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Parabéns aos leitores

João Calhaz *

“É por isso que para os jornalistas as fontes devem ser sagradas. São, digamos assim, as produtoras da matéria-prima com que se faz a notícia. Sem elas nada feito. E num país onde a leitura é um hábito de minorias e numa sociedade onde a indiferença e o conformismo campeiam, ter todas as semanas cartas e telefonemas de leitores a dar conta das mais diversas situações não deixa de ser gratificante. Nem que seja - e não é só por isso - pelo reconhecimento do nosso trabalho e pela esperança depositada de que as mensagens passadas para uma redacção de jornal possam gerar resultados positivos no futuro imediato.”

No último ano de trabalho neste jornal aconteceu muita coisa digna de registo, de apreço e de repulsa. A vida de jornalista, o tomar constante do pulso à sociedade, tem destas coisas: torna-nos observadores privilegiados e apura-nos o sentido crítico. Mas se tivesse de escolher o acontecimento que mais me marcou a nível laboral, não poderia deixar de mencionar a célebre rábula dos protocolos rasgados pelo novo executivo da Câmara de Santarém com várias entidades e organizações, entre elas uma empresa do grupo O MIRANTE.Em causa não está uma medida que, apesar de polémica, é legítima, embora tomada sem muito bom senso e fundamentada em pressupostos (como a crise financeira) que a prática, meses depois, veio contrariar. Se porventura havia quem fosse beneficiado no anterior mandato pelo poder vigente - como nos acusaram, embora os números não correspondam à ideia - não deixou, depois desse episódio, de continuar a haver quem tenha preferência, essa sim, hoje, descarada. Mas, mais do que tudo isso, o que nos revoltou foi o aproveitamento que se tentou obter, a partir da polémica que gerou essa quebra de acordos por parte da câmara, com o lançamento da suspeição sobre os profissionais desta casa - que, sublinho, e ao contrário de outros, vivem exclusivamente do jornalismo. Ao produzirem-se insinuações ou ao escrever-se descaradamente que vendíamos notícias a troco de publicidade, pretendia-se atingir a nossa profissão no seu âmago, naquilo que tem de mais sagrado: a credibilidade. Credibilidade sem a qual não pode haver uma relação sólida entre quem escreve e quem lê.Foi mais um dos estertores habituais de quem deambula pelas quelhas do desespero ou pelas vielas da inveja, procurando descortinar uma tenebrosa cabala onde seriam urdidos tantos dos males que andam pelo mundo. Essa foi a consequência mais sórdida de uma campanha alimentada em várias frentes e que não pode ter como desculpa apenas razões de estratégia no âmbito da concorrência entre títulos. Uma coisa são as vendas, as tiragens, os números, os conteúdos, outra são as pessoas que aqui andam de cabeça erguida e de espinha direita, orgulhosas daquilo que fazem. Nestas coisas não pode, nem deve, valer tudo, mas por vezes as almas aparentemente mais moralistas e pregadoras dos bons costumes deixam cair a máscara e acabam por mostrar o que valem. Felizmente no meio disto tudo houve um aliado indispensável que, mesmo com as provocatórias campanhas subscritas por algumas ditas referências da nossa praça, não nos virou as costas. Os nossos leitores, razão última da nossa existência enquanto profissionais do jornalismo, não nos abandonaram. Continuaram connosco, alheios à borrasca. Provavelmente por verem que o nosso trabalho continua a ser feito sem submissão a pressões de qualquer espécie nem a mecanismos de auto-censura que habitualmente resultam de cumplicidades mais ou menos promíscuas, de projectos de poder mais ou menos explícitos, de afectos ocasionais e oportunistas que duram tanto como os amores de Verão. JORNALISTAS, MAS NÃO SALVA-VIDASNão há jornalismo sem fontes. Para a mensagem chegar ao leitor, é necessário que o jornalista tenha quem lhe forneça o material para trabalhar e produzir o texto. E as fontes são diversas: organismos do Estado, autarquias, instituições, as mais diversas entidades e as pessoas que, a título particular, gostam de expor situações que, sem a sua colaboração, mais ou menos desinteressada (porque não há fontes sem interesses), nunca chegariam ao conhecimento público.É por isso que para os jornalistas as fontes devem ser sagradas. São, digamos assim, as produtoras da matéria-prima com que se faz a notícia. Sem elas nada feito. E num país onde a leitura é um hábito de minorias e numa sociedade onde a indiferença e o conformismo campeiam, ter todas as semanas cartas e telefonemas de leitores a dar conta das mais diversas situações não deixa de ser gratificante. Nem que seja - e não é só por isso - pelo reconhecimento do nosso trabalho e pela esperança depositada de que as mensagens passadas para uma redacção de jornal possam gerar resultados positivos no futuro imediato.Não sou dos que usam ou pensam o jornalismo como um quarto poder – prefiro a ideia de contrapoder – mas não tenho rebuço em reconhecer que muitas vezes somos infundamentadamente vistos como a última tábua de salvação de gente farta de penar para ver os seus problemas, e/ou da comunidade, finalmente resolvidos. É o resultado da crescente mediatização da nossa sociedade, onde só o que é tornado público pela comunicação social parece atingir foros de real. Mas a triste realidade é essa. Pela experiência que tenho posso afirmar sem receio de erro que algumas estórias relatadas pelo nosso jornal só tiveram final feliz, pelo menos em tempo útil, após terem sido manchete ou objecto de notícia. Porque o poder, na maior parte das vezes, só age por reacção e depois de exposta a anomalia (seja ela qual for) na praça pública.Acreditem que preferia que fosse ao contrário. Que tivéssemos um poder activo, que não necessitasse das notícias dos jornais, motivadas pela denúncia dos cidadãos, para agir. Que não fosse necessário escrever sobre estradas esburacadas, sobre esgotos e lixeiras a céu aberto, sobre famílias a viver no limiar da miséria e do desespero, para que as coisas mudassem.Mas o reconhecimento do papel que a comunicação social tem leva também a exageros. Por vezes somos confrontados com guerras entre familiares, casos de má vizinhança e outras situações que não obedecem ao critério de interesse público que deve presidir à elaboração de uma notícia. São casos para os tribunais ou a polícia resolverem, caso o bom senso entre as partes não prevaleça. Não são casos para nós. Por muito que nos custe por vezes ter de o dizer, defraudando a esperança em nós depositada. Mas não somos salva-vidas, juizes, polícias ou assistentes sociais. A nossa vida é só fazer notícias. * Jornalista

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