Entrevista | 30-05-2012 15:40

“Santarém está desencantada e desiludida”

“Santarém está desencantada e desiludida”

É um dos nomes incontornáveis da advocacia escalabitana mas também da militância cívica, política e cultural. João Luís Madeira Lopes, 68 anos, não dá tréguas ao comodismo e à indiferença. É membro activo da CDU, guitarrista do Grupo de Fado e Canto de Coimbra do Centro Cultural Regional de Santarém, está ligado à comissão de comemorações populares do 25 de Abril. Diz que entrou na política para ajudar a informar as pessoas e agitar consciências, definindo-se como um “animador cultural”. Critica o caminho que Santarém levou nas últimas décadas e assume que Moita Flores não lhe vai deixar saudades.

João CalhazQue retrato faz da cidade de Santarém na actualidade?Penso que a cidade de Santarém está desencantada e desiludida. Porque acreditou muito num Messias, o dr. Francisco Moita Flores, que arrebatou votos em todas as áreas políticas aproveitando-se do desencanto que causou a gestão do PS durante décadas. Havia uma grande tristeza e desencanto pela gestão do PS e foi fácil a uma pessoa como Francisco Moita Flores, com o prestígio que tinha das telenovelas e dos livros publicados, agregar apoios que levaram à eleição no primeiro mandato e à reeleição para um segundo mandato.No segundo mandato aproveitando também algumas divisões internas nos partidos da oposição.Exactamente. Para ganhar votos apresentou algum trabalho feito, cativou as pessoas com as festas, com o fogo artifício e com os artistas. E o povo gosta realmente de gozar a vida e de brincar. É verdade que deixou obras feitas, mas para os outros pagarem. Essa é que é a realidade! A maior parte das obras feitas, como o Jardim da Liberdade, a aquisição da antiga EPC ou do presídio podem ser importantes para a cidade mas o município não tinha capacidade financeira para as concretizar. O concelho está hipotecado durante muitos anos.Em relação ao negócio de aquisição do antigo quartel da Cavalaria, que são 16 milhões de euros a pagar em nove anos, acha que não devia ter sido feito nesta altura?Acho que devia ter sido feito, não sei é se não haveria condições de fazer o negócio de outro modo. Porque quem vier a seguir vai receber um presente envenenado. Vai limitar-se a pagar dívidas, que são mais que muitas. Um dos propósitos do actual presidente da Câmara de Santarém era o reforço da capitalidade regional de Santarém. Foi conseguido?Santarém passou a estar no mapa com as várias iniciativas feitas, mas a custo do erário municipal. As comemorações nacionais do 10 de Junho, o concerto de José Carreras, tudo isso são coisas que custaram muito dinheiro.O 10 de Junho foi um evento com retorno?Tenho muitas dúvidas. Acho que não teve grande retorno. Teve grandes encargos.Há quem diga que Moita Flores gastou demasiadas energias em conflitos com entidades como o CNEMA ou a Águas do Ribatejo.Também penso que sim. Já para não falar a nível pessoal. Quem vai às assembleias municipais pode ver isso. Uma pessoa para afirmar a sua autoridade e a sua diferença política não precisa de tratar as pessoas da oposição do modo como tratou ao longo destes anos. Não havia necessidade.Moita Flores não lhe vai deixar saudades.A mim não. E penso que nos últimos tempos a sua popularidade tem caído muito.“Ser filiado num partido é um espartilho demasiado apertado”É advogado, activista político, guitarrista de fado de Coimbra e dirigente associativo. Nunca pensou em deixar algumas das actividades pelo caminho em nome do direito à preguiça?Acho que tenho uma postura de animador cultural. Comecei na política antes do 25 de Abril já com essa perspectiva da pedagogia, de tentar informar quem tinha os olhos fechados. Acabei por ficar na política um bocadinho contrariado, porque não me acho um político. Acho que sou mais uma pessoa que gosta de colaborar na cultura e de informar as pessoas à minha volta.O único partido em que se filiou foi o extinto MDP/CDE. O PCP nunca o convidou a fazer-se militante?Tentou algumas vezes mas não aceitei. Ser filiado é um espartilho demasiado apertado para a minha maneira de ser. Gosto de ter alguma dose de liberdade. Estou bem assim como independente. Dentro da estrutura da CDU tenho muito respeito pelo PCP, que foi um grande lutador e continua a ter posições muito acertadas, mas também tenho noção que sou um dos maiores críticos internamente. Sempre que discordo das atitudes exageradas ou mais radicais do PCP não tenho pejo em afirmar a minha divergência. E penso que ao longo dos anos tenho conseguido inflectir ou rectificar posições que julgo incorrectas.No caso da expulsão de militante do PCP da ex-deputada e ex-vereadora Luísa Mesquita de que lado esteve?Penso que a dra. Luísa Mesquita tomou atitudes para provocar a reacção que houve por parte do PCP.E gostou de ver os presidentes de junta da CDU seguirem-lhe os passos e abandonar a coligação?Claro que não. Admito que foi uma questão de solidariedade. Era uma mulher com prestígio, que tinha trabalho feito, e entenderam que ela como vereadora na câmara poderia auxiliar as suas freguesias. Pela primeira vez desde que há poder local democrático, a CDU não tem representação na Câmara de Santarém. Foi um rude golpe na vossa força política?Eu diria que foi um rude golpe para o concelho. A população ficou bastante prejudicada por não ter a voz da CDU no executivo. Era uma voz importante, os vereadores que tivemos lá eram pessoas que estudavam os dossiês, faziam propostas correctas. Era uma espécie de conselho fiscal para a boa gestão do município. E isso perdeu-se. O que espera das próximas eleições autárquicas?Sou uma pessoa optimista e espero que a população volte a votar na CDU como votou noutros tempos, para que pelo menos eleja um vereador para o executivo camarário.A CDU em Santarém tem apresentado praticamente os mesmos rostos nos últimos dez anos. Não tem havido grande renovação de quadros.A renovação é a possível. A dificuldade não é só na CDU, é também noutros partidos. Sem Moita Flores vai ser mais fácil recuperar o vosso eleitorado?Penso que sim. Foi o número dois da lista da CDU por Santarém às eleições legislativas de 2011. Vai continuar a ser candidato sempre que a coligação o solicite ou foi a última experiência?Não faria votos em nenhum sentido, mas o meu desejo é ir-me desligando da política à medida que os anos vão passando e dedicar-me mais à cultura.Os problemas da justiçaSer pobre dificulta o acesso à justiça?Sim, evidentemente. Mas o problema da nossa justiça não é ser pobre ou ser rico. A justiça tem muitas carências a vários níveis.Há processos que se eternizam nos tribunais. De quem é a culpa, dos expedientes dos advogados ou da lentidão dos juízes?Penso que é de tudo um pouco, mas também dos diplomas que temos. Se os advogados fazem recursos é porque a lei o permite. Por exemplo: recebi uma sentença do Supremo Tribunal Administrativo ao fim de quatro anos; estou à espera de um julgamento no Tribunal de Almeirim de um processo que começou há dez anos. Os actos de má gestão dos políticos deviam ser julgados em tribunal?Acho que sim, que devia haver um controlo relativamente aos actos de má gestão que prejudicassem o erário público e em que houvesse manobras de má fé. Se há um orçamento, as pessoas devem-se conter porque aquilo não é uma coisa pessoal. Num organismo público devem respeitar-se as regras orçamentais e não se deve gastar mais do que se tem. Mas o poder central é que dá o exemplo.

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