uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

“Ser solicitadora é mais que tratar de papéis”

Isabelinha Varela iniciou a profissão aos 38 anos

Isabelinha Maria do Rosário Cunha Prates de Sousa Varela, um nome que a sua detentora costuma abreviar para Isabelinha Varela, iniciou uma profissão quando já muita gente começa a fazer contas sobre os anos que faltam para a reforma. Aos 38 anos inscreveu-se num curso de solicitadores sem a fazer a mínima ideia do que a esperava. Hoje diz que não está nada arrependida de há 12 anos ter embarcado na aventura.

Nascida na província do Lobito, em Angola, há meio século, Isabelinha Varela é uma pessoa com uma personalidade diferente da maioria. A diferença começou logo no baptizado, quando a mãe decidiu pôr-lhe o nome próprio de Isabelinha.“Passo a minha vida inteira a rectificar o meu nome, mesmo em documentos oficiais”, diz esta solicitadora, adiantando que muitas vezes as pessoas pensam que é um diminutivo, um “nome carinhoso”. “Às vezes torna-se complicado ser Isabelinha”, diz, em tom de brincadeira.Exerceu a “profissão” de mãe até as filhas estarem criadas e quando poderia pensar no merecido descanso decidiu entrar no mundo do trabalho. Foi uma prima, licenciada em Direito, que a impeliu a tirar o curso de solicitadora, tinha 38 anos de idade.“Tomar conta de quatro filhas não é fácil e não sobra muito tempo para fazer outras coisas”, diz Isabelinha. Inscreveu-se no curso de solicitadora sem fazer a mínima ideia do que a esperava. “Fui pela aventura”.Durante dois anos deslocou-se todos os fins-de-semana a Lisboa para assistir às aulas. Quando chegou à parte prática foi parar a Leiria, porque o distrito de Santarém já estava muito preenchido. “Fiz tribunal e notário em Leiria e finanças na Marinha Grande”. Acabou na conservatória predial de Torres Novas, de onde é a sua família.Diz que nunca se arrependeu de ter tirado o curso. “Gosto imenso daquilo que faço porque além de tratar de papéis adoro lidar com pessoas”, diz, considerando mesmo como principal característica a sua facilidade de contactar com as pessoas.“Elas comigo conseguem entender o que é faço e como o faço, explico-lhes tudo”, afirma, acrescentando que acaba por ter uma relação de amizade com os seus clientes. “Ser solicitadora é mais que tratar de papéis”.E que faz exactamente uma solicitadora? Tirando a parte criminal, o solicitador faz praticamente o mesmo trabalho que um advogado. “A nossa alçada é que é muito pequena mas penso que com a reformulação prevista o nosso raio de acção será maior”, diz Isabelinha Varela.Questões do foro do tribunal de trabalho são as que mais ocupam a solicitadora. Para além disso faz também inventários e tudo o que esteja relacionado com cadastro – nomeadamente desanexações e reclamações – partilhas, escrituras, testamentos, habilitações.Não trata de mais matérias de tribunal porque não quer. “São processos geralmente muito demorados e há certas matérias que não me agradam”. Isabelinha Varela diz que gosta muito de ser solicitadora, mas não gostava nada de ser advogada, apesar da sua filha mais nova, advogada, a incentivar a tirar o curso. “Gosto muito mais das minhas matérias, são mais específicas, vamos directamente aos assuntos, é um trabalho muito mais objectivo do que o de um advogado”.O processo que até hoje lhe deu mais trabalho foi uma partilha, efectuado há já uns anos. “Era um trato sucessivo muito complicado, muitos prédios, de Ourém, uma zona onde ainda por cima não havia cadastro. As pessoas tinham feito as partilhas entre elas, há muitos anos, com outras matrizes e foi muito difícil depois aceitarem o que existia”, diz, adiantando que houve uma altura em que pensou desistir do processo. “Depois disse para mim mesma, não, tenho de levar isto até ao fim”.Apesar de haver pessoas que acham que os solicitadores conseguem tudo Isabelinha Varela diz que não há milagres. “Conseguimos resolver muitos assuntos e ultrapassar muitas barreiras, mas milagres não”.A solicitadora diz, todavia, que entende a frustração de alguns dos seus clientes e põe-se muitas vezes no lugar deles. É que a lei está sempre a ser alterada e o que hoje vale amanhã pode já não estar em vigor.E dá o exemplo do cadastro, cuja lei saiu em 1989. Na altura eram as juntas de freguesia que faziam o levantamento, com o apoio da pessoa mais idosa de cada freguesia. Se a pessoa tivesse bem informada os dados eram correctos mas se não estava os dados saíam incorrectos. “Depois do cadastro estar feito e publicado houve seis meses para reclamação só que se esqueceram que somos um país de analfabetos e ninguém teve conhecimento de nada. Houve pessoas que não levantaram as cadernetas nem se aperceberam dos erros que continham e depois?. Hoje em dia pagam ao cadastro cerca de 200 euros (40 contos) para virem rectificar aquilo que muitas vezes eles é que fizeram mal. É por isso que compreendo que seja difícil Às pessoas entenderem as lacunas da nossa lei, que são muitas”.Isabelinha Varela tem actualmente dois escritórios, um em Torres Novas outro em Tomar, mas é geralmente nesta cidade que passa a maior parte do tempo. “Quando tirei o curso não queria ficar em Torres Novas, gostava de mudar de ares”.Foi para Tomar sem conhecer ninguém e hoje diz que gosta imenso de lá estar. “Hoje em dia passo mais tempo em Tomar que em Torres Novas e não estou nada arrependida”.Nunca sai de Torres Novas sem tomar o pequeno almoço mas o almoço e muitas vezes o lanche – quando tem de ficar até mais tarde – é feito na cidade do Nabão. Isabelinha Varela considera-se uma pessoa desorganizada organizada. “As pessoas ficam muito surpreendidas por verem tantos papéis em cima da mesa”, diz adiantando que se arrumar os processos nunca mais se lembra deles, não lhes mexe e os clientes reclamam. “Assim vão passando pelas minhas mãos e vou-me lembrando”, diz, confidenciando – “se arrumo a secretária a seguir não sei de papel nenhum”.Margarida Cabeleira

Mais Notícias

    A carregar...