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Um debate que soube a pouco

Colóquio sobre comunidades urbanas promovido pelo Médio Tejo

A Associação de Municípios do Médio Tejo promoveu no sábado passado um colóquio sobre a problemática das comunidades urbanas. Mas os objectivos propostos – fazer com que os futuros intervenientes no processo entendessem o conceito para depois votarem em consciência – não parecem ter sido alcançados. Mais preocupados do que saber o que é uma comunidade urbana, os presentes queriam era ficar a saber quem iria mandar no projecto. E, como disse no final o deputado Jorge Lacão, acabou-se o debate com a sensação que se precisa de fazer outro.

Os municípios do Médio Tejo têm uma posição privilegiada em relação à rede ferroviária de alta velocidade uma vez que o Governo tem vindo a dar sinais que apontam para a solução que atravessa esta região e por isso devem começar desde já a trabalhar estrategicamente essa hipótese. A sugestão foi dada por um dos oradores do colóquio “Da comunidade urbana à cidade média de características europeias”, realizado sábado em Tomar, e serviu para ilustrar a importância da constituição das futuras estruturas supramunicipais.O Professor José Manuel Viegas, que falava sobre “Mobilidade e Transportes: Desafios e Estratégias de resposta para o Médio Tejo” usou aquele exemplo para dar a entender aos presentes que as questões políticas relacionadas com a liderança da futura Comunidade Urbana do Médio Tejo, deveriam passar para segundo plano, face aos desafios envolvidos no processo.Mais à frente, o orador deixaria mais um aviso aos autarcas presentes. Os municípios têm de ser capazes de maximizar os benefícios da sua centralização, caso contrário corre-se o risco de quando o Governo decidir em definitivo o traçado do TGV, a região não estar preparada para receber aquela estrutura.“Os municípios com maior probabilidade de implantação dessa estação devem de imediato estudar as possibilidades da sua implantação e reservar os terrenos adequados. Se não o fizerem depois pode não haver possibilidade de construir essa solução. Tem de ser uma solução que articule a rede ferroviária actual com a rede futura e de seguida têm de preparar os seus instrumentos de planeamento como forma a maximizar o valor acrescentado público, e não apenas privado, induzido por essa implantação”, referiu José Manuel Viegas.Segundo o professor irão haver oportunidades de substanciais mais-valias imobiliárias nos terrenos em redor. “Se o investimento do TGV vai ser público é legítimo que a captação dessa mais-valia seja feita pelo sector público”. Mas isso implica que os municípios que têm os instrumentos de planeamento possam agir atempadamente. “Admitindo que a estação se constrói aqui vai ficar a sensivelmente 25 minutos do centro de Lisboa, meia hora do centro do Porto e a duas horas e meia de Madrid. Há muita empresa que vai querer vir para aqui”, referiu José Manuel Viegas, adiantando que é preciso que os municípios, em conjunto, vejam já quais são os sectores de actividade que terão grande vantagem em vir para a região, quais as condições que exigem e avaliar a viabilidade a realização de investimentos públicos que permitam maximizar a capacidade de captação desses investimentos, que terão um efeito de cascata sobre o restante tecido económico da região e os equipamentos colectivos”.QUEM VAI MANDAR?Quem vai liderar o processo da futura comunidade urbana do Médio Tejo? O célebre triângulo Torres Novas/Tomar/Abrantes vai finalmente funcionar? E os outros concelhos, como ficam?. Estas foram as perguntas mais ouvidas na sala do Hotel dos Templários.E apesar dos sete oradores convidados pela Associação de Municípios do Médio Tejo, entidade organizadora do colóquio, afirmarem que o menos importante agora é saber quem ou quantos municípios encabeçarão o pelotão, até porque as regras só deverão ser conhecidas em Março, segundo as previsões do secretário de Estado da Administração Local, a verdade é que os autarcas e técnicos presentes insistiam nessa questão.A grande alteração do actual cenário (passando de uma associação de municípios para uma comunidade urbana) é não apenas usufruir, mas gerir em conjunto uma rede multipolar de equipamentos e serviços, disseram os oradores. E apesarem de reconhecerem que há interesses divergentes “têm de se encontrar mecanismos de solidariedade” para que a comunidade possa vir a ser uma realidade.Os oradores esforçaram-se para explicar os que estava em causa mas o debate, esse, ficou muito aquém das expectativas. Apesar das mais de seis horas de intervenções de sete oradores de reputado nome, a verdade é que a maioria das pessoas saiu do colóquio com a sensação de que aprendeu muito pouco. Talvez porque, como dizia no final o presidente da Câmara de Constância, faltou introduzir na discussão aquilo que já se conhece da lei.Margarida CabeleiraUma questão de liderançaA liderança do processo de constituição da Comunidade urbana do Médio Tejo está a gerar alguma polémica desde que o presidente da câmara de Torres Novas defendeu que deveria ser o seu concelho, juntamente com os de Abrantes e Tomar, a tomar as rédeas.António Rodrigues diz que não irá permitir que o peso de voto da sua câmara seja igual ao da Barquinha ou de outros municípios mais pequenos. Comentando uma moção, aprovada por unanimidade, na Assembleia Municipal do Entroncamento, que referia que a criação da futura comunidade teria de assentar no respeito e igualdade de todas as autarquias, sem disputas de protagonismo, o autarca é peremptório – “o Entroncamento que se ponha no seu lugar”.A ideia de que terá necessariamente de haver líderes e seguidores também é partilhada pelo presidente da autarquia de Abrantes. Nelson Carvalho diz ser uma questão “natural” que municípios como Torres Novas, Tomar e Abrantes venham a liderar a criação da comunidade, voltando a falar do triângulo, apesar deste nunca ter passado do papel ao longo de várias décadas.António Paiva, presidente da Associação de Municípios do Médio Tejo e à frente dos destinos da Câmara de Tomar, tentou pôr alguma água na fervura. Apesar de não aceitar a crítica de António Rodrigues de que a associação está a conduzir mal todo o processo, António Paiva diz que as coisas não passam por um ou outro presidente de câmara mas por toda a população existente na região que quer formar a comunidade.“O ideal nos bons processos é que não haja líderes e protagonistas mas objectivos definidos e consensos entre os intervenientes”, afirmou o autarca de Tomar. “Se não tivermos a vontade da sociedade civil, a vontade da câmara A, B ou C adianta zero”.Apesar de tentar ser politicamente correcto, António Paiva acabou também por deitar, também ele, mais uma acha para a fogueira – “porque é que se está sempre a falar do triângulo, das três maiores cidades? Por exemplo, o Entroncamento é maior que a cidade de Abrantes...”, refere, adiantando – “não é o presidente da câmara A ou B, por mais que ache que é muito importante, que vai liderar o processo. O nosso lugar é passageiro, a população é que irá ter a palavra final”.Pacífica é, por exemplo, a posição de António Mendes. O autarca de Constância diz que, indiscutivelmente, as três cidades do célebre triângulo deverão ser os motores desta comunidade urbana porque é à volta delas que se pode criar um novo conceito de cidade estendo esse conceito a outras cidades e vilas de menores dimensões. "Não podemos ser indiferentes ao peso que esses municípios já têm no seu território, mas era importante encontrar consensos para rentabilizar a comunidade. O que não invalida que se possa depois descentralizar algumas coisas para as cidades mais pequenas”.Concelho de Ourém dividido“Temos que ver qual é a comunidade que nos interessa, antes de decidirmos”, referiu a O MIRANTE o presidente da Câmara de Ourém. David Catarino diz que o referendo é uma possibilidade a que os órgãos autárquicos podem recorrer, mas não tem necessariamente de ser feito. “O que estamos a discutir é uma reforma de fundo, que tem de ser bem pensada”.“Até aqui temos estado em duas associações de municípios. Era como se agora nos dissessem – escolham lá porque só podem ficar numa”, diz David Catarino.Pessoalmente, o autarca de Ourém tem poucas dúvidas. Por ele ficariam inseridos na área metropolitana do Oeste, mas é a população que escolhe. “Temos uma barreira muito grande de separação natural, que é a Serra D’Aire”, diz, adiantando que, em termos de identidade, estão muito mais próximos a Leiria que ao Médio Tejo.E porque nunca fez parte “do triângulo que tanto falam”, o município de Ourém tem já em prática um conjunto de iniciativas supra-municipais ao nível da alta estremadura. David Catarino diz que, apesar deste ser o seu ponto de vista, a reflexão é importante e foi por isso que marcou presença no colóquio de Tomar. “Uma reflexão aberta, sem trunfos escondidos nas mangas”, referiu o autarca, numa crítica velada à questão da guerra pela liderança da comunidade urbana do Médio Tejo. “Se nós estamos na cabeleira enquanto outras estão na raiz da comunidade urbana e esta decidir ir ao cabeleireiro, arriscamo-nos a ficar pelo chão”.“Francamente, julgo que Ourém sairia a ganhar se viesse a pertencer à área metropolitana de Leiria mas não sou eu que decido”, diz, adiantando que há que pôr a massa crítica do concelho a pensar para decidirem o que mais interessa a Ourém. Com ou sem referendo.Visão contrária tem o presidente da junta de freguesia de Alburitel. Manuel Guerra diz que Ourém tem de assentar a sua decisão na vertente distrital “porque é muito difícil e complicado integrar um projecto, como o da região de Leiria, com articulações tão díspares entre esses concelhos e Ourém”. “Não temos nada a ver com os problemas das Caldas da Rainha nem com os de Bombarral ou Torres Vedras. Não temos nada a ver com as praias e as indústrias sediadas no concelho não estão vocacionadas para o litoral”, afirma Manuel Guerra, adiantando que Ourém deve optar por integrar a comunidade do Médio Tejo, “nunca na cauda, mas de igual para igual”. “Isto aqui parece uma guerra de capelas e todos os capelões querem ter o bolo na mão para partir”.

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