Crónicas do Brasil | 29-06-2018

Wilson Piran: A atração pelo abismo

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Wilson Piran: A atração pelo abismo

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Ouro ou Deus? parece indagar o artista ao intensificar cada vez mais sua índole camaleônica e adaptar-se a situações novas sem perder ou perder-se nesse jogo ambíguo

A recém-inaugurada exposição de Wilson Piran no Museu Nacional de Belas Artes reativa um conhecido mote do artista, “Nem tudo que brilha é ouro”, e, talvez à revelia do seu criador, gira em torno dos debates sobre estética e ética frente a ódios e censuras destes tempos de Queermuseu. O referido mote foi criado por Piran há cerca de 40 anos e volta reenergizado em 23 objetos de diferentes materiais recobertos de um falso ouro de vitrine que remete à pátina suntuosa do barroco brasileiro. Manter o mesmo tom provocador das mostras anteriores, ao que parece, é prerrogativa do artista. Contudo, na sua penúltima exposição (Volúpias, na galeria Marcia Barrozo do Amaral em 2016), flertou com o neoconcretismo carioca numa espécie de tributo ao lúdico, despido daquele ponto de vista crítico que marcou seu percurso desde o início.

Seu trabalho talvez mais conhecido da série “Nem tudo que brilha é ouro”, Constelação (1982), integra a prestigiada Coleção Gilberto Chateaubriand e é um vasto painel que reúne os principais nomes da arte brasileira esculpidos em madeira revestida de purpurina. Na exposição Estrelas (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 2003), Piran levou às últimas consequências essa proposta, quando o uso da purpurina e o perfeccionismo de execução levantaram questionamentos sem dispensar o fascínio, num trânsito em que a emoção convive no mesmo espaço da provocação.

Ao expor pela primeira vez no Museu Nacional de Belas Artes, em 1980, Piran já enfatizava a transgressão, e nas exposições seguintes manteve-se firme numa sábia movimentação de conceitos, materiais e ideias que tempera com sóbrio intimismo. Negou-se a realizar nesse tempo uma necessária exposição retrospectiva, que, no entanto, aparece agora camuflada nesta montagem de todo seu passado de artista pop, nesta espécie de ironia velada e um tanto anárquica com que dispõe no espaço estes 23 novos objetos. Ao ironizar tendências e vícios da arte moderna em via de mão dupla que vai do popular ao erudito, do nacional ao universal, das “belas artes” às “artes plásticas”, do kitsch ao clean, o artista cria a atmosfera propícia para as dúvidas que invertem valores. E essa atmosfera põe no centro do palco as perguntas que nos acompanham: O que é arte? O que vale a arte? Arte para quê?

Ouro ou Deus? parece indagar o artista ao intensificar cada vez mais sua índole camaleônica e adaptar-se a situações novas sem perder ou perder-se nesse jogo ambíguo. A simulação do ouro que ora recobre várias de suas fases anteriores mescla fascínio e repulsa com igual força. O artista atua como um encantador de serpentes na náusea dos museus – em tudo que busca reinterpretar de sua obra anterior ou da produção de ícones da arte moderna ou antiga, há um incontornável sinal de cansaço ou excesso. Sim, a arte já não cabe nos museus, maiores responsáveis por sua entronização e simulacro; a arte não cabe ali. E aqui por vezes nosso artista se avizinha do deboche de um Nelson Leirner e, em outra vertente, de determinadas “intenções” ilusionistas e de releitura da história da arte de Vik Muniz, do qual Piran é inegavelmente um precursor.

Em outra perspectiva, é artista que nunca deixou de incorporar palavras aos objetos, e essas palavras é que alicerçam seus recados inconvenientes. Agora elas brilham e ardem em gavetas entreabertas como se fossem pronunciadas entre dentes. Palavras que passaram em nosso cotidiano eletrônico a ocupar um espaço de imprevista gravidade e, em Piran, conquistam este potencial denunciador sem deixar de se exercer como palavras-sensações, que nos encantam antes pela exuberância e beleza. Em entreaberto refúgio, “Alegria” e “Prazer” insinuam-se como quem burla um censor na conquista de precária liberdade. Em época de tantos patrulhamentos e obscurantismos, dos velhos e insistentes descalabros políticos e descompassos jurídicos, em que as palavras ferem como dardos em balança que ora tende para o bem ou para o mal, aqui temos um artista no front que escolheu: da ilusão ao perigo, cada vez mais dentro de um jogo que começa onde termina, God-Gold.

“Na palavra dita o que é escudo também atira”, diria frente a estes objetos o poeta Edimilson de Almeida Pereira. Ironizar a história e o sistema da arte, e tudo mais que assimilamos e aceitamos sem questionar, é o que mantém o artista e suas máquinas de provocação. Nesse ponto, até a sua releitura do neoconcretismo foi absorvida agora pelo falso brilho que acaba por mimetizar o dourado de alguns trepantes ou bichos de Lygia Clark. Outra provocação ou uma simples atração pelo abismo da arte?

Wilson Piran: NEM TUDO QUE BRILHA É OURO

MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES

Avenida Rio Branco, 199 - Rio de Janeiro - Brasil

De terça a sexta, das 10 às 18h (até 9 de setembro)

Sábados, domingos e feriados das 13h às 18h

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