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“Antes de começar a falar conto até vinte”

Jaime Ramos, português de gema, presidente da Câmara do Entroncamento

É um português de gema. Impulsivo mas cordato. Bom coração, homem de família, filho único, pai galinha e amante de futebol que praticou anos e anos a fio. Jaime Ramos, Jaimito para os que o conhecem desde criança, presidente da câmara do Entroncamento, social-democrata por oposição ao radicalismo esquerdista do pós-25 de Abril, confessa com humildade que não é homem de grandes leituras e que, mesmo na altura em que ia ao cinema, passava mais tempo a olhar para a namorada do que para o ecrã. Passatempos preferidos: conviver com os amigos e visitar outros países.

Jaime Manuel Gonçalves Ramos, 51 anos, português de gema, coração ao pé da boca e boca pronta para reconhecer os erros quando a precipitação lhe tolda momentaneamente a razão. O Presidente da Câmara do Entroncamento conta que quando chegou à autarquia em 1993, como vereador da oposição, alguém o aconselhou a contar até dez antes de “disparar”. Agora, diz com um sorriso, “em vez de contar até dez, conto até vinte”.Para falar de si com o jornalista de O MIRANTE, não preparou uma lista dos melhores livros que leu, nem dos melhores filmes que viu. Humildemente confessa que os seus interesses nunca passaram por aí. Ia ao cinema com alguma frequência, quando namorava com a esposa, Amélia Ramos, mas perdia-se mais a olhar para ela do que para o ecrã. A confissão surpreende quem lhe descobre nas feições alguma semelhança com Charles Bronson. Um actor durão dos anos sessenta.“ O meu interesse passou sempre mais pelo desporto. Comecei a jogar futebol nos Leões de Santarém, com nove anos, quando fui estudar para o liceu. Depois joguei no Grupo Desportivo dos Ferroviários, na Quinta da Cardiga e no CADE (Clube Amador de Desportos do Entroncamento)”.O Jaimito, como era conhecido quando era mais novo, jogava a ponta de lança. Mais tarde, nos seniores, recuou para o meio campo. Jogou na penúltima equipa do Ferroviários que esteve na terceira divisão nacional. Já lá vão mais de trinta anos. É sócio do clube e quando pode vai aos jogos. Como adepto tem o coração tripartido pelo CADE – em cuja fundação participou - , Benfica e Ferroviários, mas quando fala da equipa da Cardiga o olhar ilumina-se. “Era um clube com uma mística especial. Estávamos lá por puro amor à camisola. Por amor ao futebol. Por pura amizade. Grandes amigos que eu fiz lá.”.Filho único de um ferroviário, Jaime, como o pai, Jaime Maia Ramos, nasceu em Santa Maria, Sintra, porque nessa altura o progenitor trabalhava em Lisboa e a família residia naquele concelho. A mãe, Cândida do Carmo Gonçalves, era doméstica. O Entroncamento, terra natal dos seus pais, começou a ser a sua terra aos dois anos de idade. Frequentou o ensino primário na Escola do Bairro Camões até à segunda classe. Rapazes para um lado e raparigas para o outro, como mandava a lei da altura. Os professores que teve já tinham sido professores do pai. O autarca recorda-lhes os nomes. “O professor Santana, o professor Torres, a D. Lavina...”Depois a escola fechou e o futuro Presidente da Câmara mudou-se para a escola junto ao Jardim Parque José Pereira Caldas. Não seria a última mudança. A quarta classe foi feita na escola da zona verde. A seguir o liceu de Santarém. Um ano inglório de viagens de comboio e caminhadas da estação para a cidade. Jaime Ramos não se dava muito bem com as letras. Os pais colocaram-no no colégio Mouzinho de Albuquerque, perto de casa. As coisas melhoraram e o jovem seguiu até ao 5º ano. Depois começou a andar para Tomar, no comboio do Texas, bancos de madeira e varandins, mas não acabou o 7º ano.“Queria despachar o serviço militar para resolver a minha vida. Ofereci-me como voluntário para o exército. Tinha 18 anos”, explica. Ofereceu-se e foi aceite. Fez o curso de sargentos e ganhou as divisas douradas. Especialidade: enfermeiro. Passagem pela Escola Prática de Cavalaria de Santarém, pelo Hospital da Estrela em Lisboa e colocação no hospital militar de Tomar. Em Agosto de 1971, embarca no navio Vera Cruz com destino a Angola. Missão de serviço em Malange. Um tempo de tropa na maior. Na Metrópole o serviço militar dava-lhe espaço para tudo. Namorava, jogava futebol e dava injecções nas horas normais de serviço. Em África foi só repouso. “Reconheço que fui um privilegiado. Tinha um médico na companhia, o que era raro. E quatro cabos enfermeiros extremamente competentes. Além disso ali não havia guerra. Era uma vida muito boa”.O único problema era a separação da família e da namorada. Nessa altura a solução era escrever para matar saudades. Aerogramas. Correio militar não taxado. Para a namorada vinham três ou quatro por semana. Para os pais também. Jaime Ramos confessa que é um homem de família. E “um pai galinha”. A menina dos seus olhos chama-se Cláudia e tem 24 anos. Filha única, como o pai. Está a acabar o curso na Escola Superior de Educação de Torres Novas depois de uma passagem por Gestão em Lisboa. “Damo-nos muito bem”, diz felicíssimo.Ainda pensou fazer vida em África, mas desistiu. O pai já andava a tratar de lhe arranjar um emprego para depois da tropa e além disso, meio ano depois deu-se o 25 de Abril. “Nem tive tempo para me arrepender ou lamentar”. O primeiro emprego foi no Banco Pinto e Sotto Mayor, onde trabalhou até à reforma. Casamento, ano e meio a morar em Alverca e regresso ao Entroncamento. Abra-se aqui este parágrafo para falar de curiosidades de carácter religioso. O padre que casou Jaime e Amélia, Ludovico de seu nome, deixou de ser padre pouco tempo depois, mas fez trabalho bem feito porque o casamento dura, dura, dura. E há a história do baptizado. Jaime Ramos tinha dez anos quando foi à pia baptismal, na capela da Meia Via. O motivo foi a entrada para o colégio, propriedade da Diocese. “A minha mãe tinha sido criada por uns padrinhos em Vila Nova de Gaia. Eles professavam uma religião cristã mas não eram católicos. Por causa dessas influências, quando eu nasci os meus pais tinham decidido deixar para mim a decisão de ser ou não baptizado. Não cheguei a decidir, como se viu”. O presidente da câmara é um homem de fé mas não vai à igreja. “Quando era mais novo ainda ia mas depois os jogos da bola começaram a coincidir com a missa e eu comecei a faltar.”. Mas acrescenta: “Agora, quando calha ir a casamentos, funerais ou baptizados, não fico à porta da igreja a conversar como fazem alguns. Entro e assisto. E enquanto estou lá dentro sinto-me bem”.Em 1987, Jaime Ramos descobriu o prazer de viajar. “Já tinha ido com alguns amigos a Andorra, a Marrocos...foi então que fiz a minha primeira grande viagem. Trinta e um dias, de carro, pela Europa. De então para cá saio todos os anos. Egipto, Tunísia, Cabo Verde, S. Tomé. Cuba, que me marcou imenso. A excepção foi 2001, o ano das eleições”. Foi o ano de uma outra viagem. Uma caminhada até à cadeira do poder depois de oito anos como vereador da oposição.O gosto pelas viagens foi ganho no ano em que se inscreveu no PSD. Era simpatizante do partido porque não se revia nos radicalismos de esquerda do pós-25 de Abril. “Houve uma altura em que o CDS fez um comício no cine-teatro S. João. O edifício foi cercado por indivíduos da extrema esquerda. Pessoas que agora ocupam determinadas posições e cargos. Traziam cães e correntes. Lembro-me que um dos oradores do comício era o Presidente da Assembleia Geral do Benfica, dr. Martins Canaverde. Eu ia a passar com a minha mulher e fiquei chocado. Veio a tropa e tudo. Aquilo não era o que eu queria. Não era o sistema que eu pensava para o meu país. Não era o sistema em que eu queria viver”. Jaime Ramos leva um ano de mandato como Presidente da Câmara. Do que mais sente falta é de disponibilidade para os amigos. A tertúlia que tem em casa não tem a animação de outros tempos. Mantém o hábito de ver a mãe todos os dias e continua a fazer do reservado do restaurante Frango Real uma espécie de quartel general gastronómico. Ali prolonga o trabalho autárquico com os vereadores do seu partido, Luís Boavida e João Fanha. Um hábito que vem do mandato anterior quando eram oposição. Uma outra coisa que também mudou foi a exposição mediática que passou a ter e que aceita bem. “Se me elegeram também tenho que prestar contas. Nos jornais, nas rádios e na rua, em contacto com os eleitores”. Quanto ao resto diz que, por enquanto nada mudou. “Nem sequer o número do telemóvel. Tenho outras funções mas continuo a ser quem era”.Alberto Bastos

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