Entrevista | 24-05-2012 10:41

O médico ribatejano que trata da saúde à selecção brasileira de triatlo

O médico ribatejano que trata da saúde à selecção brasileira de triatlo

Na juventude foi futebolista em três clubes de Santarém, cidade onde nasceu e reside. Depois dedicou-se à medicina, primeiro no sector público, depois no privado. Pelo meio teve uma experiência na política, como mandatário da primeira candidatura de Moita Flores, apesar de dizer que detesta política.

A saúde da selecção brasileira de triatlo está em parte nas mãos de um médico de Santarém há muito ligado à medicina desportiva. Luís Sousa e Silva, 57 anos, trata das maleitas aos homens e mulheres que fizeram do centro de estágios de Rio Maior a sua base até 2016. Uma das atletas (Pamela Oliveira) sagrou-se recentemente vice-campeã do mundo, no México, e tem passaporte praticamente assegurado para os Jogos Olímpicos de Londres, a realizar no próximo Verão. “Fiquei orgulhoso, porque ela é minha atleta”. O médico rejubila com os feitos dos atletas que acompanha, sejam desportistas de alta competição sejam futebolistas amadores como os que acompanhou durante mais de uma década na União de Santarém, entre 1984 e 1998.“Tem de haver uma relação de confiança muito grande entre eu e eles”, diz o médico, nascido em Santarém em 30 de Novembro de 1954. No caso dos atletas brasileiros, como participam regularmente em provas em várias partes do mundo, os contactos muitas vezes são feitos por e-mail. “Estão proibidos de tomar seja o que for sem me consultar”, diz.Até porque o fantasma do doping anda sempre a pairar sobre a alta competição desportiva e não se pode correr riscos. Sousa e Silva assevera que “há e haverá sempre doping” no desporto e que aparecem substâncias cada vez mais difíceis de despistar. “A luta anti-doping tem que começar por nós, médicos”, afirma. Garante que enquanto futebolista nunca foi aliciado para tomar alguma coisa à margem do permitido, nem viu ninguém tomar, referindo que a receita habitual era um chá com açúcar ao intervalo. Uma mezinha que saiu de moda entretanto, diz.Em Rio Maior há dois anosLuís Sousa e Silva já tinha saudades de trabalhar em medicina do desporto “a sério” quando há cerca de dois anos lhe surgiu o convite para acompanhar a selecção brasileira de triatlo que montou base em Rio Maior. “Como tinha algum tempo aceitei”. Ali encontrou condições de trabalho de excelência e tem como clientes também muitos atletas portugueses de várias modalidades, como os marchadores de Rio Maior Sérgio e João Vieira, Susana Feitor, Inês Henriques ou Vera Santos. Dá ainda assistência à academia de futebol inglesa que escolheu a cidade do desporto como sede para a sua actividade.Com humor, diz que comparar as condições de trabalho que ali tem com as que dispunha na União de Santarém “é como comparar a Torre das Cabaças com o Mosteiro dos Jerónimos”. “Embora a exigência para mim seja sempre a mesma, os meios é que são completamente diferentes”, ressalva.O seu trabalho passa pelo controlo, despiste e tratamento de lesões, pelo controlo laboratorial do treino, inclusive pelo treino em altitude. Mantém um “forte intercâmbio” com o colega da Confederação Brasileira de Triatlo e conta com o apoio da fisioterapeuta do Comité Olímpico Português que elogia e com quem faz questão de posar para a fotografia no final da entrevista. Além disso apoia, sempre que é necessário ou que é solicitado, os departamentos médicos das selecções que ali estagiam regularmente, como as de andebol ou de futebol.A par do trabalho em Rio Maior, tem uma clínica há mais de 20 anos em Santarém onde dá consultas. Medicina interna, medicina desportiva e geriatria são as suas especialidades. Ainda trabalhou no sector público, no Hospital de Santarém, mas em 1987 deixou, pois não conseguia fazer medicina privada e pública ao mesmo tempo. “Só quem tem poucos doentes no consultório é que consegue conciliar. Quando se têm muitos alguém sai prejudicado, ou os doentes ou eu”.“O futebol sénior faz falta a SantarémA medicina desportiva surgiu como consequência natural do gosto de Luís Sousa e Silva pelo desporto. Primeiro como praticante, hoje mais como observador. Umas caminhadas de vez em quando é ao que se resume hoje a sua actividade física. Mas nem sempre foi tão sedentário. Dos 14 aos 23 anos jogou futebol, como defesa esquerdo, na Académica de Santarém, nos Empregados do Comércio e na União de Santarém, onde actuou na terceira divisão nacional. “Era durinho”, afiança.Depois do curso de medicina tirado não conseguiu acumular e optou pelo estetoscópio em detrimento das chuteiras. Mas o bichinho ficou a roer e em 1984 estreou-se como médico da União de Santarém. Entrou com o pé direito. Nessa época o clube conquista o campeonato nacional da 3ª divisão. “O ambiente era fabuloso”, recorda.Começou aí uma ligação de 13 anos, com os últimos três a acumular com as funções de médico da Federação Portuguesa de Andebol. Foi uma fase esgotante. “Passava mais tempo na União de Santarém do que em casa e passava mais tempo com os filhos dos outros do que com os meus dois filhos”. Além do futebol acompanhava as equipas de basquetebol do clube, tendo com a feminina participado na Taça dos Campeões Europeus.A passagem pela União de Santarém ainda hoje deixa marcas. Mantém o contacto com muitos antigos atletas e dirigentes, “pessoas muito bem formadas”, e vê o lento ressurgir da colectividade “com muita alegria”, acreditando que “o bom trabalho de base que está a ser feito vai ter sucesso”.Uma coisa que o entristece é ver as classificações dos campeonatos nacionais de futebol e não encontrar lá qualquer clube da cidade. “O futebol sénior faz falta a Santarém”, afirma, ressalvando que os “Empregados do Comércio (de que já foi presidente da direcção) até têm equipa sénior, mas jogam em Alpiarça.“Não fazer exercício nem dieta é que não resulta”Em termos de desgaste físico quais são as modalidades mais exigentes?Das que conheço, a que causa mais lesões de efeito de treino é o triatlo. Sobre o ponto de vista de traumatologia é o andebol, são traumatismos dos pés à cabeça. O futebol tem muito traumatismo directo nos membros inferiores, mas não passa muito disso.O desporto informal, como caminhadas ou corrida, tem aumentado substancialmente. Quem se vai iniciar nessas práticas deve consultar o médico?A nível de caminhadas, marchas, ginástica há mais risco para as pessoas se não se mexerem do que o contrário. A partir de determinada idade é que se deve avaliar a pessoa como deve ser, mas nas formas de actividade física de baixa intensidade acho que não há risco algum acrescido em relação à vida normal.O excesso de exercício pode ser prejudicial?Muito. Há sobrecarga dos tendões, das articulações, da parte cardíaca. Tudo o que é em excesso faz mal.Exercício sem dieta não resolve nada?Resolve. O ideal é fazer exercício e dieta. Mas o exercício, mesmo sem dieta, sempre tem alguns benefícios. Não fazer exercício nem dieta é que não resulta mesmo.Como se explica a morte súbita em atletas profissionais que são acompanhados clinicamente?Os atletas de alta competição são vigiados pelos melhores médicos que existem. Logo, não me passa pela cabeça que deixem escapar seja que doença for. Agora, outra coisa é ter um atleta a trabalhar com 130 ou 140 de frequência cardíaca e outra é estar com 200. Nesse ponto, se houver qualquer arritmia, como provavelmente aconteceu com o Feher, é fatal. No entanto há doenças muito difíceis de detectar a tempo e horas.Em Rio Maior encontrou condições de trabalho e espaços desportivos que em Santarém não há. Como explica essa realidade?Por muito esforço que eu tenha feito toda a vida, como a criação do departamento médico na União de Santarém, vi o clube sempre a afundar, porque a cidade nunca esteve muito voltada para o desporto. Na altura em que jogava iam milhares de pessoas ao campo, mas à medida que o clube foi perdendo qualidade as pessoas desinteressaram-se. Aqui em Rio Maior há um trabalho de base feito há muitos anos, com pés e cabeça e muita ambição.Faltou ambição em Santarém?Faltou ambição a toda a gente, aos dirigentes, aos autarcas…E se calhar também faltou o dinheiro?De acordo. Isso foi o problema fundamental. Mas se houver ambição, se houver um projecto credível, consegue-se atrair as pessoas, levar a que os miúdos se metam no desporto, que os pais contribuam, que as firmas apoiem.Do público ao privado passando pela medicina desportivaLuís Sousa e Silva licenciou-se em medicina em 1978 na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, tendo feito o internato de policlínica básica no Hospital Distrital de Santarém e serviço médico à periferia durante alguns meses no Centro de Saúde da Chamusca antes de ir cumprir o serviço militar obrigatório na Marinha de 1981 a 1983. Cumpriu a formação na especialidade de Medicina Interna entre Abril de 1983 e Dezembro de 1986 no Hospital de Santarém, com uma passagem de seis meses pelo serviço do doenças infecto-contagiosas do Hospital Curry Cabral, em Lisboa.Iniciou o estágio de medicina desportiva na época 1984/1985 como médico da União de Santarém, com o apoio do departamento médico do Sporting. Foi director clínico do clube escalabitano até 1998 e membro do corpo médico da Federação Portuguesa de Andebol de 1996 a 2000. Participou em inúmeras acções de formação na área da medicina desportiva.Em termos de carreira profissional, após sair da função pública foi médico do quatro clínico interno do SAMS, do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas entre 1987 e 2010, quando se reformou. Exerce medicina privada com consultório próprio desde 1982.“Não conseguiria estar na política mais do que 24 horas”Foi mandatário da candidatura de Moita Flores à Câmara de Santarém em 2005. Porquê?Primeira resposta: não gosto de política. Detesto mesmo. Mas sou de Santarém e a primeira pessoa mais interessada no seu desenvolvimento sou eu. Porque lá moro. O dr. Moita Flores vai-se embora e eu fico lá. Não me posso demitir. Passamos a vida a dizer que as coisas estão mal e depois ninguém dá a cara para mexer nada. E eu tive a sorte de conhecer o dr. Moita Flores e de participar numa campanha eleitoral, que eu nem sabia como seria.E foi mandatário porquê?Fui mandatário dele porque achei que queria ver a cidade desenvolvida, queria ver a cidade mudada. Não me esqueço que tinha o consultório no centro da cidade e fui obrigado a tirá-lo de lá porque os doentes não tinham onde parar o carro para ir à consulta. E assim como eu saí, saíram dezenas de profissionais liberais, o que tirou muito movimento ao centro da cidade e ao comércio. E eu bem avisei os presidentes de câmara anteriores.Não gosto de política, mas aceitei ser mandatário porque sabia que daí não adviria nenhum cargo.Moita Flores correspondeu às suas expectativas?Correspondeu, com excepção do desporto. Ficou por fazer muita coisa. Acho que é uma pessoa com muito valor, com defeitos como toda a gente, mas tem muitas qualidades e muita capacidade de trabalho.A história da dívida da Câmara de Santarém não o apoquenta?Disso não faço a mínima ideia. Sou um leigo nessas matérias. Se me convidassem para ser candidato à câmara, e já não seria a primeira vez, não aceitaria, nem pago a peso de ouro.De onde vem essa aversão à política?Não gosto. Não tenho jogo de cintura, sou demasiado directo. Não gosto que as pessoas me ofendam, não gosto de ofender as pessoas. Respeito as pessoas o mais que posso, mesmo tendo ideias diferentes. Como não gosto de intrigas não gosto de política. Por outro lado, não tenho competência para ser político.Voltaria a ser mandatário de Moita Flores se ele o convidasse?Voltaria, seguramente, com muita honra minha.Tem pena que ele vá embora de Santarém?Por ele não tenho pena. Aborrece-me muito que as pessoas nunca digam bem daquilo que é feito, independentemente do partido que está no poder. Não é lógico que as pessoas só apontem defeitos. E na política as pessoas são terríveis. E em Santarém mais terríveis ainda.Porquê?Ninguém é capaz de dizer que algo foi bem feito, como o aquecimento nas escolas. Houve muitas coisas que não se fez, mas também houve muitas coisas que se fez e gostava de ver as pessoas, sobretudo os políticos reconhecerem o trabalho dos adversários. Por isso tudo é que digo que não conseguiria estar na política mais do que 24 horas.

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