Entrevista | 02-10-2013 18:01

Se não conseguirmos aliviar o peso do deficit orçamental e da dívida pública vamos viver tempos ainda mais difíceis

Se não conseguirmos aliviar o peso do deficit orçamental e da dívida pública vamos viver tempos ainda mais difíceis

José Eduardo Carvalho lamenta a fragmentação do associativismo empresarial e diz que a convenção vai ser a maior jamais realizada em Portugal. Sobre a actual situação defende que a redução da despesa pública deve ser uma obsessão para qualquer governo. E toca em problemas sensíveis. “Ainda não vi ninguém demonstrar que se poderá diminuir o deficit orçamental sem mexer no volume de massa salarial das administrações públicas. E se o deficit orçamental não se corrige, continuará este nível insustentável de impostos que recai sobre empresas e trabalhadores”.

Como é ser interlocutor privilegiado do governo numa altura de crise?Há matérias e dossiers que têm sido objecto de diálogo e discussão. Temos mantido uma posição clara. Este ou outro qualquer governo, na actual conjuntura está limitado a gerir o processo de insolvência do país. Deve por isso, haver uma base mínima de compreensão e colaboração para permitir a aplicação das medidas que são necessárias para sairmos da actual situação. A AIP tem defendido um conjunto de medidas que na óptica dos empresários poderiam, se fossem adoptadas, ajudar o tecido empresarial e o país. Quais são aquelas que considera fundamentais e que ainda podem ser implementadas? Reconheço que a situação é tão grave que dificilmente sairemos dela sem existir uma evolução da Europa. O mercado de capitais não acredita que consigamos pagar a dívida. Enquanto continuarmos com os deficits orçamentais que temos e com uma dívida pública que põe em causa a solvabilidade da República não podemos esperar qualquer melhoria da situação económica. Tem que se continuar a cortar na despesa pública.A exigência que fazemos a todos aqueles que defendem a economia de mercado e a permanência de Portugal no Euro é que tenham a redução da despesa como obsessão. É impossível a dívida pública continuar a crescer 10,5 mil milhões por ano. Enquanto esta situação persistir não podemos reduzir custos fiscais, não teremos evolução positiva nos custos de financiamento. Veja-se a reforma fiscal. Com os constrangimentos orçamentais existentes, apesar de propostas e medidas positivas que ela consagra, é impossível obter resultados.A questão da revisão da Taxa Social Única (TSU) tem que voltar a ser equacionada?Reagiu-se de forma emocional a este debate. Todos sabemos que temos uma taxa de câmbio real sobrevalorizada, isto é, há uma relação desequilibrada entre o preço da produção nacional e o preço da produção estrangeira.Como se pode resolver essa situação?Se não podemos e/ou não queremos utilizar a inflação e desvalorização cambial, então temos de desvalorizar a taxa de câmbio real, ou seja, baixar os preços de produção face aos nossos concorrentes. A redução dos custos laborais pode ser feita através da redução dos salários nominais ou da redução da carga fiscal que incide sobre a massa salarial. O ajustamento com efeitos imediatos só através destes mecanismos. Não fizemos redução dos salários nominais e também não conseguimos reduzir a carga fiscal que incide sobre a massa salarial. Perante isto, parece-me, e infelizmente para todas as empresas, que “enterrámos” a redução da taxa social única para muitos anos.Uma convenção como a de 9 de Outubro com mais de mil empresários pode ser equiparada, em termos simbólicos, a uma manifestação conjunta das duas centrais sindicais nacionais?É uma das maiores, senão a maior, concentração empresarial realizada no país. É muito significativa. É uma convenção feita por empresários para empresários. O palco não será das personalidades mediáticas que habitualmente mobilizam e participam nestes eventos. Os oradores são empresários. Gente que habitualmente avaliza empréstimos. Não os que passam recibos. São os sobreviventes deste penoso processo de ajustamento. E por terem sobrevivido desde Janeiro de 2008, têm legitimidade para dizer e falar sobre assuntos que normalmente são mitigados nestas iniciativas.Numa Convenção tão alargada e tão participada acredita ser possível um consenso relativamente a matérias que interessem a empresas e empresários de sectores tão diferentes e de dimensões tão diversas? Dificilmente. Haverá abordagens consensuais, mas duvido que se possa estabelecer uma matriz de consenso sobre todas as matérias em discussão. Há diferenças especificas de prioridades sobre medidas e propostas entre empresas exportadoras e vocacionadas para o mercado interno; entre sector transaccionável e não transaccionável; micro e médias empresas; etc. Também é possível que apareçam diferenças de opinião sobre alguns aspectos do mercado laboral, relação com sindicatos, constituição, etc. Há muita heterogeneidade na classe empresarial. Por isso é que o associativismo é muito fragmentado.O efeito que é mais exibido da actual crise é o encerramento de empresas mas quem estiver atento não pode deixar de notar que estão a acontecer alterações significativas a nível da classe empresarial em geral. Já tem uma opinião formada sobre o nosso tecido empresarial no pós-crise? Desde Janeiro de 2008 cessaram a actividade mais de 170 mil empresas. Por sua vez, a criação de empresas também foi enorme. Houve por isso, uma grande dinâmica empresarial. Ainda não foi efectuado um estudo que defina as características da nova estrutura empresarial e quais as diferenças relativamente à anterior.Qual a evolução da capitalização das empresas?A AIP tem estudos que comprovam que nessa área não existe qualquer diferença. Continuamos com um nível de capitais próprios baixíssimos. O valor médio da autonomia financeira das empresas nascentes é de apenas 2%. E as empresas colocadas no 1º quartil da amostra têm uma autonomia financeira negativa, o que significa que o capital inicial foi integralmente absorvido pelos prejuízos registados nos três primeiros anos de actividade. Não são por isso indicadores animadores.Quantos anos pode demorar a consolidar-se uma nova postura empresarial?A alteração do perfil produtivo da nossa economia vai demorar muitos anos. Se aliviarmos nos próximos 3 anos as duas pesadíssimas “mochilas” que carregamos, que são o deficit orçamental e a dívida pública, o caminho poderá ficar mais facilitado.Um dos chavões mais usados desde que a situação se agravou foi “A crise pode ser uma janela de oportunidades”. É mera retórica ou está a confirmar-se? É uma frase feita. Parece-me que a traduziram mal do mandarim. É indesmentível que numa fase de crescimento da economia há muito mais oportunidades.Que paradoxo é este de empresas que definham em Portugal enquanto crescem em países onde fizeram investimentos em novas unidades e que consequências é que isso tem e vai ter em Portugal?A internacionalização é uma estratégia empresarial praticada pelas empresas de todo o mundo. É positivo que as empresas portuguesas a adoptem. O problema é a falta de atractividade de investimento estrangeiro. Perdemos atractividade perante os países de leste europeu. E enquanto estivermos a viver uma situação de ajuda financeira externa dificilmente criaremos confiança para atrair investimento.A sobrevivência das empresas passa inevitavelmente pela internacionalização e pelas exportações?Desde o início da crise, o peso das exportações no PIB passou de 32%, em 2008, para 40,5% no 1º semestre de 2013. Há mais de 40 mil empresas a exportar. Exportamos para 202 países. Estamos a diversificar mercados, reduzindo a dependência com a Europa. Foi o principal factor positivo do processo de ajustamento económico. Ultrapassou as expectativas e as previsões.A contracção da procura interna vai continuar?Vai. Um mercado doméstico com a dimensão de Portugal não pode sustentar a actividade empresarial de mais de 300 mil sociedades comerciais. A capacidade exportadora tem de ser reforçada.Como se dinamiza a economia carregando nos impostos e fiscalização e cortando nos salários e pensões? A redução do rendimento disponível poderá ter provocado um sobre ajustamento da procura interna. Mas ainda não vi ninguém demonstrar que se poderá diminuir o deficit orçamental sem mexer no volume de massa salarial das administrações públicas. E se o deficit orçamental não se corrige, continuará este nível insustentável de impostos que recai sobre empresas e trabalhadores. É uma equação difícil de resolver.“A Constituição não previa a bancarrota”O Tribunal Constitucional já declarou a inconstitucionalidade de algumas medidas do governo que poderiam ter ajudado as empresas, directa ou indirectamente? Gostaria de não me pronunciar muito sobre esse órgão de soberania. Poderia correr o risco de reagir a quente, dada a minha profunda indignação sobre as suas últimas decisões sobre a legislação laboral. Vou referir-me a elas na convenção.A Constituição tal como está pode condicionar a actividade empresarial? De que forma? A constituição não previa a bancarrota e a insolvência da República. E há julgamentos constitucionais que não levam isto em consideração.Os preceitos constitucionais são de tal modo complexos e pouco operativos, que rara é a interpretação que recolhe a unanimidade dos juízes.Precisamos de a adaptar à realidade da sociedade e da vida actual.Para capitalizar as empresas Eu continuo com dúvidas se seria melhor para as empresas ter mais crédito ou custos menores. Ambos criam liquidez nas empresas. Mas se o recurso for ao crédito, o endividamento cresce. Seria melhor conseguirmos reduzir os custos fiscais, energéticos, salariais e os financeiros. O problema é a sua rigidez. Daí a necessidade do crédito. Mas só o iremos conseguir se também capitalizarmos as empresas. E este foi outro dos erros do programa de ajuda externa. Faltou um programa específico de recapitalização das empresas. Continuo sem perceber porque não se utiliza o valor remanescente não utilizado na recapitalização da banca com esse objectivo.Devíamos também implementar um regime fiscal convencionando uma remuneração dos capitais próprios das empresas. Era um estímulo fiscal à recapitalização que abrangia transversalmente todo o tecido empresarial. Creio mesmo que a recapitalização das empresas e o redimensionamento empresarial, a par do reforço da capacidade exportadora, são as três prioridades e as necessidades mais prementes das empresas.Também não podemos continuar sempre à espera de reformas estruturais. Há acções microeconómicas que temos de encetar. Há meses, o Prof. Sérgio Rebelo defendia que não temos um marketing tão bom como os produtos; colocar mais ênfase nos extremos da cadeia de valor; colocar o focus no consumidor vendendo o que ele quer; simplificar produtos e vendê-los em países em desenvolvimento que querem preços e não produtos sofisticados. E isto não são os governos que fazem.“O problema é a falta de atractividade de investimento estrangeiro”A saída de quadros e de trabalhadores especializados para o estrangeiro está a afectar o sector empresarial? Podemos viver uma situação equiparada à dos anos sessenta em que o sector primário que na altura tinha um grande peso na economia foi seriamente afectado pela falta de mão-de-obra devido à emigração e à guerra colonial? Não partilho a ideia de que a saída de jovens quadros para o estrangeiro é extremamente negativa para Portugal. Vão “ganhar mundo”, e enriquecer a sua experiência de trabalho, adquirir novos valores, novas formas de trabalhar e novos hábitos. Muitos regressarão. Há grandes expectativas que seja esta nova geração de quadros internacionalizados que mudarão este país. Há estudos que comprovam que a cultura de um país só muda quando as pessoas regressam, após anos a trabalhar noutros mercados. A actual geração falhou. Deixamos falir o país, e pelo que vemos, não estamos a conseguir resolver o problema. Não acredito que se possa sustentar a ideia de que as empresas não conseguem recrutar quadros. Infelizmente existe um excesso de quadros qualificados para suprir as necessidades da economia e das empresas.Como é que os empresários se têm conseguido orientar no meio de informações tão contraditórias e de teorias tão díspares com que são bombardeados diariamente?O conflito vende do ponto de vista mediático. O consenso não. O negativismo, o desastre, a carência, o pessimismo, a notícia má, os comentários críticos, vendem. O seu contrário não. Penso que não só os empresários, como outros estratos sociais, começam a seleccionar o “consumo” de informação. Se qualquer empresário fizesse defender as suas intenções de investimento pelo teor da informação, não investiam um cêntimo no país.Sempre foi crítico do papel da banca. Tem registado algumas alterações positivas no sector?Não tenho sido crítico na banca. Reconheço até que alguma banca portuguesa tem assumido um compromisso com a economia portuguesa. O que eu lamento foi a exigência que o programa de ajuda externa fez ao sistema bancário. A desalavancagem financeira exigida repercutiu-se depois nas empresas. Na minha opinião, provocou mais encerramentos de empresas do que as medidas de consolidação orçamental. As empresas portuguesas tinham um endividamento muito grande. A redução do stock de crédito concedido às PME foi de 15,5 mil milhões de euros, desde o início do resgate. São números impressionantes. O crédito ao Estado e às grandes empresas cresceu.

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