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Um economista de passagem pela política

Um economista de passagem pela política

Joaquim Rosa do Céu, presidente da Câmara de Alpiarça

Joaquim Rosa do Céu nasceu em Alpiarça, foi com doze anos para Lisboa, esteve lá dezasseis anos, mas não resistiu ao apelo da terra que o viu nascer e regressou. Actualmente com 51 anos, é presidente da Câmara de Alpiarça desde 1997, mas o mais provável é que saia no final deste mandato porque há que dar lugar aos mais novos. Casado, pai de dois filhos maiores, sportinguista desiludido com o ambiente que rodeia o futebol, gasta a maior parte do tempo livre a ler. Um dos momentos mais felizes da sua vida foi quando, em Moçambique, soube da revolução de 25 de Abril.

Joaquim Rosa do Céu nasceu em Alpiarça há 51 anos, em tempo de repressão e muitas carências económicas, em que a agricultura era a actividade principal. Teve uma infância normal numa vila rural, onde a vida era mais fácil, mais saudável e mais propícia ao cimentar de amizades que dentro de um grande aglomerado urbano.Era um miúdo pacato, pouco dado a futebóis e que passava horas intermináveis com os amigos a imitar os duelos de espada dos heróis de então, nomeadamente o célebre Zorro. A Vala Real de Alpiarça era outro local de divertimento da miudagem, e sempre que conseguia escapar ao controlo dos pais, lá ia ele com os amigos até ao Pego dos Salgueiros. “Era uma vala diferente, profunda, tinha muitos pescadores e a água era tão limpa que se via a areia no fundo”, recorda Rosa do Céu. Poluição era uma coisa de que não se falava.Outro dos locais de “fuga” da rapaziada e do jovem Joaquim era o chamado Alto do Castelo, onde está hoje a Albufeira dos Patudos. Era uma zona meio selvagem, propícia a gastar todas as energias. Apesar de alguma irreverência, diz que não era um grande traquina e muito menos um rebelde.Entretanto o pai, empreiteiro de construção civil, teve de ir trabalhar para Lisboa por um misto de razões profissionais e políticas. A família acompanhou-o e foi o primeiro drama na vida de Joaquim. “Foi um choque tremendo”, recorda. Tinha então 12 anos e a sua cabeça ficou dividida por dois grandes sentimentos: o da descoberta e o do receio.Chegou a Lisboa num dia à noite e no outro dia de manhã, a primeira coisa que fez foi tentar descobrir onde ficava o estádio do Sporting, o seu clube do coração. Assim que conseguiu fugir ao olhar da mãe, pôs-se a caminho, foi perguntando a quem passava e chegou ao estádio. No regresso a casa tinha à espera uma valente tareia. Nada que ele hoje não perceba. “Era muito longe, tinha saído de manhã, a minha mãe estava convencida que não me afastava da casa e só regressei à noite”.Hoje guarda uma “paixão enorme” pela cidade de Lisboa, que lhe advém desse e de muitos outros passeios pela “grande cidade”, como ainda a define. Mas recorda tempos difíceis. Tinha deixado as referências e os amigos em Alpiarça e nem sempre era fácil meter conversa e fazer novas amizades, porque havia sempre quem olhasse com alguma reserva para quem vinha da província. As idas ao fim de semana a Alpiarça eram momentos marcantes em que se reencontrava com os amigos de infância.Ficou em Lisboa 16 anos, até a filha mais velha (Ana Margarida, hoje com 24 anos) ir para a primária. Tinha 28 anos e decidiu com a esposa que era a altura de regressar às origens. Tinha a sensação que ou era então ou nunca mais o conseguia fazer, porque entretanto os filhos ganhariam raízes e seria muito mais complicado. João Pedro, o outro filho, é dois anos mais novo que a irmã.Joaquim era um aluno médio mas confessa que não gostava muito de estudar. Quando saiu do Liceu de Camões foi para o Instituto Superior de Economia e Finanças, mas as atitudes de rebeldia dos estudantes de então sucediam-se. Lembra-se especialmente de duas, uma em que ele e os colegas foram para um liceu vizinho, só de raparigas, cumprimentar as colegas, e em que foram perseguidos pelos professores. Na altura era também obrigatório ir de gravata para o liceu e um dia, num pátio interior, os alunos fizeram uma grande fogueira e queimaram-nas em grupo.Entretanto foi chamado para a tropa e entrou para a força aérea. Pensava concluir os estudos mas foi mobilizado para a Base Aérea Nº 2, na Beira, em Moçambique, onde esteve de 1973 a 1975. Foi incluído numa unidade de abastecimento e que tinha também como tarefa receber os caixões de militares mortos que depois eram reenviados para Lisboa. Em situações de combate nunca esteve.De África trouxe uma grande paixão pelo cheiro da terra e a cor de Moçambique, mas ainda hoje guarda consigo algumas lembranças, como aquela que aconteceu num dos primeiros dias. “Cruzei-me com um soldado negro que vinha a fumar e pedi-lhe um cigarro. Ele pôs-se em sentido, deu-me o cigarro e pediu-me desculpa. Eu disse-lhe que ele é que me tinha dado o cigarro, eu é que tinha de agradecer e ele não tinha nada de pedir desculpa”, conta Rosa do Céu.Foi em Moçambique que viveu uma das noites mais felizes da sua vida, a de 25 para 26 de Abril, quando soube - um dia depois dos acontecimentos - da revolução que existiu na metrópole. Vivia numa “república” com outros militares, um deles filho de um funcionário da embaixada dos Estados Unidos em Lisboa, que passava muitas informações da situação no continente. Foi esse colega que, a meio da noite, o informou da revolução. “Estava meio a dormir mas foi uma alegria impressionante”, recorda.Em 1976 voltou à universidade, mais concretamente ao ISCTE, mas o clima político não era o mais propício aos estudos. As reuniões gerais de alunos sucediam-se e decidiu mudar. Foi para o Instituto Superior de Ciências Políticas e Ultramarinas, perdeu um ano mas encontrou uma grande turma onde, entre outros, estava Salgueiro Maia, que foi seu colega de carteira. Mas as coisas pareciam destinadas a não correr bem e quando os alunos regressaram das férias de Natal, o Governo decidira fechar o instituto. Ainda pensou abandonar mas foi para o Instituto Superior de Economia e formou-se finalmente.Trabalhou como operador e programador informático no Estado-maior da Força Aérea, até que lhe surgiu a oportunidade de concorrer a chefe dos serviços administrativos da Fundação José Relvas, em Alpiarça. Respondeu, foi aceite e passou a acumular esse cargo com o de professor do ensino secundário. Esteve ligado a várias empresas em Alpiarça e no tempo do bloco central, o governador civil de então - José Frazão - desafiou-o para trabalhar com ele como adjunto. Só que o PS perdeu para Cavaco Silva e, em 1995, com a nova maioria que elegeu António Guterres, foi convidado para chefiar os serviços de apoio ao grupo parlamentar socialista. Ia e vinha todos os dias, quase sempre tarde e a más horas. Um dia, um funcionário das portagens de Santarém, que já o conhecia de passar tarde e que pensava que ele andava na borga até comentou com ele - “que rica vida”...Em 1997 foi eleito presidente da câmara, destronando a CDU que estava no poder há longos anos. No entanto, Rosa do Céu não quer eternizar-se na liderança da autarquia. Concorda com a limitação de todos os mandatos políticos e diz que se um político por si não assumir que deve haver uma limitação de mandatos, isso pode ser impeditivo da ascensão de jovens que têm muito valor.Em sua opinião, dois mandatos de 5 anos era o ideal, mas no final deste seu segundo mandato admite sair. Rosa do Céu não acredita “que haja cargo com tanta exigência como o mandato autárquico”, mas só consegue compreender a política depois da carreira profissional e lamenta que haja “profissionais da política”.O tempo livre de um autarca não abunda e por isso vai pouco ao futebol. De resto diz mesmo que está desiludido com o ambiente que rodeia os jogos. Prefere o ténis, gosta de cinema mas também não vai muito e sempre que pode passa longas horas a ler compulsivamente.
Um economista de passagem pela política

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