Entrevista | 05-08-2015 16:03

“Há falta de visão de quem manda em Benavente”

“Há falta de visão de quem manda em Benavente”

António Louro só aprendeu a ler a e escrever aos 18 anos. Começou a trabalhar no campo e chegou a empresário. Pelo meio dedicou parte da sua vida à política e foi autarca na Assembleia Municipal de Benavente. Nascido em Samora Correia é uma voz que defende os interesses da sua terra, que diz ser prejudicada pela câmara. Defende uma maior aposta no turismo e no urbanismo e queixa-se da falta de aposta do PS nacional no concelho.

Já editou dois livros, um romance e um dedicado a Samora Correia. A escrita é uma paixão? É das coisas que mais gosto de fazer. Aos 18 anos era analfabeto. Nasci em 1935, dois anos depois de o Salazar tomar o poder, numa família muito pobre. Fui o primeiro de 10 filhos. Já morreram sete, o primeiro morreu com seis meses, de fome. Comecei a trabalhar aos oito anos no campo, na Herdade de Pancas. Havia lá um senhor que já sabia ler e escrever e eu pedi-lhe para me ensinar. Ensinou-me as letras e o resto fui aprendendo. Em 1954, fui para o curso de educação de adultos, à noite, aos 18 anos. Só depois de me casar fiz a 4ª classe. Mas sempre gostei de escrever e ainda hoje tenho esse gosto.No meio disto tudo ainda teve tempo para a actividade política? Sim, começou praticamente aos 14 anos. A miséria fez-me odiar o regime do Estado Novo. A minha veia política evoluiu com o processo de eleição do General Humberto Delgado. Era o único que me manifestava e fiz campanha por ele. Nas eleições do Marcelo Caetano comecei a ter outros contactos, mas nunca me passou pela cabeça entrar em jogos de clandestinidade. Mas antes já participava em reuniões e jantares de oposição em Samora Correia. Foi num café que ouvi pela primeira vez cantar o Avante e percebi que estava no meio de uma organização comunista. Não me assustei. Como foi a sua transição para o Partido Socialista (PS)? Deu-se o 25 de Abril e fizemos uma manifestação em Samora Correia, onde estive na frente. Numa reunião nesse dia, tentaram que me inscrevesse no Partido Comunista. Recusei, porque já tinha sofrido tanto com uma ditadura de direita que não quis apoiar uma de esquerda. Ficaram muito chateados comigo, insultaram-me. A 15 de Maio fui a Lisboa à sede do Partido Socialista e inscrevi-me como militante. Isso criou-lhe muitos dissabores? Os comunistas nunca me perdoaram ter seguido outro rumo. Tive problemas com os meus pais e as minhas irmãs. Passei um mau bocado, porque tinha o café e chegaram a andar ali com caçadeiras a ameaçar-me na altura do PREC. Ainda hoje tenho muitos inimigos por causa da política, pessoas que não me falam.Tem saudades desses tempos de actividade política? Não. Até há dois anos fui presidente da concelhia do PS. Aqui é difícil, por causa da rivalidade entre Samora e Benavente. Enquanto fui mais novo tive estofo para isso. Agora, a fazer 80 anos, já sinto que isto é para a juventude. Acho que cumpri a minha função política.Como foi o seu percurso autárquico? Nas primeiras eleições, apesar de ser o militante número 1 da concelhia, não entrei nas listas e o PS ganhou a câmara. Não me achava com capacidade para ser presidente de câmara. Nas eleições seguintes já fui como cabeça de lista para a assembleia municipal. Elegemos seis autarcas, o maior número de sempre. Estive quatro anos como cabeça de lista, outros quatro sem ser cabeça de lista, entre 1979 a 1987.Porque é que o PS não consegue ser poder em Benavente? Não é um bastião comunista nas legislativas mas nas autárquicas ganha sempre com maioria absoluta. Isto quer dizer que se ganhou confiança nas pessoas, sobretudo no anterior presidente, o António José Ganhão, e porque o PS nunca teve um cabeça de lista forte. O PS nacional nunca apostou forte no concelho.Não é por mérito da CDU que o PS não consegue ser poder? Não, não é. Se der uma volta pelo concelho, sobretudo em Samora, está uma miséria. Até a estátua do fundador da cidade está abandonada. Para algumas coisas não há empenho nenhum.O que é que falta para haver crescimento? Samora tem muitas iniciativas, festas, carnaval, a Semana Taurina, mas é tudo por iniciativa privada ou associativa. No concelho de Benavente não há turismo. O que há são as festas, coisas momentâneas, as pessoas não se fixam cá. Há alguns anos que Samora espera por um plano urbanístico. Sente essa falta? Samora tem um urbanismo de bairro. As obras mais foleiras da cidade são as feitas pela câmara. Se formos ver a Rua Marginal não tem ponta por onde se pegue. Tem de se passar com os carros por cima do passeio, há falta de planeamento e até de gosto. Fez-se um centro cultural que é pequeno, que nem consegue albergar as pessoas no Dia do Foral. Isso deve-se a quê? Há falta de visão por parte de quem manda em Benavente. Há um planeamento demasiado conservador. Conheço terras que pegam numa tradição e fazem dela âncora para promover o local. Se for à Golegã têm o cavalo.Falta uma identidade ao Concelho? Falta uma marca registada do concelho. A aposta no Puro Ribatejo é indefinida. Não é só a Semana Taurina, tem de se fazer mais pela marca, devia ser mais sólida e mais agregadora. Ainda assim temos muita oferta cultural, até nas Festas do Porto Alto, por exemplo, que cresceram bastante e já animam uma grande fatia de população.Muita da população do Porto Alto é chinesa, que tem tomado conta dos negócios com a construção de armazéns. Sim, isso já é resultado do pós-25 de Abril. A indústria do país morreu. Samora empregava muitos operários e hoje não tem nada. O tecido económico ressentiu-se e isto encheu-se de armazéns chineses. É um mal que não é necessário. Porquê? Porque os chineses não criam emprego, nem em Samora, nem no resto do país. Se for aos armazéns não vê portugueses a trabalhar, só chineses. Por isso não há criação de emprego. Mas é curioso que esses armazéns, que não são uma mais-valia, não vão para Benavente. Aqui a actividade primária acabou, só se vive de comércio e serviços.Falta uma política para fixar pessoas no concelho? Samora, neste momento, é um dormitório. Tem 17 mil habitantes, mas são muito mais, porque muitos não estão cá recenseados. Deve empregar apenas cerca de duas mil pessoas. A câmara é quem mais emprega. Só as grandes superfícies é que dão trabalho.Há uma histórica rivalidade entre Samora e Benavente. Sente que isso prejudica o crescimento? Samora é sempre prejudicada. Tem o dobro da área do resto do concelho e o orçamento para Benavente é sempre o dobro. E o que é projectado para Samora nunca é investido na totalidade, por vezes nem metade. Foi sempre uma batalha minha e sempre me revoltou. Até para construir a primeira escola preparatória em Samora foi uma luta grande. Até quando tivemos a Unidade de Saúde Familiar, que é exemplar, Benavente reclamou com inveja. Até no desporto se sente a rivalidade.Um comerciante escritor e ex-autarcaA 11 de Novembro de 1935 nascia em Samora Correia um futuro padeiro, escritor, comerciante e autarca. António Manuel Louro de Oliveira é uma pessoa multifacetada. A sua vida pautou-se sempre pela ânsia de aprender, algo que nasceu do facto de apenas ter aprendido a ler e escrever quando já tinha 18 anos. Desde cedo começou a trabalhar no campo, na companhia do seu pai, onde executou todas as tarefas desde tirar cortiça, cavar, semear e limpar sobreiros. Mas cedo percebeu que não era aquele o seu futuro. Tentou aprender a profissão de pedreiro mas não o deixaram e teve de se dedicar à segunda opção: padeiro. Foi o que fez ainda antes de ir para tropa, onde foi para lanceiro. 18 meses depois saiu e continuou no ramo em Alhandra, Samora Coreia e Santo Estêvão. Casou pouco depois e a vontade de uma vida melhor fê-lo abrir, com a mulher, dois cafés. O último, o Cortiço, foi a sua casa durante 18 anos, seguindo-se um minimercado. A política está-lhe no sangue desde que se sentiu injustiçado pela ditadura salazarista, aos 14 anos. Após o 25 de Abril o PCP quis recrutá-lo, mas acabou por se tornar no militante nº1 do PS em Benavente. Foi autarca na assembleia municipal por oito anos, integrou a comissão do Movimento Cívico para a Restauração do Concelho de Samora - MAIS SAMORA e escreveu ainda dois livros, o mais conhecido intitulado “Samora Correia, Realidade ou Utopia?”, ambos sob o pseudónimo António da Loira, em homenagem à sua mãe.

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