Política | 17-03-2005 11:03

“Santarém é uma cidade acomodada”

Hermínio Martinho considera que continua a faltar peso político a Santarém, que se vai reflectindo na perda de influência nos contextos nacional e regional. Em vez de apontar baterias para o exterior, critica os escalabitanos por serem acomodados. “Santarém continua a actuar e a viver de uma forma desgarrada. As coisas acontecem porque têm de acontecer” diz o antigo autarca e deputado, em vésperas de mais um feriado municipal.Santarém celebra no próximo sábado o seu feriado municipal. Acha que a cidade e o concelho têm muitas razões para festejar, quando se fala da sua perda de influência nos contextos nacional e regional?Há sempre razões para festejar. É um dia que se festeja anualmente e que pode ser um factor para estimular e unir as pessoas em redor daquilo que lhes é comum. E até, porque não, despertar algumas coisas que podem ser importantes para o futuro do próprio concelho.Vive em Santarém, foi vereador, deputado, tem uma noção do que o concelho valia e do que vale hoje. Acha que houve realmente essa falta de perda de peso político?De uma forma coerente com aquilo que sempre afirmei, acho que efectivamente Santarém hoje tem menos peso político não só no todo nacional como inclusivamente a nível regional. Acho que concelhos limítrofes como Almeirim, Cartaxo ou Rio Maior, para já não falar em Abrantes e Tomar, têm-se vindo a aproximar de Santarém em termos de capacidade, de desenvolvimento e de peso político, de capacidade de intervenção naquilo que são as decisões que têm a ver com o destino de todos nós.E de quem são as responsabilidades?Se calhar as responsabilidades são de todos nós. Acho que estamos demasiado acomodados. Não vejo muita vontade de intervir, de mudar. As pessoas deixam-se acomodar e isso tem-se reflectido negativamente a todos os níveis.O que pensa da actual gestão camarária?Tenho boa opinião de Rui Barreiro. Sempre tive boas relações com ele. Mas desde que saí da câmara passam-se meses que não vou à cidade e não tenho conhecimento concreto que me permita dar uma opinião sobre o que se passa.Não está a usar um subterfúgio para se refugiar comodamente no silêncio? Para fugir à polémica?É verdade o que aprendi com o meu avô, que dizia: quando estiveres bem para dizer, não deixes de o dizer, quando tiveres mal a dizer o melhor é ficares calado. Mas não é isso que está em causa. Um exemplo: ontem fui a Santarém e vi um grande palanque em frente ao tribunal, para actuarem os Xutos e Pontapés. Uma coisa asseguro, se fosse presidente da câmara a vida da cidade nunca seria perturbada durante um dia inteiro numa artéria principal por causa de um concerto.Eu recordo-lhe que no anterior mandato, era o senhor vereador da câmara, o mesmo local foi palco de actividades semelhantes durante as Festas da Cidade.É provável que sim, mas não me perguntaram o que é que eu pensei disso na altura. Não se entenda isto como uma crítica, nem estou a dizer que não haja concertos, mas cortar aquela artéria por causa de um concerto só mesmo em último recurso.Como vê o crescimento urbanístico de Santarém?Santarém, tendo praticamente a mesma população, cresceu em termos urbanísticos cinco ou seis vezes nas últimas décadas. E qual é a qualidade de vida das pessoas de Santarém? Para onde é que as pessoas vão? Que espaços têm para conviver? Tem de haver alterações profundas a esse nível. É o futuro de todos nós que o exige.Aí há também alguma responsabilidade da força política de que foi vereador. Os projectos urbanísticos são aprovados na câmara, e na maioria das vezes com o voto favorável do PSD.É verdade que sim. Mas ou a gente diz não a tudo, ou aprova algumas coisas. Eu, por exemplo, tinha grandes dúvidas quanto ao centro comercial que foi recentemente construído em Santarém. Entre ver aquele espaço degradado no centro da cidade, que já estava assim nos meus tempos de liceu, ou fazer-se o que está ali, às vezes tem de se optar pelo mal menor. O ideal seria as pessoas quando decidem verem tão longe quanto possível. Tenho muita pena que a praça de touros tenha sido construída onde foi. Se as pessoas tivessem olhado para a planta do planalto, a Avenida Afonso Henriques ia dar directamente à entrada do Complexo Andaluz e tudo aquilo estaria diferente. A praça de touros interrompeu de facto tudo aquilo que poderia ser projectado para a zona.E mexe com o futuro do antigo Campo da Feira. O que espera desse espaço central da cidade?Acho que é aí que deve ser criada a grande praça, o centro de vida e o motor da cidade. E também construir ali os futuros paços do concelho para afectar o actual edifício da câmara para centro de cultura e turismo. Tal como gostava de ver o Campo Sá da Bandeira transformado numa ampla zona verde, uma espécie de Central Park, sem trânsito e com estacionamento subterrâneo. São ideias que gostava que o povo de Santarém me tivesse dado oportunidade de concretizar. Mas não deu e já não vai ter oportunidade de dar.O presidente da Câmara de Santarém queixa-se regulamente da falta de apoio dos últimos governos a projectos previstos para o concelho. Fala mesmo de discriminação face a outros concelhos da nossa região. Acha que esse é um argumento plausível?Pode haver algumas decisões pontuais de ministros que favorecem mais a sua região, mas, pela minha experiência, de uma maneira geral os governos tratam os presidentes de câmara de forma igual. Pode é haver presidentes de câmara que às vezes, pelo tal peso político, pela tal maneira de ser, pela tal diplomacia, conseguem levar mais facilmente a água ao seu moinho. E temos que reconhecer que há alguns presidentes com mais jeito para isso.Como homem ligado à agricultura, como é que viu a deslocalização da Secretaria de Estado da Agricultura para a Golegã, após ter sido dada como certa em Santarém? Não acompanhei esse processo de perto. Mas acabei de lhe falar da capacidade dos presidentes de câmara para intervir e decidir. E acho que aí foi muito mais uma questão de mérito do presidente da Câmara da Golegã, que é um grande senhor, do que demérito de Santarém.O distrito está dividido em duas comunidades urbanas – Médio Tejo e Lezíria do Tejo. Acha que se perdeu uma oportunidade de agregar os municípios da região sob uma única entidade, com a recente reforma administrativa conduzida por Miguel Relvas?Acho que o Miguel Relvas na passagem pelo Governo mostrou qualidades e uma capacidade que o valorizou. Ultrapassou aquilo que a maioria das pessoas esperava. Em termos desta divisão, sinceramente não vislumbro daí vantagens para aquilo que me preocupa e me interessa, que é a criação de condições para o bem-estar das pessoas. E é para isso que os políticos existem. Para mim o que conta são resultados concretos, palpáveis.Há pouco falava de alguma acomodação por parte dos agentes políticos e sociais de Santarém. Essa é uma espécie de mea culpa por se ter afastado da vida pública desde que cessou as funções de vereador em Janeiro de 2002?Eu não estou afastado da vida pública…Talvez, mas as pessoas habituaram-se a vê-lo e a ouvi-lo, e agora vêem-no pouco.Vêem-me pouco porque a minha actividade hoje passa por Lisboa, pelo país todo e até pelo estrangeiro. Mas venho dormir a Santarém todos os dias e estou inequivocamente ligado a Santarém e estarei até ao resto da minha vida. Mas pelo menos desapareceu da cena política.Em termos políticos o que se passa não é uma questão de acomodação. Na vida sempre fiz aquilo que gostava de fazer. Então é daqueles que não pode dizer que sacrificou a família por causa da política?Bem, fiz alguns sacrifícios na minha vida e coisas que não me apetecia fazer. E por acaso foram sempre ligadas à política. Sobretudo na fase final, depois da saída do general Eanes do PRD, eu acho que em coerência devia ter saído também.E não saiu porquê? Só não saí porque achei que isso podia ser um factor de desagregação imediata do próprio partido. E nós tínhamos tido, apesar de tudo, quatro por cento. Eu tinha tido no distrito de Santarém praticamente o triplo da percentagem nacional e só por isso fui o único deputado eleito em 1987, na segunda eleição, fora da linha litoral. Também tinha essa responsabilidade e não devia voltar as costas às pessoas que votaram em mim. Confesso que foram anos de grande sacrifício e por vezes até penosos.Os sacrifícios ficaram por aí?Hoje estou a fazer uma coisa de que gosto muito e não sinto qualquer motivação, atracção ou estímulo para me envolver em qualquer actividade política.Quer dizer que está reformado politicamente?Não posso dizer que esteja reformado, porque fui militar durante seis anos cá e em Angola, estive na actividade política directa, fui deputado seis anos, e não recebo um tostão do Estado. Sou contribuinte líquido com todo o gosto e não me importava de contribuir mais.Quando falava em reforma da política, era da actividade em si e não de eventuais benefícios…Eu percebi. Neste momento, em termos sociais e públicos, sou presidente da assembleia geral dos Bombeiros Voluntários de Santarém e chega. Fui convidado com o objectivo de ajudar na construção do novo quartel, há muitos anos necessário, e que só pelas razões da tal acomodação e da tal actuação desgarrada é que ainda não existe. Vamos tê-lo dentro de pouco tempo e depois do quartel inaugurado até disso eu penso desligar-me.

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