Entrevista | 14-07-2011 10:02

"Gosto que os meus livros sejam conhecidos, mas eu não"

A sua vida podia dar um livro, mas Jacinto Rego de Almeida prefere inventar a vida das personagens que povoam os seus livros de ficção. O seu mais recente romance, "A verdadeira história do bandido Maximiliano", chegou há pouco às livrarias e tem uma trama repartida entre Portugal e o Brasil. Tal como a vida do autor se tem dividido por essas paragens. Abandonou a Marinha e tornou-se exilado político nos tempos de Salazar, foi conselheiro económico da Embaixada de Portugal no Brasil após o 25 de Abril e hoje vive no remanso da terra natal, Alcanhões, no concelho de Santarém.Jacinto Rego de Almeida recebe-nos na espaçosa moradia cor de rosa mandada construir há perto de cem anos em frente à igreja de Alcanhões pelo seu avô paterno, feitor de uma das quintas mais importantes da zona. A conversa decorre na sua sala de trabalho, onde tem o computador e estantes carregadas de livros.Antes de enrolar o primeiro cigarro, o escritor pergunta ao que vimos e do que queremos falar. O importante para ele, sublinha marcando o território, é o seu novo livro e não a sua vida que, na opinião do jornalista, tem alguns episódios dignos de serem contados. E por isso acaba por falar, sem se alongar muito, da sua fuga da Marinha, do exílio em França e no Brasil, de Alcanhões e de Santarém. Uma conversa com um homem discreto, que gosta de viver sossegado com a esposa tratando da casa, dos terrenos e da vida das personagens que vai inventando para os seus textos de ficção. Lançou recentemente um livro mas esse facto passou praticamente despercebido na região que o viu nascer. Não houve qualquer apresentação pública. Porquê?O livro foi apresentado no Festival do Silêncio, no Cinema São Jorge, em Lisboa, pelo Villaverde Cabral. Eu entrego isso na mão dos editores. A Sextante é da Porto Editora, que é uma editora grande, e eles é que me recomendam onde deve ser lançado.Não acha que era importante também a promoção aqui na zona onde vive?A editora não me falou nisso.E o senhor também não tem muito esse espírito comercial?Eu escrevo e entrego aos editores.Provavelmente há muita gente que se cruza consigo na rua e que não sabe que o senhor é escritor.Pois, mas também não vejo muito interesse nisso. O que me interessa são os livros. Mas não lhe interessa vender os seus livros, promover a sua imagem enquanto autor?Com toda a franqueza, acho que isso cabe ao editor. Eu escrevo livros. A melhor coisa é escrever os livros.Há alguns escritores portugueses contemporâneos que se tornaram estrelas pop, no sentido em que a própria imagem deles ajuda a vender a arte que produzem. O senhor é quase a antítese, uma pessoa que escreve na sombra e que só o editor traz à superfície.Não vejo qualquer interesse pessoal nisso. Gosto que os meus livros sejam conhecidos, mas eu não.É uma pessoa discreta.Sim, faço a minha vida…Faz a sua vida habitualmente aqui em Alcanhões?Moro aqui vai fazer sete anos, na casa onde nasci, que era do meu avô. Faço a minha vida sobretudo no eixo Alcanhões, Santarém e Lisboa.Após 30 anos a viver em cidades como Rio de Janeiro e Brasília regressar a Alcanhões é um contraste profundo.É. Mas os últimos dez anos no Brasil vivi em Brasília, uma cidade muito confortável, onde se faz uma vida muito sossegada. E gosto de morar aqui. Não estou muito longe de Lisboa e tenho o sossego do campo.Os seus vizinhos sabem que o senhor é escritor?Acho que a maioria sabe. Há alguns que não pergunto mas creio que sabem. Aqui em Alcanhões não saio muito. Faço a minha vida mais em Santarém, onde vou quase todos os dias.Reparte-se por várias disciplinas da escrita como o romance, a crónica, o conto ou a literatura de viagem. É pau para toda a obra?É no texto mais curto que me sinto mais à vontade, na crónica ou no conto.O seu processo criativo é mais inspiração ou transpiração?É um pouco das duas, mas não é um parto doloroso. Este processo desde que se começa a escrever uma narrativa até vê-la transformada em livro, que demora talvez dois anos no meu caso, é para mim muito agradável. É uma segunda vida.Não se imagina sem a escrita.Não. E só entrego um original ao editor quando já comecei outro. Nunca deixo espaços em branco.De oficial da Marinha para o exílioSaiu do país para o exílio aos 26 anos empurrado pela ditadura salazarista ou porque quis?Exilei-me em 1968. Era contra o regime e contra a guerra colonial e decidi sair.Não esteve na guerra?Era oficial da Marinha e passei por Cabo Verde, Angola e Moçambique numa fragata. Mas não estive em operações. Sendo oficial, como conseguiu abandonar a Marinha e sair para o estrangeiro?Pedi uma licença para ir ao estrangeiro, acabei por ir e não voltei. Fui para França e depois para o Brasil. Depois do 25 de Abril voltei a Portugal, pois fomos todos amnistiados. Voltei em Setembro de 74 e pouco tempo depois fui convidado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros para essas funções no Brasil que desempenhei até 2004. Na altura precisavam de alguém com formação económica e que conhecesse bem o Brasil e convidaram-me. Tinha estudado economia e trabalhado em grandes empresas brasileiras ligadas à informática. Formei-me também em Relações Internacionais.Estava ligado a algum partido?Não. Ganhei consciência política por mim. Na Marinha havia bastante consciência política. E foi a minha geração de oficiais que esteve na origem do 25 de Abril. Como é que viveu a revolução?Estava com a minha mulher na Alemanha, numa pequena cidade. Conhecíamos um alemão que nos deu conta de que no dia anterior tinha havido uma revolução em Portugal. Perguntei-lhe quem tinha feito a revolução e ele disse-me que tinha sido um general com um monóculo de que não sabia o nome nem a tendência. E o senhor sabia quem era o general do monóculo?Sabia, com monóculo só podia ser o Spínola. Continuava a acompanhar no estrangeiro o que se ia passando em Portugal.Para os seus pais foi um choque ter optado pelo exílio?Acho que de alguma forma eles já supunham que isso pudesse acontecer. Mas na altura já era muito claro para a minha geração que o regime não ia durar muito mais. Saí do país e o Salazar caiu da cadeira uns meses depois. Quem tinha alguma consciência política tinha a noção que o regime não ia durar muito. Continua a ser uma pessoa interessada pela política?Muito pouco. Acompanho mas tenho mais que fazer e não tenho tempo para tudo.Mas hoje, provavelmente, tem mais tempo do que antes de se reformar?Quando me reformei pensei que ia ter muito tempo. Depois dei conta de que não é bem assim. Hoje diria que me sinto tão ocupado como quando trabalhava. Preciso de ler, preciso de escrever, preciso de contactos, de tomar bem conta desta casa e dos terrenos. "Não conheço a obra de Moita Flores"Tem no seu concelho um presidente da câmara que também é escritor de romances. O que acha do autor Moita Flores?Conheço-o muito mal, apesar de já me ter cruzado em Santarém com ele várias vezes. Mas não tenho uma opinião muito formada. Não conheço a obra dele.E como autarca tem alguma opinião?Também não tenho uma opinião formada.A Santarém que deixou na década de 60 é hoje muito diferente. Gosto francamente de Santarém. Tem uma boa dimensão e boas infraestruturas.E o que pensa de Alcanhões?Gosto muito, também por estar perto de Santarém e de Lisboa. Parecido de estar próximo de um meio maior. Ainda ontem fui a Lisboa ver uma peça no Teatro Aberto. Mas sinto-me muito bem aqui.Este ambiente rural influencia de alguma forma a sua escrita?O anterior romance, que se chama "O assassinato de Berta Linhares", passa-se numa vila do Ribatejo, ficcionada. Mas não exerce grande influência. Depois do exílio o regresso às raízesJacinto Rego de Almeida nasceu em 23 de Dezembro de 1942 na espaçosa moradia em frente à igreja de Alcanhões, concelho de Santarém, para onde regressou em 2004 após 30 anos como funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Durante esse período prestou serviço no Brasil, no Rio de Janeiro e em Brasília, a trabalhar para a embaixada de Portugal como conselheiro para a área económica. É casado, pai de dois filhos e avô de 4 netos.A infância foi vivida até aos 6 anos em Alcanhões, vila ribatejana de onde o pai também era natural. A mãe era lisboeta. A família rumou à capital para proporcionar uma melhor instrução aos dois filhos. Instrução escolar cumprida, Jacinto foi chamado para o serviço militar tendo integrado os quadros da Marinha, onde chegou a oficial e de onde fugiria para o exílio em 1968, primeiro para França e depois para o Brasil, por ser contra o regime salazarista e a guerra colonial. Entre 1968 e 2004 viveu no estrangeiro, exilado até 1974, e no exercício do cargo de conselheiro económico da Embaixada de Portugal no Brasil após a Revolução de Abril. Vive em Alcanhões há sete anos.Novo livro saiu agora e já está outro na forja Começou a escrever "há 20 e tal anos", sempre na área da ficção. A excepção é o livro de viagens "Mistérios da Amazónia _ Cadernos de uma expedição nas Guianas e no Brasil", que produziu com o jornalista e "grande amigo" Carlos Cáceres Monteiro, que recriou com fotos e texto, 50 anos depois, o roteiro de fuga de Papillon no célebre romance com o mesmo nome. "Sou um contador de histórias, sou um ficcionista. Não escrevo ensaios, não escrevo livros de memórias", diz Jacinto Rego de Almeida, 68 anos.O primeiro livro de ficção foi publicado no Brasil em 1987, uma colectânea de contos ("O Afiador de Facas") que no ano seguinte foi reeditado em Portugal. E desde aí editou mais duas colectâneas de contos, começou a escrever crónicas para o Jornal de Letras e também narrativas mais longas, como o quarto romance, agora editado, intitulado "A Verdadeira história do bandido Maximiliano" e que foi apresentado recentemente em Lisboa no Festival do Silêncio. Na forja está já mais um romance.No último livro usa pela primeira vez fotografias a preto e branco para ilustrar a trama que ajudam incorporar personagens ou ambientes. Usa a estrutura do romance policial para falar da sociedade. "É uma boa forma de retratar a sociedade e eu gosto do policial". Como leitor, prefere a literatura contemporânea, alguma policial, mas sempre de ficção. "Acho que a ficção dá uma grande liberdade a quem escreve e também a quem lê".O livro "A Verdadeira história do bandido Maximiliano" é um "thriller" sobre o crime dos nossos dias, o crime organizado, como negócio, como actividade empresarial clandestina. É uma trama onde se fala das máfias modernas, do tráfico de droga e de mulheres, da imigração clandestina. O principal personagem, diz Jacinto Rego de Almeida, é um português simples que parece sofrer de melancolia, empregado de balcão numa discoteca que acaba por ascender no mundo do crime e cuja única relação familiar é uma velha tia. O bandido Maximiliano acaba candidatando-se a vereador "e o final surpreendente confirma a ideia de que a boa história é aquela que nunca acaba", diz, acrescentando que "o livro agarra os leitores pelos calcanhares na segunda ou terceira página e não o deixa em sossego até ele acabar"

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