Opinião | 28-07-2011 10:33

Mais olhos que barriga

Na passada semana fui almoçar a um dos melhores restaurantes do país. Almoço secreto para coscuvilhar com uma das pessoas mais influentes e mais bem informadas das minhas relações de trabalho. Foi uma barrigada de comida e de conversa. Vou partilhar a parte cómica. Um dia, também bem acompanhado, fiquei à porta do restaurante por não levar gravata e a pessoa que me acompanhava calçar umas sapatilhas.Depois de duas negas em resposta aos meus argumentos deixei de insistir. Mandei chamar o chefe e disse-lhe, à porta da sala principal do restaurante, que ia sair dali e comer uns pastéis de bacalhau na tasca da esquina que era um lugar que também conhecia muito bem e que tinha a certeza que era muito mais limpo do que aquele.Sorri amarelo e trouxe na retina a imagem de uns árabes, sentados numa das mesas do restaurante, em família e com as camisas desfraldadas e com crianças à volta, descalças e a brincarem como se estivessem no recreio de uma escola.Disse que nunca mais lá voltava.Daí a duas semanas estava em Madrid a vestir um casaco, e uma gravata alheia, para poder almoçar com um amigo espanhol no restaurante e na mesa do rei, ali bem no centro da capital espanhola. Fiquei fulo mas lembro-me que aceitei as condições como uma ovelha republicana. Daí até aceitar regressar ao restaurante de Lisboa foi um passo.Desta última vez vinguei-me e comi que nem um alarve. Não sorri para os empregados, paguei com cartão de crédito sem me levantar da mesa e recusei os salamaleques do chefe que tentou ser simpático, ignorando-o como se ignoram as melgas para lá do mosqueteiro.Só tive um pequeno problema. Como não é hábito comer tanto acepipe, tanta coisa boa e bem cozinhada, tanto miminho a bordejar o prato, no final do almoço, ainda sentado num sofá a atender uma chamada de telemóvel, deu-me uma dor de barriga que acho que enchi um estômago com tripa directa aos intestinos.Quem me conhece, ou quem me vê por aí ainda sem a barriga do tamanho de uma melancia, não sabe que eu sou daqueles que, onde me fazem pagar o preço dos talheres de alpaca, esvazio a travessa do peixe, dou cabo do cesto da fruta e até como o brilho da loiça do prato do pudim e do molotov, mesmo que depois tenha que correr para a casa de banho com as calças na mão.Já não sou nem uma sombra daquela criança que adorava gemadas, que gastava as gorjetas dos recados a comprar bananas nas bancas da praça, que comia tangerinas roubadas da horta como quem come tremoços, mas ainda continuo com mais olhos que barriga. JAE

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