Entrevista | 04-12-2013 17:57

O novo maestro da Câmara de Sardoal

Habituado a pegar na batuta para reger orquestras, bandas ou coros, Miguel Borges tem agora um novo desafio: dirigir a Câmara de Sardoal, um pequeno município no limite norte do Ribatejo que se confronta com os custos da interioridade apesar de estar a pouco mais de uma hora de Lisboa. Inconformado com essa sina, critica a política governamental de encerramento de serviços e nem quer ouvir falar de agregação de municípios.

Não ter rede de telecomunicações no seu gabinete é um exemplo caricato e extremo dos custos da interioridade num concelho que fica a pouco mais de uma hora de Lisboa. Esse tipo de situações, próprias de um país a duas velocidades, indigna-o?Sem dúvida. É um facto que não temos rede da empresa com quem trabalhamos e por quem optámos por nos fazer um preço mais barato. O serviço não está a ser prestado com a qualidade que gostaríamos... Este é um bom exemplo da pouca atenção que tem sido dada ao interior do país.Ou de que, pelo menos, o interior ainda não está entre as prioridades destas empresas. E do próprio Estado também. Acho que o Estado devia olhar com mais atenção para as dificuldades de quem vive no interior. Tenho um lema há muitos anos: interioridade não é sinónimo de inferioridade. Pelo contrário, até pode ser de qualidade. Tem é de haver uma acção concertada entre quem está no interior e o Estado e que se reconheça que quem está no litoral não deve ter mais direitos ou mais regalias do que quem vive no interior.É difícil fixar população quando há necessidades básicas nos dias que correm que ainda estão por suprir.Sim. Só há uma forma de fixar pessoas no interior que é criar postos de trabalho. E mesmo assim, com as acessibilidades que hoje existem, essa situação não é uma verdade absoluta. Mas, havendo trabalho para as pessoas, acredito que não haja a tentação de deslocar serviços públicos, como mais facilmente se tenta fazer neste momento. Os autarcas do interior estão unidos nesse combate e ainda recentemente apresentámos um protesto em conjunto com mais dois municípios contra a retirada de um serviço público.Como se sentiu, enquanto presidente de câmara, quando lhe fecharam a tesouraria da Segurança Social no seu concelho sem lhe dizerem nada? Não sentiu a sua autoridade ferida?Não tem sido isto que o Governo nos vem transmitindo. O que o Governo nos tem dito, e daí a minha indignação também, é que nada seria feito numa primeira fase sem se tentar encontrar uma alternativa com os municípios. O que não aconteceu.Exactamente. Há uma vasta delegação de competências do Estado atribuídas aos municípios. Então por que não mais algumas, para prestar um serviço de proximidade. Por que não tentar encontrar uma forma de os municípios em causa passarem a garantir esse serviço, em colaboração com a Segurança Social. Mas ainda mais importante do que o encerramento desse serviço foi terem-no feito sem nos dizerem alguma coisa. Porque em bom rigor a única coisa que agora não pode ser paga no nosso concelho são as coimas passadas pela Segurança Social. Aí, sim, as pessoas terão que se deslocar a uma tesouraria. Os restantes pagamentos podem ser feitos ao balcão de um banco ou através dos CTT.Ficou chateado com o Governo do seu partido por causa desta medida?Fiquei. Para além da posição expressa nesse comunicado conjunto com os presidentes de Constância e Vila Nova da Barquinha, na manhã seguinte recebi um telefonema do secretário de Estado da Segurança Social dizendo-me que estava solidário com esta situação e que ele próprio não teria conhecimento do que se estava a passar. Aliás, actualmente os restantes serviços da Segurança Social no Sardoal estão num edifício que é do município, porque há uns meses houve a tentativa de os deslocar para um município vizinho devido aos encargos com a renda. Perante isso, disponibilizámos uma casa de função para esse fim garantindo assim a continuidade desses serviços.Quando se fala numa possível agregação de municípios é difícil não pensar na integração de Sardoal no concelho vizinho de Abrantes. Como vê esse cenário?Não acredito que cheguemos a esse ponto. Demonstraria um desconhecimento enorme do que é a realidade do nosso interior. Se quisermos fazer uma discussão séria sobre esse assunto poderemos analisar a reorganização territorial. Por exemplo, temos freguesias do concelho de Abrantes que estão mais perto da nossa sede de concelho do que da sua sede concelho. Não estou a dizer que devemos anexar essas freguesias, o que acho é que deve ser feita uma análise séria, sem paixão, em relação a esta matéria. Há cada vez mais pessoas necessitadas na área social, na área da educação a quem damos apoio constante e que sabem a quem se dirigir, que por vezes nos batem à porta. Com a agregação de municípios perdia-se alguma dessa proximidade, própria dos meios mais pequenos, mas ganhava-se alguma escala. As afinidades entre Sardoal e Abrantes não justificariam que se ponderasse a fusão?Há certamente perdas de políticas de proximidade. Foi por isso também que fui um lutador acérrimo contra a extinção de freguesias. Volto a dizer que um sardoalense que vive na Tojeira não tem menos direitos que um português que viva na linha de Cascais, onde tem tudo muito mais próximo, onde tem uma rede de transportes públicos eficaz que nós não temos.Preto no brancoMatemática ou História?História. Gosto muito de Matemática e a História faz parte de nós. É importante conhecer a História e aprender com a História.Cão ou gato?Tenho uma cadela. Prefiro os cães.Guitarra portuguesa ou viola eléctrica?Sem dúvida a guitarra portuguesa. Para mim um dos melhores momentos musicais que existem é só um toque, a primeira nota, de uma música de Carlos Paredes, o tema “Verdes Anos”.Praia ou montanha?Montanha. Um dos meus avôs era um homem da Beira Alta, da Serra da Estrela, e eu sinto-me muito bem lá.Cinema ou teatro?Depende da peça, depende do filme. Mas gosto muito dessas duas artes. Loiras ou morenas?As minhas três filhas são morenas e a minha mulher também, por isso a resposta está dada.Futebol ou tourada?Sem dúvida futebol. Não tenho nada contra a tauromaquia. Nunca assisti ao vivo a uma tourada, gosto de ver as pegas quando ninguém se aleija, mas prefiro sem dúvida o futebol.Cristiano Ronaldo ou Leonel Messi?Cristiano Ronaldo, claro!Calças de ganga e t-shirt ou fato e gravata?Acho que ninguém me identifica com o fato e gravata. Só mesmo quando tem de ser. Cerveja ou vinho?Vinho, tanto branco como tinto. Mas também gosto de aguardente e de água.“Há obras de fachada que nunca deviam ter existido”O líder de um município como o de Sardoal, com escassas receitas próprias e afectado pelos sucessivos cortes de transferências por parte do Orçamento de Estado, consegue olhar para o futuro com optimismo?Com certeza. Até porque no último mandato se houve obra que fizemos foi a de regularização financeira. É um trabalho não muito visível mas fundamental para a sustentabilidade dos municípios. Posso dizer que a redução da dívida só no ano de 2012 foi de 1,3 milhões de euros. Para um município com o nosso orçamento fazer este trabalho é fundamental. E posso garantir que a partir de Janeiro temos uma situação financeira que nos permite ter confiança no futuro. Os grandes investimentos passaram à História?Não. Ainda hoje estava a tentar colocar no Diário da República investimentos na ordem de 1,3 milhões de euros em infraestruturas como saneamento básico e pavimentações. São projectos a que nos vamos candidatar tentando obter financiamento do QREN.Mas o tempo das chamadas “obras de fachada” já lá vai.Essas obras de fachada nunca deviam ter existido. Se olharmos para o país verificamos que houve dinheiro esbanjado em rotundas que não fazem sentido absolutamente algum. Não posso fazer uma rotunda enorme e muito bonita e depois ter empresas às quais o município deve dinheiro. Para nós, a prioridade é o compromisso com os nossos fornecedores. E depois vamos ver o que sobra para as tais obras de fachada úteis, que às vezes fazem falta e que toda a gente as faz. Como gostaria de ficar lembrado pela população após deixar estas funções?Gostaria de ser reconhecido como alguém que passou por aqui e se preocupou com as pessoas e as ajudou, seja na acção social, na educação, na cultura.Quais as apostas para este mandato?É importante assegurar as necessidades básicas para o século XXI. Estou a falar do saneamento básico, da mobilidade. Mas gostava de conseguir a requalificação do nosso parque escolar. A nossa escola é de um modelo que surgiu em 1972 ou 1973, composta por blocos, que foi feita para ter alunos até ao sexto ano. Uma avaliação feita há alguns anos indicava a necessidade de um investimento na ordem dos 1,3 milhões de euros. Entre gastar essa verba ou fazer uma escola nova, penso que é importante ter uma escola nova. O Sardoal precisa também de um espaço polidesportivo coberto e a nossa estratégia seria, em vez de ter um pavilhão desportivo novo, tentar com a requalificação do parque escolar aproveitar o actual pavilhão da escola que poderia funcionar como pavilhão municipal. E com isso evitava-se ter dois pavilhões próximos.O executivo da Câmara do Sardoal é dos poucos na região que não tem qualquer elemento do sexo feminino. Que comentário lhe merece essa realidade?Tenho muita pena. O quarto elemento da lista era uma mulher e tenho muita pena que não tenha entrado. Mas os eleitores têm sempre razão (risos). Não concordo com a lei da paridade. As pessoas têm que se impor por aquilo que valem e temos provas disso na região, pois somos o distrito do país com mais presidentes de câmara eleitas. E não precisaram da lei da paridade para nada. Mantém o contacto com o seu antecessor?Com certeza, é uma pessoa de quem gosto muito e com quem partilho ideias. Respeito muito a experiência das pessoas. Tenho consciência que não sou o dono da verdade absoluta.Política sim mas sem deixar a músicaAntónio Miguel Borges nasceu em Abrantes em 24 de Agosto de 1965, cidade onde residiu durante a sua infância e parte da juventude. A sua ligação ao Sardoal começou há cerca de 26 anos através do GETAS - Centro Cultural de Sardoal, com quem colaborou nomeadamente na direcção do grupo coral da associação. Há 18 anos fixou-se na vila como professor e ali reside com a esposa e os quatro filhos (três raparigas e um rapaz). Professor de Educação Musical, com o curso de composição, gosta de ler, de cinema, de música e de passear. As funções autárquicas já não lhe permitem dedicar tanto tempo a essas actividades, mas por vezes quando vai em trabalho aproveita para passear. Entrou na política autárquica há quatro anos pela mão do ex-presidente da Câmara de Sardoal, Fernando Moleirinho, de quem foi vice-presidente no anterior mandato. Preside ao Conselho Local de Acção Social e à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens. Do seu currículo como director musical constam ainda passagens pela extinta Orquestra Ligeira de Abrantes e da Filarmónica União Sardoalense e do Grupo Coral do GETAS - Centro Cultural.“Não me custa absolutamente nada voltar a dar aulas”Foi director musical (maestro) da extinta Orquestra Ligeira de Abrantes, da Filarmónica União Sardoalense e do grupo coral do GETAS. A música continua a fazer parte do seu quotidiano?Continua, agora de uma forma completamente diferente. Até aqui ouvia música por obrigação profissional. Agora só ouço a que me dá prazer ouvir. E continuo a tocar. Já há vários anos que toco órgão todos os domingos na missa, com o coro de que faz parte a minha família. Aliás, comecei na música com seis anos tocando e cantando no coro da Igreja de São João, em Abrantes.É uma pessoa profundamente católica?Sou crente, sinto-me bem no meio católico mas sou também crítico em relação a muitas coisas. A religião faz parte da minha formação e dos meus filhos também.Costuma meter Deus ao barulho quando está preocupado ou ansioso com determinada situação?Muitas vezes recorro à expressão “ai meu Deus” (risos). Mas a esse ponto não. As decisões têm de ser ponderadas, racionais. Podemos ter a ajuda de Deus, mas temos de fazer muito para que essa ajuda possa realmente acontecer. É como rezar para que saia o euromilhões e depois nem sequer se jogar. É professor de profissão. Ainda pensa voltar a dar aulas?Sim, penso. Aliás, a única coisa garantida na vida é voltar a dar aulas. Porque a vida política hoje é uma coisa e amanhã pode ser outra, sendo certo que temos um projecto para o nosso concelho que ultrapassa os limites deste mandato. De qualquer forma, nas próximas eleições os sardoalenses terão de se pronunciar sobre o trabalho que fizemos e manifestar se se revêem em nós. Mas, sinceramente, não me custa absolutamente nada voltar a dar aulas.Sentiu a falta da escola no seu quotidiano?Não, porque até há um mês fui presidente do conselho geral do agrupamento de escolas. Além disso tenho filhos em idade escolar e moro em frente à escola. Estou constantemente na escola. E como presidente da CPCJ (Comissão de Protecção de Crianças e Jovens) tenho também uma estreita ligação com o meio escolar.

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