Entrevista | 27-04-2019 18:00

O novo homem forte da cultura em Santarém

O novo homem forte da cultura em Santarém
João Aidos defende que Santarém precisa de um centro cultural que albergue um teatro, uma biblioteca, arquivo e espaço expositivo

João Aidos foi contratado pelo município para dirigir o Projecto Santarém Cultura.

O ex-director-geral das Artes pretende colocar a cidade na rota dos espectáculos artísticos de referência. A diferença já se vai notando e com isso mais óbvia se tornou a necessidade de um novo espaço para eventos culturais, porque o actual Teatro Sá da Bandeira foi mal remodelado e não chega para as encomendas.

Dirigiu diversas salas de espectáculos e projectos culturais no país e agora está em Santarém. Conhecia alguma coisa desta cidade?

Muito pouco. Só por ser a capital de distrito e também pelo público de Santarém que ia aos espectáculos do Teatro Virgínia em Torres Novas.

O que mais o surpreendeu nesta cidade e região?

O que mais me surpreende é o conjunto de potencialidades que a cidade tem e que pouca gente conhece. Por exemplo, as cisternas subterrâneas...

E o que pensa do património monumental?

O património é outra coisa que acho inacreditável. É monumental mas ninguém sabe!

E se calhar podia estar mais bem conservado e potenciado…

Para além desse problema, acho que a EPC (antiga Escola Prática de Cavalaria) é um centro nevrálgico da cidade e é necessário perceber o futuro desse espaço e o que se quer ali fazer. Obviamente, há muitas questões subtis e que nós não conhecemos, mas a EPC não pode ficar num limbo…

O futuro centro cultural da cidade ficava bem ali?

É uma hipótese mas acho que há outros espaços que fazem mais sentido em termos urbanos, para coser a urbanidade da cidade. Como o Campo Infante da Câmara, que liga uma parte da cidade à outra. Mas a cidade não precisa só de um novo teatro, precisa de um centro cultural que possa albergar um futuro teatro, biblioteca, arquivo e espaço expositivo. Todas essas áreas são necessárias à cidade e não estão resolvidas. É necessária uma biblioteca nova, claramente.

A cidade tem actualmente duas bibliotecas…

Sim, mas que já não estão enquadradas no que é uma biblioteca do século XXI. Basta olhar para a biblioteca de Torres Novas ou de outras cidades. Santarém é capital de distrito e precisa de um novo espaço.

Já fez chegar essas considerações aos responsáveis políticos?

Claro, como é óbvio! E penso que há alguma concordância. Não há dinheiro para fazer individualmente cada um desses equipamentos e além disso é importante ter no mesmo espaço uma biblioteca, um teatro, uma zona de arquivo e um espaço expositivo, porque assim toda a gente vai a esse espaço para tratar de alguma coisa. Esse espaço teria várias funcionalidades e poderia motivar outro tipo de investimento naquela zona em termos de regeneração urbana.

O Teatro Sá da Bandeira tem imensos problemas

É frustrante para um programador cultural trabalhar com uma sala de espectáculos de 200 lugares, como é o Teatro Sá da Bandeira?

Não é frustrante porque há um tipo de programação que podemos fazer e que é mais intimista. O problema é que há outro tipo de programação que é fundamental fazer e que exige sempre 500 ou 600 lugares.

As condições do Teatro Sá da Bandeira (TSB) satisfazem-no?

O TSB há muito que não tinha investimento em termos de condições técnicas. Quando foi inaugurado há uns 16 anos, após ser remodelado, já não correspondia às necessidades mínimas que um teatro necessitava na altura. O que significa que se andou estes anos todos a alugar material sem necessidade nenhuma. Aquele material não era só insuficiente, era inadequado. Já ninguém faz espectáculos com aquele material.

A responsabilidade foi de quem?

Isso já não posso dizer. Às vezes é também uma questão de ignorância técnica. Não há assim tantos técnicos em Portugal nestas áreas e não é fácil as pessoas, por vezes, terem toda a informação necessária para poderem decidir correctamente. Certo é que nós, após 16 anos, renovámos praticamente todo o equipamento do TSB. Mas ainda há muito a fazer, porque o TSB tem imensos problemas...

Nomeadamente?

Não é um espaço convidativo, o bar não está no sítio certo, temos problemas de mecânica de cena…

O que está a dizer é que a reabilitação do Teatro Sá da Bandeira foi mal feita?

Mesmo muito mal feita! Os erros estão lá. E mesmo a nível de arquitectura é de muito mau gosto. Aqueles tectos lembram-me um hospital, no mau sentido da palavra, as cadeiras estão mal concebidas, as portas estão todas erradas, estamos nós agora a mudá-las…

Esse cenário torna óbvia a necessidade de uma sala de espectáculos maior na cidade. O grande auditório do CNEMA pode ser uma alternativa. Estão a trabalhar com o CNEMA no sentido de lhe dar mais utilização?

Há uma excelente relação com o CNEMA e estamos a trabalhar para ali fazer uma programação de Inverno em conjunto. Mas não podemos esquecer que o grande auditório do CNEMA não tem espaço cénico. Não tem caixa de palco, não tem varas, pelo que não se consegue fazer lá grande parte dos espectáculos. Tudo o que tem movimentação cénica não se pode lá fazer, porque não há saídas de cena, não há coxias laterais.

O Convento de São Francisco também tem sido opção para determinados espectáculos.

É um monumento nacional que tem potencialidades incríveis. Não pode é estar nas actuais condições. Estamos a ajudar a câmara nesse processo. Dado que sou também projectista não me importo de ajudar, para tentar com alguma brevidade criar as condições mínimas para ter lá outro tipo de actividades.

Um trabalho que não é só contratar artistas

Disse numa entrevista recente que falta sentimento de pertença aos habitantes de Santarém relativamente à cidade. Como é que, em tão pouco tempo, chegou a essa conclusão?

Fizemos um trabalho exaustivo de diagnóstico, falámos com centenas de pessoas, fomos às aldeias e percebemos que não há esse sentimento de pertença, tal como não há noutros territórios, de um grande orgulho em ser de Santarém, de lutar pela cidade. Não só o sentimos como as pessoas também o disseram.

Já se percebeu que a sua programação, além de ser heterogénea não é demasiado pretensiosa e elitista. Há a preocupação de abranger várias faixas de público?

Tem que haver essa responsabilidade. Temos que subir determinados patamares e tudo o que fazemos tem que ter qualidade artística. Fazer só por fazer, não!

Como programador cultural como olha para a cultura tauromáquica? Consegue enquadrá-la no projecto Santarém Cultura?

Já andamos a pensar em desafios desses. Para mim é um grande desafio, pois não é uma área que eu domine. Já pensámos em trazer uma companhia que trabalhasse essa temática coreograficamente. E estamos envolvidos num projecto maior com o CNEMA que é pensar um grande espectáculo que tenha a ver com o território e com toda esta temática à volta da tauromaquia para realizar durante a Feira Nacional de Agricultura.

Já este ano?

Não, isso é impossível. Será um grande espectáculo de rua e é algo em que se deve investir, porque não existe em Braga ou em Portimão, por exemplo. Será um espectáculo a sério, com grandes profissionais, que estamos a pensar realizar no próximo ano. Já fizemos contactos com um grande encenador português e com uma grande equipa para pensar o assunto.

Não se pode saber ainda os nomes?

Não, ainda estamos a negociar…

Os críticos dizem que havendo dinheiro para a cultura é fácil trazer bons espectáculos e encher salas. Dinheiro que, pelo que dizem, há mais agora do que em anos anteriores. Que comentário lhe merece essa apreciação?

Não conheço a fundo os anos anteriores. É muito fácil criticar. Todo o processo é de mediação e de confiança. Podia ter vindo para aqui e não ter conseguido nada do que consegui. Eu é que fiz o projecto gratuitamente para o equipamento do Teatro Sá da Bandeira e fiz muitas outras coisas voluntariamente para uma série de sítios…

Mas o seu trabalho é mais fácil de avaliar pela qualidade e quantidade dos artistas que traz a Santarém.

O que é injusto. Há muitas coisas que se fizeram para além disso. Santarém não estava em nenhuma rota programática. Neste momento estamos a alterar um bocadinho isso. Não me cabe analisar o que estava antes. Deduzo que as pessoas tentaram fazer o seu melhor. E há uma coisa fundamental para implementar qualquer projecto, que é haver confiança e empatia. Nós demos segurança às pessoas que confiaram no nosso trabalho e o que nos preocupa é o que estamos a contribuir para a cidade.

Verão com Carolina Deslandes, Moonspell e Sara Tavares

Vamos ter algum grande evento na cidade durante o próximo Verão, daqueles que arrastam multidões?

O In Santarém vai subir a outro patamar, que já necessitava e merecia. Foi um evento muito meritório numa altura em que não havia dinheiro nenhum mas que já não aguenta muito mais esse modelo. Este vai ser um ano de transição para o Verão In Santarém, que na minha óptica não deve durar tanto tempo. Três meses de programação é muito tempo havendo programação regular durante todo o ano. Tem que ser mais concentrado e basta ver os bons exemplos de outras cidades. No máximo é um mês e na maioria dos casos são 15 dias.

Já se sabe alguma coisa da programação?

Vamos trazer a Carolina Deslandes, os Moonspell, a Sara Tavares com outros artistas, uma orquestra a tocar música para filmes e o Luís Portugal vai cantar os temas do Jafumega com a banda de Alcanede numa co-produção nossa. Vamos ter uma série de espectáculos interessantes no In Santarém para equilibrar a programação em relação ao resto do ano.

O amigo António Rodrigues

Trabalhou como programador cultural do Teatro Virgínia, em Torres Novas. Que memórias mais marcantes lhe ficaram da cidade?

Ficaram mesmo muitas memórias. Eu era assessor do presidente da câmara para a cultura e tinha uma ligação muito directa com ele. Essa confiança foi crucial. Uma das memórias que guardo é que as pessoas começaram a ter esse sentimento de pertença em relação ao Teatro Virgínia e à própria cidade. Liderámos redes de programação e pusemos aquilo no mapa, claramente. Houve ali uma cumplicidade muito grande do pensamento de cidade com o presidente da câmara

Foi fácil trabalhar com o então presidente da câmara António Rodrigues, conhecido por ter um feitio algo peculiar?

Por acaso foi, porque eu também tenho um feitio com nuances semelhantes. Ele também me deu confiança e cumplicidade e devo agradecer-lhe isso. Mas acho que o apanhei numa altura em que a humildade dele estava um bocadinho mais ao de cima. Acho que ele a seguir deslumbrou-se um bocadinho com uma série de coisas.

Ficaram amigos?

Continuamos amigos. Aliás, fiz uma pequena festa dos meus 50 anos e ele foi convidado.

As artes e o engenho de João Aidos

Gestor, programador, produtor e engenheiro projectista com profunda ligação à rede cultural em todo o território nacional. João Aidos, 50 anos completados no dia 9 de Abril, é uma figura multifacetada e com vasta experiência na área da programação cultural, tendo sido director-geral das Artes. Desde o Verão de 2018 que é responsável pelo projecto Santarém Cultura desenvolvido pelo município de Santarém, depois de ter gerido salas de espectáculos em cidades como Torres Novas, Coimbra, Águeda, Leiria, Faro, Guimarães ou Aveiro. Acaba o contrato em Julho e em princípio vai ser renovado por mais dois anos.
A sua empresa, a J. Aidos-Consultadoria e Gestão de Projectos, Lda., venceu o concurso público lançado pela autarquia escalabitana e recebeu 74 mil euros para implementar, no período de um ano, o projecto. Os espectáculos do primeiro trimestre de 2019 esgotaram diversas vezes o Teatro Sá da Bandeira e a tendência é para assim continuar, até porque a sala é pequena e a agenda cultural promete continuar a trazer nomes sonantes à cidade.
Natural de Fogueira, Anadia, licenciado em engenharia mecânica e em teatro, com uma pós-graduação em estudos artísticos, João Aidos foi ainda fundador da ACTA - Companhia de Teatro do Algarve e da Efémero - Companhia de Teatro de Aveiro, além de várias redes de programação nacionais e internacionais.

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