Entrevista | 15-03-2012 10:46

“Estou desiludido com o caminho tortuoso que Moita Flores nos vai deixar”

“Estou desiludido com o caminho tortuoso que Moita Flores nos vai deixar”

Foi presidente da Assembleia Municipal e vereador da Câmara de Santarém, presidente de junta de freguesia e dirigente concelhio e distrital do PSD. Recentemente voltou à política activa. Sem grandes floreados verbais e terra a terra como sempre, Eurico Saramago confessa-se desiludido com Moita Flores, de quem foi um dos principais apoiantes, e teme o legado que o autarca vai deixar na autarquia escalabitana.

Em 2005 envolveu-se fortemente no apoio a Moita Flores como candidato à Câmara de Santarém. Porquê?Apoiei-o numa perspectiva que era a de uma passagem fugaz por cá, pois ele dizia que não tinha jeito para ser presidente de câmara. De facto empenhei-me durante um ano e meio no projecto, mas depois, com alguma desilusão, tive de me afastar.Quando surgiu essa desilusão e por que razão se afastou?Essa desilusão acentuou-se no dia do almoço de aniversário do doutor Isabelinha, quando tive conhecimento da nomeação de uma determinada pessoa para a empresa Águas de Santarém. Um projecto com o qual também não concordei muito, pois Santarém podia hoje liderar a empresa Águas do Ribatejo que era um projecto mais abrangente.Só por causa de uma nomeação decidiu deixar de apoiar Moita Flores?Essa foi mais uma das coisas que achei que estava mal. Foi a gota de água que fez transbordar o copo. Mas já tinha dito ao dr. Moita Flores que me ia afastar devido à forma como ele estava a tratar as pessoas de Santarém.A tratar de que forma?Acintosamente, como aconteceu por exemplo com o Carlos Rodrigues, que é das poucas pessoas, do meu ponto de vista, interessada pela cidade e pelo concelho. Costumo dizer-lhe que ele levanta a caça mas depois não é capaz de a matar.Quando decidiu apoiar Moita Flores como candidato do PSD em Santarém achou que na altura não havia no seu partido em Santarém quem pudesse ganhar a câmara ao PS?Esta semana disse a alguém que é mais difícil nesta conjuntura ser dona de casa do que ser presidente de câmara. Porque a dona de casa só tem o orçamento familiar para se servir. Vejo em Santarém algumas pessoas, de vários partidos, que poderiam dar bons presidentes de câmara. Mas o caminho vai ser tortuoso a partir daqui.Está desiludido com a prestação de Moita Flores enquanto autarca?Estou desiludido com o caminho tortuoso e apertado que nos vai deixar, na medida em que a câmara devia 55 milhões de euros quando ele chegou e agora deve à volta de 100 milhões. Não sei como estão os processos do ex-presídio militar, do antigo IVV, do convento das Donas, que a câmara quer passar para a sua posse. Noto que a câmara anda um bocado à deriva.A dívida da autarquia vai condicionar muito os próximos mandatos?Tem que haver alguma solução para a dívida. No seu blogue, Moita Flores diz que recebeu uma boa notícia acerca disso. Vamos ver.Ganhar a Câmara de Santarém em 2013 pode ser um presente envenenado.Não há nada ingovernável. Se fosse mais novo nem me importava de ser candidato. Temos é que viver com pouco mais que aquilo que temos e saber fazer contas. Quando o dr. Moita Flores veio, pensei que ia resolver a dívida em 100 dias.Chegou a acreditar nisso?Cheguei. Pensava que o poder não o deslumbrasse tanto. A mim nunca me deslumbrou. Sou escravo da ética, da honestidade e da concordância.O PS defende que Moita Flores devia ser novamente candidato em Santarém para o seu trabalho poder ser avaliado pelos eleitores em 2013. O que pensa disso?Pode-se fazer três mandatos. Gostava de ver como é que ele vai resolver o problema da dívida. Só nessa perspectiva é que digo que gostava que fosse ele, porque penso que em Santarém e no PSD há pessoas, no caso de ele se querer ir embora, que conseguirão levar a água ao seu moinho.Sem o fenómeno Moita Flores o PSD tem condições para ganhar a câmara?Vai ser difícil para o PSD porque a fasquia está muito alta e o fantasma de Moita Flores vai estar sempre presente. Não posso admitir que os bilhetes das touradas de 2006 ainda não tenham sido pagos à Misericórdia de Santarém.O actual número 2 de Moita Flores, Ricardo Gonçalves, pode ser um bom candidato?O Ricardo é outro Saramago. É um homem humilde, dedicado e que se devia impor mais em certas coisas. Penso que ele, como vice-presidente, devia ser o representante legal do presidente da câmara em todos os actos. Há festas e festarolas em que ele não vai e vai outro vereador em representação do presidente.Justifica-se a Câmara de Santarém ter sete elementos com tempo e pelouros atribuídos?Sou apologista de que todos os vereadores eleitos deviam estar a tempo inteiro e receberem ordenado. Trata-se do conselho de administração da autarquia, onde a oposição também tem uma quota. Só estando a tempo inteiro é que poderão trabalhar. Os vereadores têm sempre trabalho para fazer.Moita Flores apresentou como um dos seus objectivos devolver a capitalidade a Santarém. Isso tem sido conseguido?Acho que quando ele se for embora, e espero que seja quando ele quiser e não empurrado, isso esfuma-se, pois foi tudo construído sobre uma figura. Santarém está no mapa por causa dele. Mas quando ele se for embora vai haver uma espécie de sentimento de orfandade.E o PSD está a preparar-se para essa situação?O indivíduo que vier tem de começar a ser mediático e a preparar o terreno. Pelo que me contam, não vejo muita abertura neste momento para isso. O dr. Moita Flores diz que se vai embora antes do fim do mandato, pelo que já se devia estar a preparar quem vai assumir o seu lugar. Estas coisas deviam ser mais discutidas no partido. Há falta de diálogo e eu noto que as pessoas têm medo de contrariar o dr. Moita Flores. Eu contrariei-o e tive de me afastar.Na política fez um pouco de tudoComeçou cedo a ligação de Eurico Saramago à actividade política. Aos 20 anos, em plena ditadura salazarista, envolveu-se na campanha de apoio à candidatura de Humberto Delgado, o “General sem medo”, à presidência da República. A história acabou como se sabe, mas o “bichinho”, como o define, ficou e ainda durante a ditadura ligou-se à CDE (Comissão Democrática Eleitoral), movimento que congregava elementos da oposição democrática ao regime e que concorreu a eleições legislativas.Após o 25 de Abril continuou próximo da CDE, que entretanto se passou a chamar MDP (Movimento Democrático Português)/CDE e foi o primeiro presidente da comissão administrativa que geriu a Junta de Freguesia da Póvoa de Santarém no pós-revolução.Apesar da sua raiz ideológica de esquerda, aceita concorrer pelo PSD à junta de freguesia nas primeiras eleições autárquicas, em 1976, perdendo por três votos para o PS. Um passo dado após ter sido convencido por um médico amigo. Filia-se no PSD em Outubro de 1977, onde permanece até hoje.Pelo partido “laranja” foi cabeça de lista à Assembleia Municipal de Santarém e por duas vezes à Câmara Municipal de Santarém. Em nenhuma das vezes conseguiu vencer, mas acabou por ser presidente da assembleia municipal no mandato 1985-1989 graças à concertação dos vários partidos da oposição ao PS, que só tinha maioria relativa. Voltaria à assembleia no mandato 2001-2005, integrando a lista do PSD liderada por Vasco Graça Moura.Esteve também como vereador da Câmara de Santarém durante dois mandatos, entre 1989 e 1997. No primeiro perdeu as eleições por pouco para o socialista Ladislau Botas e esteve como vereador a tempo inteiro. No segundo, em que já não queria ser candidato, perdeu por grande margem para José Miguel Noras (PS).Foi também dirigente concelhio e distrital do PSD. Dono da sua cabeça e desassombrado no verbo, nunca foi de mandar recados e não tem problemas em remar contra a corrente dominante. O que já lhe causou mossas no interior do partido, como quando defendeu, na década de 80, apenas um novo hospital no Médio Tejo, na zona do Entroncamento, em lugar dos três que agora compõem o centro hospitalar. “Os resultados estão à vista”, ironiza.Homem terra a terra, é uma espécie de patriarca do PSD de Santarém a quem muitos recorrem para expressar o seu descontentamento. “Sou o muro das lamentações”, afirma com humor. Diz que foi em tempos falado para provedor do munícipe na Câmara de Santarém (cargo nunca criado) e convidado para ser provedor do militante do PSD, mas até à data nenhuma das situações se cumpriu.Ele não se esquece, tal como critica a “colonização”, por “pessoas de fora”, de lugares importantes dentro da autarquia ou das empresas municipais, que podiam ser ocupados por quadros de Santarém. “Temos que nos capacitar que temos cá pessoas com tanto ou mais valor”.“Já não acredito em figuras nacionais”Voltou à política activa como vice-presidente da mesa da assembleia distrital do PSD. Não estava já reformado dessas andanças?Isto é um bichinho. Já é a terceira vez que regresso. Gostei muito da Isaura Morais, fiz campanha com ela em Rio Maior, e quando o Ramiro Matos e o Vasco Cunha me falaram achei que nesta altura, pela forma como vejo a política, podia ser um factor de união.O que espera de Isaura Morais como líder distrital do PSD?Vai ter um problema muito complicado para resolver nas autárquicas em Tomar. E também em Ourém.E em Santarém?Como é a capital de distrito depende mais da liderança nacional. Podem mandar para cá um presente envenenado ou não.Acha que era uma boa aposta uma figura nacional como candidata?Já não acredito em figuras nacionais. Penso que em Santarém há gente apta e temos que nos capacitar disso.Em Tomar as actuais divisões internas podem ser fatais nas autárquicas?Sim, podem levar o PSD a perder a câmara. E esta animosidade contra o Miguel Relvas por causa dos hospitais do Médio Tejo também não ajuda.Um engenheiro que gosta de conhecer mundoEurico Saramago nasceu na Póvoa de Santarém a 4 de Agosto de 1938. Casado, pai de um casal e avô de três netos, reside há muitos anos em Santarém, mas mantém forte ligação à aldeia natal situada a meia dúzia de quilómetros da cidade. Filho único de um negociante de gado, teve uma infância e juventude relativamente desafogadas atendendo à época. Teve uma irmã gémea, que morreu à nascença, tal como aconteceu com um irmão algum tempo mais tarde.Rapaz da aldeia, de antes quebrar que torcer, Eurico Saramago estudou no Liceu de Santarém, de onde pediu para sair após ter brigado com o filho de uma professora a quem mandou com um livro de ponto na cabeça. Conseguiu interceptar o postal enviado pela escola para o seu pai a dar conta dos dois dias de suspensão que lhe foram aplicados e pediu ao progenitor para ir estudar para o Colégio Nun’Álvares, em Tomar, “uma escola de virtudes e de malandrice”, onde foi aluno interno e acabou o ensino pré-universitário. “Sabia que se tivesse ficado no liceu em Santarém não passava da cepa torta”, diz.Feito o sétimo ano do liceu, pensou em matricular-se no Instituto Superior Técnico, mas a duração do curso (5 anos) levou-o a optar pelo Instituto Industrial de Lisboa, onde em três anos concluiu o curso de Electrotecnia e Mecânica. Ainda pensou também em fazer engenharia civil mas só completou um ano.Nessa altura já tinha por hábito viajar pela Europa à boleia, trabalhando nas vindimas, o que lhe permitiu rasgar novos horizontes e conhecer outras culturas e ideias. A entrada no mundo do trabalho a sério deu-se pela mão da BP, a multinacional petrolífera à qual esteve ligado durante 40 anos, até à aposentação. Actualmente, ainda colabora com uma empresa ligada à energia.Faltam áreas para instalar empresas em SantarémQue prenda gostava que Santarém recebesse no feriado municipal, que se celebra a 19 de Março?Há tantas prendas. Mas acima de tudo gostava que houvesse mais união e que os vereadores tivessem mais consciência da situação em que se encontra a autarquia. E que questões como a da dívida fossem mais debatidas, que houvesse mais transparência na política.Que problemas gostava de ter visto resolvidos nestes últimos seis anos?Que se tivessem proporcionado condições para criar mais postos de trabalho. Gostava de ter visto criada uma zona industrial nova na zona da Póvoa de Santarém. A compra, há alguns mandatos atrás, do terreno para a zona industrial de Pernes foi um péssimo negócio, pois é impossível instalar lá empresas sem custos muito elevados.Uma cidade que não tem espaços em condições para instalação de empresas não pode ser competitiva.É isso. Tem sido um grande problema de Santarém. Devíamos ser mais unidos e a sociedade civil devia ser mais interessada nessa e noutras questões.O centro histórico continua a definhar.A crise é grande. Alguns comerciantes lutam mas não sabem lutar. A associação de comerciantes devia ser mais pró-activa, mas no meio de tudo isto tem de haver um motor. A câmara tem de dialogar mais com as pessoas e esse conselho do concelho que se falou em criar no programa eleitoral do PSD tinha todas as condições para debater essas questões.Como escalabitano, que opinião tem da actividade do Centro Nacional de Exposições - CNEMA?As pessoas dizem que o CNEMA está um bocado divorciado de Santarém, mas as pessoas é que estão divorciadas da cidade.E o que pensa do Festival Nacional de Gastronomia?Fui sempre contra o Festival de Gastronomia na Casa do Campino. Sempre defendi que os restaurantes fossem montados nos largos e praças da cidade para que as pessoas visitassem Santarém e deixassem algum dinheiro no comércio local. Assim, as pessoas vêm e vão embora sem visitar a cidade, tal como acontece com muitos visitantes da Feira da Agricultura/Feira do Ribatejo.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1660
    17-04-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1660
    17-04-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo