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Depois de ver o mar, consigo ver melhor

António José Ganhão, presidente da câmara de Benavente

Nasceu no campo, chegou a tentar a agricultura como meio de vida, mas adora o mar. Nas férias, que costuma passar no Algarve, embarca muitas vezes sozinho para fugir ao bulício da multidão e afirma que depois de ver o mar consegue ver melhor. Aos 58 anos, António José Ganhão, presidente da câmara de Benavente, um dos autarcas há mais tempo no poder, confessa que gostaria de continuar ligado ao poder local após o fim do actual mandato, que diz ser o último. Nos tempos livres lê jornais, brinca com o caniche Dani e faz jogging. Sportinguista, comunista crítico, há uma coisa que para ele é sagrada: o almoço dos domingos com a família.

Não fosse uma ruptura de ligamentos num joelho, ainda hoje se poderia ouvir falar num tal de “Ganhão”, jogador de futebol com nome vitorioso que arrasava os estádios na década de setenta. Mas o destino estava traçado de outra maneira. Um ano depois de fazer os primeiros testes na Académica de Coimbra, o jovem António José Ganhão fez uma ruptura de ligamentos num joelho que o afastou dos campos da bola. Tinha 19 anos.O presidente da Câmara Municipal de Benavente só anos mais tarde recomeçou a correr. Para aliviar o stress e manter a forma. No Inverno só aos fins de semana se lança na aventura de sair de casa para uma corrida, mas no Verão, o treino acontece três vezes por semana, um espaço de tempo em que está sozinho e que lhe permite tomar algumas decisões. “Seguramente que tenho tomado muitas decisões a correr. O que nos assalta a cabeça são sempre as preocupações maiores e logicamente muitas questões têm sido resolvidas reflectindo sobre elas”.Estão na Quinta da Foz as primeiras memórias de infância do autarca de Benavente. Foi ali que os pais e os irmãos trabalharam durante muitos anos, num trabalho a que António José Ganhão foi poupado por se revelar um bom aluno na escola. A infância está marcada por recordações dessa família numerosa. “Eu sou o mais novo de uma família de oito irmãos e nasci já um pouco fora das previsões. Os meus pais pensavam que a fábrica estava fechada, mas eu ainda apareci, já o meu pai tinha 54 anos e a minha mãe 43”.Aconteceu-lhe ser bom aluno na escola e por isso teve um destino diferente dos irmãos. Um tio materno soube que tinha um sobrinho que merecia continuar a estudar e decidiu pagar-lhe os estudos. “Passei a frequentar o colégio aqui em Benavente, depois fui para Lisboa para o Liceu Camões, voltei a Benavente para concluir o 7º ano e fui de novo para Lisboa para a Universidade”.O primeiro ano em Lisboa, num lar de padres suíços foi diferente de todos os que viveria a seguir naquela cidade. “Não me adaptei muito facilmente àquelas regras um bocado complicadas para alguém que tinha saído da liberdade do campo e se via como um pássaro fechado numa gaiola”.No ano de 1964 entra para o curso de Química na Faculdade de Ciências de Lisboa onde permanece até entrar para tropa dois anos depois. Com 18 anos, pela primeira e única vez na vida, esteve preso durante três dias, apanhado depois de uma manifestação. Já no tempo do liceu Camões, tinha a mania das manifestações. “Não seria tanto por consciência, mas porque gostava muito. Fazia-me subir a adrenalina”.Apesar de ter tido uma passagem fugaz pela prisão, dois dias depois devolveram-lhe a liberdade, não deixou de ser marcante. “Não fui objecto de quaisquer maus tratos que não fossem psicológicos, mas foi um momento importante que me fez perder alguns medos. Fiquei mais determinado e mais consciente do papel dos jovens, dos homens e das mulheres na luta por um regime democrático.”Durante vinte e três meses desempenhou a difícil tarefa de comandante de um pelotão na Guiné-Bissau, como Alferes sapador especialista em minas e armadilhas. Outro momento extremamente importante na vida do actual presidente que ali tinha mais liberdade para falar política do que aquela que existia na metrópole.É no período em que cumpre a missão em África que se casa e perde o primeiro filho, falecido à nascença, depois de um casamento apressado por uma gravidez inesperada.Quando regressa de África ainda tenta a vida de agricultor, mas depressa percebe que não é ali que está o seu futuro. Faz apenas uma campanha de tomate com o sogro, e logo que tem hipótese, entra como professor na escola preparatória de Benavente, onde permanece dez anos. “Dei quase todas as disciplinas de ciências”. A física e a matemática eram as principais, mas para ter um horário completo, deu também aulas de biologia, ciências da natureza, geografia, mercadorias e até educação visual.Apesar de já durante a universidade ter tido alguns contactos com pessoas do Partido Comunista só em 1974, depois do 25 de Abril, adere como militante.A madrugada da revolução apanhou-o a dormir, mas ainda nesse dia não resistiu a ir a Lisboa para acompanhar a evolução dos acontecimentos. “Desde esse dia não parei mais de fazer trabalho político, ainda que continuasse a trabalhar na minha profissão”.Logo em 1976 candidata-se às eleições autárquicas que perde por escassos 35 votos. Quatro anos mais tarde é eleito presidente da câmara municipal com maioria absoluta. Hoje o presidente é também um crítico dos caminhos traçados pelo PCP. “Creio que o partido agora precisa de melhorar a sua estrutura orgânica para se aproximar mais dos cidadãos.” É uma visão que se aproxima daquilo que defendem os renovadores do PCP, embora não comungue da forma como foi organizada essa contestação.Vermelho por fora, verde por dentro. António José Ganhão é um sportinguista assumido, embora não se considere “ferrenho”. “Sou sportinguista desde que me conheço, talvez porque os anos da minha meninice são dominados pelo Sporting, mas vou poucas vezes ao estádio.”Entra ao serviço na câmara normalmente antes dos funcionários e sai quase sempre depois. “Faço todos os dias um pequeno intervalo às seis e vinte e depois costumo regressar à câmara às oito ou oito e meia. Raramente fujo a esta rotina. Os sábados e domingos são preenchidos com aquilo que não se pode fazer durante a semana, mas o almoço de domingo é sagrado para a família. Os dois filhos, com 32 e 30 anos, estão completamente afastados da política. Um trabalha na área dos materiais de construção civil, o outro é licenciado em história.António Ganhão aproveita a Páscoa e o Carnaval para visitas ao filho mais velho que está a viver no Algarve. É nessas alturas que tem um descanso maior da sua vida de autarca. É também no Algarve que passa as férias, amarrado a um pequeno barco onde passa quase todo o tempo.“Tenho um pequeno barco de borracha com um motor de cinco cavalos que me permite passar quase todo o dia no mar.” O primo, que é sócio no barco, costuma fazer-lhe companhia, mas o presidente da câmara de Benavente passa muito tempo sozinho no mar. “Creio que a grande satisfação da pesca está em aprender a falar com o mar. Em retirar daquela solidão uma serenidade que às vezes a gente não tem no dia a dia. Costumo dizer que depois de ver o mar, consigo ver melhor.”No seu gabinete de presidente da câmara não há luxos. Por todo o lado há armários com pastas e projectos aparentemente desordenados. Ao fim de 24 anos era de esperar que estivesse melhor instalado, situação que em princípio vai acontecer este ano quando, por fim, o seu gabinete for mexido no âmbito de um projecto global de investimento no edifício camarário. “Tenho muito pouco tempo para pensar no cenário que me rodeia e dirijo a minha atenção para os problemas, sem a preocupação do que está à minha volta”.Apesar de não ter um computador no seu gabinete, António José Ganhão diz-se um adepto da informática. Normalmente é em casa que consulta alguma informação e navega pelos sites das câmaras municipais. Afinal para o vice-presidente da Associação Nacional de Municípios tem de estar sempre bem informado acerca do que se passa nas outras câmaras do país.Para além dos jornais nacionais e regionais não faz outras leituras com frequência. A literatura poderá ser um dos passatempos dos próximos anos quando abandonar o cargo de presidente da câmara.Aos fins de semana todos lhe gabam os dotes futebolísticos do cão “Dani”, um caniche com um jeitinho especial para conduzir o esférico no relvado do Benavente deliciando os espectadores nos intervalos dos jogos em casa. O animal foi-lhe oferecido por uma senhora que tinha muitos cães em casa que incomodavam os vizinhos e que por isso foi chamada à câmara. No meio da conversa, o presidente não teve coragem de recusar a oferta de um caniche que agora leva a passear frequentemente até ao campo de futebol, perto da sua residência.Ao fim de 24 anos como presidente da câmara de Benavente, António José Ganhão diz que a hora da sua retirada está a chegar e já assumiu que não quer voltar a candidatar-se a presidente da câmara. “Tenho um compromisso com a população que é que terminar este mandato e espero cumpri-lo”. Depois logo se vê, embora reconheça que gostaria de continuar ligado ao poder autárquico. Carlos A. Simões

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