Economia | 05-08-2015 16:12

Somos um país de gente sentada nas suas cadeiras

“O país não aguenta ter tão pouca gente a puxar para a frente e tantos sentados nas suas cadeiras”. Pedro Ferraz da Costa em discurso direto na tomada de posse da direcção da AIP, oportunidade para criticar também os reguladores, os políticos e os patrões que “estranhamente ainda resistem à liberalização da negociação dos salários”.

Na tomada de posse dos novos órgãos sociais da AIP, Pedro Ferraz da Costa, reeleito presidente da mesa da Assembleia Geral, voltou a marcar a sua intervenção com um discurso que mereceu elogios e apontou caminhos para uma boa governação do país e para o papel das associações empresariais na definição de uma estratégia para a mobilização do potencial económico do país.Falando para uma plateia de mais de uma centena de empresários, a maioria ligados aos órgãos sociais da AIP, Pedro Ferraz da Costa fez um balanço negativo sobre a economia, as finanças e a sociedade portuguesa, atribuindo a culpa à incapacidade para uma “adaptação do nosso modelo económico às mudanças que ocorreram nos últimos anos no mundo e na Europa. A queda do muro de Berlim; quatro alargamentos da União Europeia; a aceleração do fenómeno da globalização a partir de 1992 e a generalização da economia de mercado, não foram suficientes para nos adaptarmos”. Para Feraz da Costa “a forma como sempre foram distribuídos os fundos comunitários significou, na generalidade dos casos, uma concentração brutal de poder nos governos e nos governantes em relação às decisões económicas, em detrimento de decisões de mercado, o que levou a uma concentração indesejável no sector dos bens não transaccionáveis (:) Ainda hoje todos temos a noção do que isso representa para as nossas actividades, quer no que respeita à energia, quer no que diz respeito às telecomunicações (:) Tudo isso conduziu a más decisões e muita corrupção e a muitos dos problemas que os portugueses hoje vêem com tão maus olhos, e com muita razão”.Uma política financeira muito laxista e contas sempre pouco equilibradas levaram o país “à situação actual em que o peso dos salários e das despesas sociais representam 78% das despesas primárias do Estado. Talvez não em público, mas em privado, gente de quase todos os partidos achava que no fim a UE pagaria a conta, que nós eramos pequenos e que isso não seria muito pesado. Vimos, aliás, recentemente, como a maior parte dos eleitores da UE começa a reagir mal a pagar contas de outros países e acho que é um aviso que nós não deveremos ignorar” salientou.Ferraz da Costa criticou ainda o falhanço das políticas de regulação e a incapacidade de promover a concorrência já que, segundo afirmou, “é a concorrência que leva a boas decisões económicas”. Deu ainda relevo à má supervisão bancária afirmando que é “indesmentível o papel condescendente do Banco de Portugal e o facto de Vítor Constâncio chegar a manifestar-se publicamente contra qualquer preocupação pelos desequilíbrios externos porque estávamos dentro do euro”, o que afinal viria a tornar-se fatal. Sobre as negociações com a União Europeia afirmou que “negociámos com os credores na 25ª hora um envelope financeiro insuficiente. A UE, neste esquema difícil de tomada de decisões a 28, achou que a Grécia tinha sido um caso especial e que já não poderia haver nada dessa dimensão (:) precisaríamos de 100 ou 110 mil milhões, tivemos 78, uma parte deles, a parte respeitante à banca, ainda por cima utilizado insuficientemente e não logo desde o início (:). Para tornar tudo isto ainda mais difícil, o prazo de três anos, que foi o que durou o programa de ajustamento económico e financeiro, era manifestamente insuficiente para corrigir desequilíbrios que eram muito maiores dos que os que levaram a anteriores intervenções do Fundo Monetário Internacional. Ninguém conseguiria fazer as alterações necessárias naquele período de tempo e não deixo de louvar a persistência do Governo nesse objectivo, que era muito importante para Portugal”. Para Ferraz da Costa é evidente que a execução do programa de apoio financeiro “foi contrariada por quase todos os grupos de interesses em Portugal”. E deu um exemplo que ilustra a luta de poderes que divide e prejudica o país e a sua economia: “Estava previsto liberalizar o acesso às profissões em 12 meses. Ao fim de quatro anos vamos passar de 13 para 16 ordens profissionais e não sabemos se de facto vamos ter alguma liberalização neste sentido”. Por fim fez a crítica mais contundente do seu discurso que é, em parte, uma autocritica já que os empresários são os mais visados nesta declaração: “Os salários do sector privado não se adaptaram, gerando mais desemprego e sobrecarregando as despesas sociais (:). Mantivemos um mercado de trabalho dual, isto é, super protegido para os que já têm emprego e extraordinariamente precário e incerto para os que não têm, numa discriminação contra os mais jovens. É aliás para mim surpreendente a resistência das confederações patronais à liberalização da negociação de salários, atrasando a resolução do problema da caducidade das convenções colectivas, posição muito influenciada por todas as associações patronais que têm quase como única função negociar contratos colectivos”. Com uma evolução da economia europeia muito mais difícil do que aquela que foi prevista na altura da negociação do acordo, Ferraz da Costa acha evidente que “os objectivos não podiam ser atingidos já que o modelo foi concebido para uma situação diferente daquela que vivemos e por ter havido um abrandamento muito significativo da actividade económica na Europa, com a própria Alemanha a entrar em alguns trimestres em recessão”. Depois de elogiar o Governo por ter tomado a decisão corajosa, politicamente inconveniente, de seguir em frente e de tentar cumprir o programa e obter uma saída limpa, disse que “para a classe empresarial é muito incompreensível o facto de os partidos do chamado arco de governação e o Presidente da República não terem conseguido construir uma aliança nacional para dialogar com a troika, dialogar com os credores e obter algumas alterações ao programa, o que poderia ter ajudado a resolver melhor os gravíssimos problemas económicos e financeiros”.No final do seu discurso Ferraz da Costa apontou caminhos que passam pelo entendimento entre as várias forças políticas de forma a haver uma redução faseada das despesas públicas, que seja assumido por esse acordo inter-partidário e em que o ónus político não caia só sobre quem está no governo”. Defendeu ainda “um pacto fiscal a 10 anos; um programa a 10 ou 20 anos para a reforma progressiva do sistema de pensões e um programa de modernização do Serviço Nacional de Saúde já que na sua opinião se queremos ter saúde pública à custa da subida de impostos isso será a ruína porque “o nível da carga fiscal em Portugal não é compatível com o crescimento da economia”.Precisamos de uma estratégia nacional de mobilização do potencial de crescimento económico e as organizações empresariais têm aqui um papel importante. Precisamos de promover activamente a concorrência e aceitar a destruição criativa. Sem deixar cair o que é velho não conseguimos criar o que é novo e tem futuro.Pedro Feraz da Costa defende ainda a revisão da Constituição e alertou para o perigo de governos minoritários e para as políticas eleitoralistas que levem Portugal a uma ainda maior “perda de credibilidade externa”. “O país não aguenta ter tão pouca gente a puxar para a frente e tantos sentados nas suas cadeiras”, concluiu, depois de afirmar a grande responsabilidade das organizações empresariais na forma de exigir ao governo apoios para os empresários que fazem a diferença.

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