Ministério da Agricultura, em termos de verbas do PIDAAC, que é de onde vem o co-financiamento destas medidas, é o que está em terceiro lugar em termos de verbas. Eu sempre anunciei que todos tínhamos que estar preparados para os cortes.Vai haver um menor investimento do Estado no Sector agrícola?Não, porque o bolo do PIDAAC cobre toda a actividade do Ministério da Agricultura - a parte de incentivos ao investimento; a parte das ajudas de Estado e a parte das ajudas co-financiadas. Esse bolo foi negociado para os próximos 7 anos pelo senhor Primeiro-Ministro em Dezembro do ano passado. E conseguimos para a Agricultura portuguesa qualquer coisa como 500 milhões de Euros anuais. Se o Governo, este ano, achasse que era uma boa política pagar a mil agricultores 50 milhões de euros por ano durante cinco anos estávamos a tirar do bolo 10 por cento para agro-ambientais. Agro-ambientais como as lixiviantes e as arvenses de sequeiro que abrangem qualquer coisa como 6 concelhos deste país e pouco mais de mil agricultores.O dinheiro não se esgota aí.Se juntarmos às agro-ambientais a rede natura, os planos zonais, porque aí necessariamente são necessárias medidas ambientais, já estamos em cem milhões. As indemnizações compensatórias, que são medidas que abrangem 110 mil agricultores espalhados por todo o país, atingem 110 milhões de euros. E há as medidas agro-ambientais tradicionais. Ou seja, com medidas que não têm nada a ver com a competitividade da agricultura, com a modernização, já estamos a gastar cinquenta por cento do que vem para Portugal. Estamos numa altura de mudanças climáticas, tivemos uma seca, temos grandes investimentos a fazer no regadio. Eu pergunto às associações que estão a reivindicar mais dinheiro para algumas medidas agro-ambientais, para um número pequeno agricultores, o que é mais importante?As medidas agro-ambientais que estão no centro desta polémica não são importantes? Estamos a falar de zonas onde o valor acrescentado em termos agrícolas é o mais baixo. O sector mais importante a nível do produto agrícola nacional é a hortofruticultura mais a vinha. Só aqui já temos cinquenta por cento do valor acrescentado. Se somarmos a produção de carnes sobra para os tais sistemas arvenses de sequeiro qualquer coisa como 2 a 3 por cento do produto agrícola. É aqui que devemos pôr os 500 milhões de euros? Claramente que não.

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