É mesmo o que acabou de ler , “O Mar” chegou a Pernes e invadiu o espaço cultural da Associação Música Nova. Catástrofe? Não, não pense assim. Não se trata de nenhuma catástrofe, mas sim de uma grande força de vontade e saber de um homem que , há anos, dedica grande parte do seu tempo à cultura e ao teatro e que, dando mais uma vez largas à sua paixão, fez renascer o teatro na vila de Pernes, trazendo para o palco “O Mar” Poema Dramático em 3 Actos de Miguel Torga.Milagre? Respondo-lhe que sim, pois colocar em palco, em relativamente pouco tempo, uma peça de teatro só com artistas amadores que nunca tinham feito teatro é, realmente, um verdadeiro milagre. Mas como os milagres não acontecem por acaso, juntaram.-se à arte de Vicente Batalha que foi o encenador, a vontade e o talento de actores mais velhos e mais jovens que descobriram que, afinal, nunca é tarde para pisar um palco pela primeira vez e outros que ainda estão a tempo de , revelado o seu talento, traçarem novos rumos nas suas vidas. O que importa , como diz Miguel Torga, é “ a pessoa estar sempre como as gaivotas, pronta a levantar voo” ( : )Surpreendeu-me o profissionalismo de um espectáculo que começou exactamente à hora marcada, a casa cheia, naquela sala modificada pela arte e engenho dos carpinteiros de cena, o cenário sóbrio e de bom gosto e sobretudo surpreenderam-me os actores. Em muitos deles a naturalidade com que representam faz inveja a muitos dos amadores com vários anos de palco, noutros vislumbrei a capacidade de interiorização de um texto que não é fácil, conseguindo transmitir aos espectadores a vivência e os temores dos homens do mar, aqueles em cujos olhos se espelha a grandeza e os mistérios do oceano, desejado e temido, que dá vida e alegria mas que também é morte e sepultura eterna. Foi isso que vislumbrei no olhar perdido e longínquo do Domingos quando relembra a sereia que viu no mar. Promete este “Domingos” ( Bruno Oliveira) que tão bem me pareceu interiorizar a personagem de Torga...Que saiba aproveitar este apelo do teatro como soube interpretar o apelo do mar...E que dizer da tia Mariana ( Maria José Mendonça) , uma das personagens principais, quase sempre em cena, que alia a naturalidade e o à vontade de alguém que parece que sempre pisou os palcos ( : ) As alcoviteiras, a Capitolina e a Cacilda (Mª Manuela Teopisto e Mª Teresa Teopisto Frazão) são de tal forma naturais na sua actuação que arrancam ao público as gargalhadas que atenuam os momentos mais dramáticos da peça e , sabemos, que não é fácil fazer rir...O jovem André Paradiz o azougado rapaz que, apesar da tenra idade traz nos olhos o brilho e os reflexos do mar que há-de ser o seu futuro, um dos mais novos membros da família Paradiz, faz juz ( : )dando nota de um talento que convém não deixar esmorecer.E que dizer da sensível Rita ( Sara Martins) a paixão do jovem Domingos, do Manuel Valadão ( Heitor Mendonça), de olhar e coração perdidos na imensidão do mar, dos pescadores e do Coro das mulheres da praia(:) : )Se o Mar vos serviu de inspiração, bendito Mar, se a poesia de Torga foi o alimento para as vossas almas de “poetas”, bendito Torga, se a luz que vos iluminou foi a do excelente trabalho do luminotécnico José Gaspar, magnífico trabalho, se o vosso encenador e director foi a estrela que vos guiou neste percurso pelos caminhos do Teatro não o deixeis desistir, continuai a trabalhar com Vicente Batalha em novos projectos que, dignificando o Teatro dignificam a cultura e contribuem para a valorização cultural da Vila de Pernes e da Associação que vos acolhe.Se Torga, referindo-se aos pescadores, diz “E o mar que os cria e é o mar que os leva”, atrevo-me a dizer, correndo o risco de parafrasear um dos melhores escritores da língua portuguesa: Se o “ Mar” criou estes actores e este projecto que não os leve o “Mar”. Se duvida, vá ver para crer e que viva o teatro!Maria da Graça MorgadinhoPresidente da Direcção do CCRS