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O meu amigo Carlos Cruz

José Niza

Ao assistir diariamente nas televisões e nos jornais à delirante invenção de notícias, especulações e insinuações, sinto-me envergonhado por ter ajudado a construir este “simulacro” de democracia mediática em que a ética e a deontologia dos jornalistas é sacrificada ao lucro fácil das vendas de jornais e das audiências dos telejornais

Acredito convictamente na inocência completa do Carlos Cruz, de quem sou amigo há mais de 30 anos. E quando publicamente venho afirmá-lo, agora que o calor das emoções se vai esbatendo, não é por qualquer dever de amizade ou solidariedade, mas por convicção profunda e reflectida.Conhecendo o Carlos Cruz como o conheço desde 1969, quando ele fazia o “Zip Zip” e ficámos amigos, nunca encontrei na sua personalidade, nos seus comportamentos, nos seus hábitos de vida, qualquer vestígio, indício ou sinal daquilo de que o acusam. E faço-o, não só como amigo, mas também à luz de uma experiência psiquiátrica que não posso deixar de ter em conta.Acontece que, simultaneamente, também confio na justiça. Isto é, tenho de confiar, mesmo que saiba que os tribunais estão cheios de erros e injustiças judiciárias.Ainda recentemente nos Estados Unidos da América, e por essa razão, foram amnistiados muitos condenados à pena de morte.Desconheço - como o próprio Carlos Cruz e o seu advogado – quais as acusações concretas que lhe são imputadas. Como cidadão, recuso-me a aceitar que uma qualquer pessoa possa ser metida na prisão sem que lhe seja comunicada a razão da detenção e os motivos da mesma. Como pode um cidadão defender-se se não conhece os motivos e os factos pelos quais é acusado?O que mais me tem amargurado, mais até do que eu julgaria em mim ser possível, é que, no desfecho desta situação, nunca haverá um final feliz.Carlos Cruz é um homem de forte têmpera, mas tudo aquilo de que ele e a sua família tem sido alvo, designadamente por parte dos abutres de alguma comunicação social, será irrecuperável. Sempre lutei contra a censura, nos tempos difíceis da ditadura. Mas, hoje, ao assistir diariamente nas televisões e nos jornais à delirante invenção de notícias, especulações e insinuações, sinto-me envergonhado por ter ajudado a construir este “simulacro” de democracia mediática em que a ética e a deontologia dos jornalistas é sacrificada ao lucro fácil das vendas de jornais e das audiências dos telejornais. Uma coisa é a liberdade de imprensa e jornalismo de investigação. Outra coisa é libertinagem, mentira, manipulação, ao abrigo dessa mesma liberdade.E, neste infame contexto, onde estão os poderes democráticos instituídos? Onde está a Comissão dos Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República? Onde está a Alta Autoridade para a Comunicação Social? Onde está o Sindicato dos Jornalistas?Quem cala, consente.Preocupa-me também a eventualidade de uma acusação inconsistente, não sustentada em provas irrefutáveis e definitivas. A acontecer isso, e em presença da dimensão e comoção nacional que este caso assumiu, isso seria o fim da credibilidade do nosso sistema judicial, um autêntico “crash” da justiça portuguesa de consequências imprevisíveis.Da mesma forma que convictamente acredito na inocência de Carlos Cruz, também, como cidadão, exijo que a justiça funcione e esclareça o acusado, o seu advogado, e o país, sobre a consistência das provas que legitimarão esta prisão preventiva. Porque, se toda essa acusação se resumir a “indícios”, mesmo que “fortes”, estaremos confrontados com um processo que me dispenso de classificar.Perofilho – 27 Fevereiro 2003

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