Entrevista | 01-10-2013 13:32

Muita gente só se lembra da Igreja quando está em dificuldades

Muita gente só se lembra da Igreja quando está em dificuldades

Foi meio século de actividade sempre ao serviço de paróquias da região, com excepção dos dois anos em que foi capelão militar na Guiné. Hoje a guerra é outra e chama-se crise, económica, social e de valores. O padre Diogo reconhece que muita gente só se lembra da Igreja quando está em dificuldades e que há um desligamento das pessoas em relação ao sagrado. Beirão de nascimento e "ribatejano do coração" gosta de cantar o fado e de ver os toiros na arena.

Tem sentido os reflexos da crise entre os seus paroquianos?Tenho. Uma das coisas mais gritantes é o ficar sem casa. E por isso a Conferência de S. Vicente de Paulo e a Cáritas têm pago rendas na medida das possibilidades para que essa gente não saia e fique desalojada. Tenho sentido também esses problemas relativamente à saúde. Essas entidades são quem mais faz protecção à medicação que as pessoas necessitam. Não dão directamente dinheiro mas têm um convénio com as farmácias para que as pessoas lá se aviem e deixem as facturas para depois serem pagas. Também há muitas famílias da zona de Rio Maior que vão receber mantimentos uma ou duas vezes por semana. Há dias em que são cerca de 100 famílias contempladas. É de notar também como a comunidade sente os apelos que lhe são feitos e para além de dinheiro dá mercearia e outros mantimentos que depois são distribuídos. Recebe muitos pedidos de ajuda directamente?Sim, mas canalizo-os para a Conferência de S. Vicente de Paulo e Cáritas. Sente que a maior parte das pessoas só se lembra da Igreja quando está em dificuldades?Não sei se será a maior parte, mas bastante gente é assim. Só se lembra de Santa Bárbara quando faz trovoada. Que diferenças são mais marcantes entre os fiéis de hoje e de há 50 anos, quando iniciou a sua carreira eclesiástica?Hoje os fiéis têm mais instrução, quer do ponto de vista humano como de fé. É uma fé mais esclarecida. Naquele tempo era uma fé mais tradicional, que tinha também o seu valor próprio. A vida há 50 anos era mais harmoniosa. Hoje há mais instrução, mais capacidade de teres, digamos assim, mas penso que não é uma vida que proporcione um bem-estar global à pessoa. É mais um bem-estar de imediatismo.Muito ligado ao consumo, à satisfação imediata de necessidades.É. Penso que isso se nota. Nesta evolução toda, o Homem pensou que para voar bastava uma asa e atrofiou a outra. E dá-se conta que não sobe tão alto como se tivesse as duas asas.Houve um desligamento da parte espiritual?Sim, dos valores espirituais, culturais. De tudo aquilo que uma instrução pode dar ao homem. Desligou-se. E eu situo muito essa falta de valores na relação social dos humanos entre si. Porque se essa parte existisse nem era preciso ser religioso, para que não houvesse todas estas guerras e conflitos. O homem perdeu essa asa e perdeu também muito o sentido do sobrenatural.Em que sentido?Hoje não há um respeito pelo sagrado como havia. Um exemplo: as pessoas nos casamentos falam dentro da igreja como se estivessem no mercado, apesar de o padre ser um chato e estar sempre a pedir silêncio. Isso pode também estar ligado ao facto de as pessoas cada vez frequentarem menos o culto religioso, apesar da maior parte da população portuguesa continuar a dizer-se católica?A falha principal não é a falta de religião, é a falta de valores humanos nas pessoas. Consulta-se a Bíblia ou lê-se os documentos do Concílio Vaticano II e repara-se que 80 por cento dos valores aí apontados são de cariz humano. O resto é só um bocadinho. Porque Deus é infinitamente humano, não é um ser divino de costas para o humano.Li numa entrevista que no dia em que tomou posse como pároco em Alcanede, em 1974, até cantou um fado. Gosto muito de cantar e gostava de saber cantar. Ainda no sábado passado cantei dois fados na festa [de 50 anos de carreira sacerdotal].E qual é o seu repertório?Geralmente canto fados do Frei Hermano da Câmara. Mas ando com muita vontade de aprender alguns fados da Amália (risos).* Entrevista completa na edição semanal de O MIRANTE.

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