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A Decadência da Moral

Aurélio Lopes

Só pagamos sisa se não podemos fugir. Só não falsificamos a contabilidade empresarial em caso de estrita impossibilidade. Só circulamos em velocidade legal se a polícia ocasionalmente circula junto de nós. Só não pedimos a um amigo ou familiar um lugarzinho na administração pública se, de todo, não for possivel. Só não estacionamos em lugar proibido mas apetecível se vislumbrarmos pelo canto do olho o polícia de serviço.

Nos últimos tempos um frenesim de suspeitas parece ter-se abatido sobre o país. É a Moderna, é a Lusíada! A Brigada de Trânsito e a Casa Pia. Os dirigentes do futebol, os políticos e os autarcas. É um “fartar vilanagem”!Mais próximo de nós, decisões municipais são alteradas a corrector. Em zonas interditas à construção surgem, como por milagre, urbanizações que veiculam interesses inconfessáveis. Inquéritos são abertos para nunca mais se ouvir falar deles!Os contos do vigário desenvolvidos por pessoas bem falantes e bem parecidas, (“dignas de confiança”, em suma), penetram no interior e vêm abalando ainda mais um edifício da credibilidade já de si periclitante. As promessas políticas são sucessivamente atiradas para o limbo do esquecimento, não obstante, serem muitas vezes objecto de justificações perfeitamente lógicas e plausíveis, mas que deixam no ar uma irritante sensação de desrespeito.Mesmo pessoas que encaravam o paradigma da honradez e confiança surgem agora como suspeitos em processos que nunca nos passaria pela cabeça imaginar.O cidadão comum olha em volta e sente-se inquieto, não sabendo bem em quem acreditar. Em quem apoiar, agora, os seus referenciais éticos e morais.A sensação arrepiante de não se poder confiar em ninguém perpassa por muitos de nós. Será que somos todos indignos de confiança? Corruptos? Criminosos em potência?Sabe-se como todos nós apenas cumprimos a lei ou pagamos impostos porque somos obrigados e, precisamente, na razão directa de tal, não acreditamos nos nossos governantes nem na boa aplicação dos nossos dinheiros!Só pagamos sisa se não podemos fugir. Só não falsificamos a contabilidade empresarial em caso de estrita impossibilidade. Só circulamos em velocidade legal se a polícia ocasionalmente circula junto de nós. Só não pedimos a um amigo ou familiar um lugarzinho na administração pública se, de todo, não for possivel. Só não estacionamos em lugar proibido mas apetecível se vislumbrarmos pelo canto do olho o polícia de serviço.Não possuímos usuais e vivenciais hábitos de cidadania, é o que é!Somos um povo que ainda recentemente (fruto de uma vivência rural e ancestral), sentia ter apenas obrigações face à comunidade a que pertencia. O estado, a polícia, os tribunais, os próprios municípios eram entidades distantes, às quais nos ligavam obrigações administrativas e legais, mas das quais pouco esperávamos e pouco pretendíamos dar.Desconfiávamos da autoridade cuja acção colidia com o direito consuetudinário. Da burocracia administrativa cujas sinuosidades nos pareciam abjectas.O desaparecimento gradual das tradicionais teias de parentesco e esbatimento das relações de vizinhança, tornou as famílias mais sós num mundo em mudança cada vez mais rápida. Mudança em que os valores morais ancestrais se vão extinguindo sem que sucedâneos estáveis e estimáveis os substituam.Verifica-se assim uma espécie de vazio moral em que o descrédito de um sistema judicial, lento e tortuoso, ajudou a catalisar sensações de impunidade generalizada. O próprio legislador cria muitas vezes leis para Comissão Europeia ver, de improvável observância interna, tendo em conta estruturais hábitos de comportamento e conjunturais condições de aplicabilidade. A verdade é que possuímos leis demais e cumprimo-las de menos!Atitudes ilegítimas e ilegais tornam-se deste modo senso comum, sendo encaradas como normais e naturais. A legalidade exprime-se agora num contexto estritamente técnico e jurídico, não possuindo com a moral e ética correntes as necessárias conexões de identificação.Poder-se-á dizer, até, que existe como que uma fractura na nossa sociedade entre o que é proibido e o que é errado!Que todos nós, uns mais, outros menos, estamos habituados a viver em infracção; em infringir leis, principalmente aquelas que sentimos não possuirem um suficiente suporte moral ou cuja moralidade rejeitamos.Numa sociedade em inegável crise de valores, não é, de facto, tão surpreendente como isso, um potencial anormalmente elevado de ilegalidade.É apenas… deplorável!

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