Saúde | 14-06-2019 10:00

“Impor um limite de tempo para as consultas viola os direitos de doentes e médicos”

“Impor um limite de tempo para as consultas viola os direitos de doentes e médicos”
ESPECIAL SAÚDE

José Vaz Teixeira é médico nos Consultórios Médicos Associados de Torres Novas

Para o médico gastroenterologista, José Vaz Teixeira, as dietas vegetarianas ou vegan não são o caminho para sermos saudáveis e podem dar origem a perda de massa muscular e anemia. A solução, defende, é uma dieta equilibrada em fibras, hidratos de carbono, gorduras, vitaminas, minerais e proteínas.

Para sermos saudáveis devíamos ser todos vegetarianos ou veganos? Não. A estrutura dentária e o equipamento enzimático digestivo humano é próprio de animal omnívoro. As dietas referidas na pergunta são deficientes em aminoácidos essenciais que se encontram nos alimentos de origem animal na quantidade e diversidades adequadas. A sua carência acarreta perda de massa muscular e anemia. É fundamental uma dieta equilibrada em fibras, hidratos de carbono, gorduras, vitaminas, minerais e proteínas.

Quais são os alimentos que mais contribuem para os problemas de gastroenterologia? É difícil responder a uma pergunta com esta abrangência. Responder por patologias específicas levaria a escrever um tratado sobre nutricionismo. Mas deixo algumas referências.

O excesso de álcool contribui, agrava e provoca doenças do fígado e do pâncreas. O glúten deve ser banido da dieta dos doentes com doença celíaca. O leite deve ser evitado nas doenças inflamatórias crónicas do intestino (colite ulcerosa e doença de Crohn). O excesso de condimentos está contra indicado nas situações de refluxo gastroesofágico no colón irritável e no sindroma hemorroidário. Há um estudo não conclusivo relativo à responsabilização dos enchidos no cancro do estômago. A alimentação é importante em todas as doenças e patologias para além das do sistema digestivo.

O Ribatejo e Torres Novas em particular têm hábitos de alimentação muito diferentes do resto do país? Para melhor ou para pior? O nosso país tem uma riqueza cultural e regional muito variada, também no campo da gastronomia e relacionada com as disponibilidades alimentares locais e hábitos ancestrais de consumo e confecção. Assim diria que nem melhor nem pior. Permitam-me referir com muito agrado que nesta terra (Riachos) me “inaugurei” nas petingas no forno, na sopa de fressura... e nos caracóis; pois sendo filho de transmontanos considerava o caracol apenas como bicho “malino” para a agricultura. Hoje sou fã de qualquer um destes petiscos.

Os doentes aumentaram com a proliferação das cadeias de alimentação pouco saudável? É verdade. A falta de salubridade vai desde a incorporação de aditivos (químicos, conservantes) e de sal e de açúcar em excesso. Higiene muitas vezes suspeita: nos prazos de validade das matérias primas e dos alimentos já processados. Publicidade enganosa nas rotulagens.

A poluição dos terrenos das águas e do ar, bem como as alterações climáticas. Atentar no escândalo da aquacultura do salmão e do bacalhau na Noruega e no Chile. A fuga para os produtos “Bio” é impossível não esbarrar nestas alterações.

Há mais ou menos doentes jovens? A diminuição da taxa mortalidade infantil (importante conquista do SNS) fez com que deixasse de funcionar a selecção natural em que sobreviviam principalmente os que estavam geneticamente melhor equipados. Muitas patologias aparecem em doentes cada vez mais jovens. No limite dou-lhe o exemplo de uma criança com 3 anos com úlcera duodenal sangrante e dois casos de cancro do cólon em jovens com 18 anos. O consumo de álcool aumentou entre os jovens sobretudo com ingestão de bebidas destiladas o que tem aumentado o número de pancreatites.

As mulheres são menos “queixinhas” que os homens? Numa sociedade ainda machista e fortemente influenciada por certo tipo de catolicismo a mulher tem ainda um estatuto de inferioridade em relação ao homem. Esta situação está, felizmente, em vias de extinção, até porque a mulher cada vez é menos dependente economicamente do homem. Todos estes factores fazem com que a mulher, em geral, tenha por regra uma tolerância e controle da dor maior que o homem.

Tem memória do ano em que deu a consulta mais prolongada da sua carreira? Foi em Angola no período da guerra colonial. No início de 1974 tratei uma criança de 11 anos com paludismo que lhe afectou o encéfalo e obrigou a uma terapêutica complexa de anti-maláricos injectáveis, anti-convulsivantes e anti-hipotensores. Foi uma luta entre as nove da noite e as cinco da manhã do dia seguinte porque não tinha como evacuar a criança, que acabou por se salvar sem sequelas. A criança era filha de um agente da PIDE (polícia política). Foi uma vitória médica e uma vingança gratificantes para quem como eu esteve um ano preso pela PIDE.

Alguma vez ficou doente a meio de um dia de consultas? Sim. Em 1986 a prestar assistência a um doente no serviço de urgência fui acometido de uma valente cólica renal.

Um médico também é um confessor ou hoje os médicos não querem saber nada da vida particular dos seus doentes e centram-se só na questão do problema de saúde? O médico não é um confessor. Em comum com o confessor tem a obrigação de respeito pelo direito ao sigilo de quem o procura. A doença não é uma mera patologia. Tratamos doentes e não tratamos doenças. A saúde é uma complexa situação em que entram factores ambientais, agentes patogénicos, hábitos alimentares, relações familiares e sociais, bem como problemas profissionais. Estes aspectos têm que ser focados durante a consulta para uma correcta terapêutica, respeitando sempre a privacidade do doente e sem transformar a consulta num interrogatório policial. A imposição legal de, no âmbito do SNS (Serviço Nacional de Saúde), se estabelecer limite temporal na consulta é atentatório dos direitos dos doentes e dos médicos.

Os seus familiares mais próximos são seus doentes? Não. Apenas em situação de urgência.

E quem é o seu médico principal? Foi até ao falecimento o saudoso Dr. Vítor Dinis. Hoje é a Dra. Sheila que ficou a substituí-lo. É uma jovem médica com uma postura humanista e profissional que merece registo.

Tem doentes de Ponte de Lima onde nasceu? Não tenho. Saí de Ponte de Lima com dois anos para a Guarda. Ao sabor das transferências do meu pai, que era funcionário das finanças. Em Ponte de Lima não tenho amigos, conhecidos ou familiares.

Como é que define a sua terra? A minha terra não é a terra onde nasci. A ela apenas me liga o registo no cartão de cidadão. A minha terra foi a Guarda (ainda é). A minha terra foi Coimbra (ainda é). A minha terra desde há cerca de 20 anos é Torres Novas. Por esta terra me fico e daqui não saio nem morto.

Defino a minha terra como todos nós definimos a nossa terra. É a terra que nos pertence e lhe pertencemos. Onde profissional, afectiva, social, política e culturalmente nos sentimos bem.

Escolheu viver em Torres Novas ou foi por acaso? Escolhi e não foi por acaso. O critério de escolha teve que ver com a distância a Coimbra. Decidi sair dos hospitais da Universidade de Coimbra em 1983 e a vaga mais próxima era Torres Novas. As minhas vivências sociais, culturais, afectivas e profissionais têm sido muito gratificantes e a minha integração nesta terra é total.

Gosta da região? Gosto muito pelo seu património natural, cultural e associativo, e gosto muito dos meu concidadãos.

Quem é a pessoa mais importante da sua vida? O meu falecido pai, um transmontano sábio, um espírito tolerante e livre ainda que preso na sua condição de funcionário público. Ensinou-me a pensar pela minha cabeça, alertou-me para a realidade das injustiças sociais. Gostava da canção do Adriano Correia de Oliveira. “Um homem não devia de mandar noutro homem/Todos juntos é que vamos mandar na Terra”.

Quem foi o seu mestre? Na cidadania o meu pai. Na medicina o Prof. Gouveia Monteiro. Na solidariedade a Madre Sameiro, Superiora das Dominicanas em Coimbra. Na coragem, Mãe Coragem, a Lucília minha mãe. Nas opções políticas a dureza da vida.

O MIRANTE é um jornal que se lê bem ou só se lê de vez em quando, quando há vagar? O MIRANTE é um jornal regional que leio regularmente com muito gosto, com as naturais concordâncias e discordâncias.

Que pergunta não lhe fizemos e à qual gostava de responder? Não me perguntaram porque sou comunista. Eu respondo: porque concordo com a filosofia que é o suporte do programa e da prática política do P.C.P e porque me considero um trabalhador da saúde.

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