Arquivo | 13-10-2013 10:22

Caça furtiva ao rinoceronte dizima homens e animais no sul de Moçambique

Uma matança silenciosa prossegue no Limpopo, na fronteira entre Moçambique e a África do Sul, em resultado da caça furtiva ao rinoceronte: centenas de moçambicanos terão sido mortos pelos guardas sul-africanos e o animal está quase extinto.Depois ter enterrado o seu irmão, morto no parque Kruger, emboscado pelos 'rangers' sul-africanos, Lucas Carlos não encontra palavras para descrever o que aconteceu."Recebi a informação de que foi baleado e tentei procurar como é que podia ir lá", buscar o cadáver, "porque diziam que iam deitar o corpo fora", disse, a custo, à Lusa, garantindo desconhecer que o seu irmão se dedicava à caça furtiva."Não sabia, ele nunca falou nisso", afiança Carlos, um moçambicano desempregado, com 23 anos, que vive em Magude, um distrito no sul de Moçambique de fronteira com a vedação do Parque Kruger e conhecido ponto de encontro dos caçadores furtivos que estão a extinguir o rinoceronte.Depois de terem praticamente morto a espécie no moçambicano Parque Nacional do Limpopo (PNL), os caçadores passaram para o vizinho Kruger e os seus efeitos fizeram disparar os alertas na África do Sul, que criou uma força especial para pôr por cobro à "invasão", com o lema: "Disparar para matar".Segundo uma contagem feita pelo diário O País, de Maputo, nos últimos três anos terão sido mortos 300 moçambicanos pelos guardas do Kruger, números que não foram contestados pelas diversas fontes contactadas pela Lus"São os jovens que estão a morrer", disse à Lusa a administradora do distrito, Cristina de Jesus, que fala em "15 mortos e vários presos", de Magude, ocorridos no Kruger entre janeiro e julho deste ano."O mandante paga 300 mil meticais (cerca de 8 mil euros) e ele não vai lá. Se fosse bom, ele ia, mas os mandantes nunca aparecem", queixa-se Cristina de Jesus.A situação arrefeceu as relações entre os dois países, governados por partidos "irmãos", Frelimo, em Moçambique, ANC, na África do Sul, com Pretória a acusar Maputo de "nada fazer" para deter a caça furtiva, e o governo moçambicano a protestar contra a "extrema violência" com que são tratados os seus cidadãos.Os sul-africanos "têm a percepção de que não estamos à altura, em termos de controlo", reconhece António Abacar, o director do PNL.Naquele espaço, que, com o Kruger e o Gonarezhou, no Zimbabué, constitui o gigantesco Parque Transfronteiriço do Limpopo, ainda residem populações, o que facilita a caça furtiva, reconhece Abacar."É difícil controlar quem o faz o quê, ao nível das comunidades dentro do parque e suspeitamos que os maiores focos da caça furtiva provêm dessas comunidades", diz.Em Mavoze, uma das aldeias do PNL, perante um rigoroso manto de silêncio, são visíveis sinais da caça furtiva: automóveis, motas e antenas parabólicas."Aqui moram mais de mil pessoas, mas só quatro ou cinco têm emprego", diz um residente, falando sob anonimato.Os caçadores furtivos "andam por aí", diz o sul-africano Fritz Jacobs, gerente do único acampamento privado do PNL. "Se por acaso os encontrarmos, afastamo-nos", acrescenta.A ausência de legislação que criminalize a caça furtiva agrava o fenómeno que é estimulado pela corrupção e pela fraca fiscalização."Há pouco tempo, perdemos um fiscal. Ele esteve de férias, juntou-se a uma equipa de caçadores, depois caiu numa emboscada e foi atingido mortalmente", revela o director do PNL.A imprensa de Moçambique tem referido nomes de agentes da polícia e da Guarda Fronteira mortos ou presos pelos sul-africanos em plena caça furtiva - outros, alugam as armas pesadas com capacidade para abater um rinoceronte.O negócio é altamente lucrativo e o medo instala-se. A administradora de Magude recebe frequentes ameaças no telemóvel e o padre mexicano Jesus Macias, da Missão de São Jerónimo, admite que a caça furtiva é tema na "palavra da Igreja, mas sem se mencionar essas palavras".Com uma recompensa no horizonte de 10 a 20 mil euros, os caçadores formam equipas de três homens - um, para abater; outro, para desmanchar o animal; e o terceiro para carregar os mantimentos - e percorrem, enormes distâncias, caminhando pelo interior do mato e evitando as estradas de terra batida e os raros acampamentos.Se escaparem com vida ficam ricos, a troco de um corno que passa, clandestino, de mão em mão até chegar aos lucrativos mercados da China ou do Vietname, que o consideram um forte estimulante sexual.

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