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Os homens não se medem aos palmos

Luís Pereira, presidente da Câmara de Ferreira do Zêzere

O nome é pequeno, como pequeno é também o homem que lhe dá corpo e que comanda os destinos do concelho de Ferreira do Zêzere. Mas, como diz o ditado popular, os homens não se medem aos palmos. Luís Ribeiro Pereira, 58 anos, pode ser de estatura pequena mas tem um coração do tamanho do mundo. Enquanto autarca é muito cioso dos dinheiros públicos, ao contrário do cidadão, que não sabe dizer não a quem o procura a pedir ajuda. Gosta de comer bem, é talvez o único português que não gosta de vinho. Como turista é adepto do lema, vá para fora cá dentro.

Beirão de nascimento, Luís Ribeiro Pereira não renega as suas origens mas se alguma vez se sentiu verdadeiramente beirão, esse sentimento começou a esbater-se quando há 33 anos o destino o trouxe até Ferreira do Zêzere. Da Beira Baixa sente hoje apenas saudades dos enchidos e pouco mais. Belos enchidos, aqueles que se faziam logo a seguir à matança do porco. A maneira como fala dos ditos faz crescer água na boca de quem o ouve. “Não é que os desta zona sejam maus, mas os da Beira têm outro tempero”.Foi depois de ter feito a tropa em Tancos que o actual presidente da Câmara de Ferreira do Zêzere se instalou na vila do norte do Distrito de Santarém. A mudança de vida foi súbita e sem olhar muito para trás. “A terra onde nasci fica mesmo à beira da estrada para Castelo Branco e no café da aldeia costumavam cruzar-se pessoas dos locais mais distantes”. Era nesse café que Luís Pereira encontrava frequentemente Francisco Rosa, um dos sócios da Cerâmica Bela Vista, de Ferreira do Zêzere. E foi aí também que um dia, depois de ter terminado a tropa, lhe perguntou em tom de brincadeira - “oh, Xico, precisa lá de um empregado de escritório?”.Foi assim que, quase sem dar conta, rumou até Ferreira do Zêzere, terra que conhecia apenas de passagem, quando o autocarro que o levava para Lisboa, onde andava a tirar o curso de electricista, fazia ali uma paragem para se desentorpecer as pernas.Havia todavia uma boa razão para que Luís Pereira não pensasse muito na mudança de ares. É que Maria Luísa, a sua namorada da altura, estava a iniciar a carreira de professora numa freguesia de Vila de Rei. Como era já “um namoro com uma série de anos”, juntou-se a fome com a vontade de comer e decidiram casar nesse mesmo ano.“Oito dias depois de me instalar já me sentia aqui tão bem como na minha terra”, afiança o presidente da câmara, que considera as gentes de Ferreira do Zêzere como das mais hospitaleiras que conhece.Luís Pereira mentiria se dissesse que nunca tinha pensado em ir-se embora. "Houve uma altura em que equacionámos seriamente a ida para Castelo Branco. Eu trabalhava na altura na agência do Banco Português do Atlântico (BPA) e vimos ali o trampolim para Castelo Branco, uma cidade próxima da nossa terra, Montes da Senhora, no concelho de Proença-A-Nova”.Não que o casal tivesse grandes saudades da terra onde nasceu mas porque ambos eram filhos únicos. “Sabe como é, pensa-se muito nos pais que vão ficando mais velhos a cada dia que passa”. A ideia acabou por esfriar e nunca mais voltaram a pensar no assunto.Talvez por serem filhos únicos o casal decidiu que um descendente não era suficiente. “Era um castigo para a minha mulher ficar só com um filho”. Houve uma altura, após o nascimento de Flávia, que tudo fizeram para ter outro filho mas as coisas não correram de feição. Quando já parecia não fazer diferença eis que Maria Luísa fica grávida de Nuno, 12 anos mais novo que a irmã. “Sempre gostei muito da minha filha mas tenho de dizer que o nascimento do meu filho foi das melhores coisas que me aconteceu porque eu via que ele fazia muita falta à minha mulher”, diz comovido.A política entrou na vida de Luís Pereira quando passou a exercer funções em diversas colectividades. Começou nos bombeiros e nunca mais parou, porque gostava de se sentir útil à sociedade. Quase sem dar por isso foi um dia convidado a integrar a lista do PSD à assembleia municipal, acabando por fazer dois mandatos. “Ainda hoje recordo com satisfação essa fase, que me ajudou a abrir os olhos para a política”.Da assembleia para a câmara foi um saltinho, primeiro como vereador, depois na presidência. “Mas se há 18 anos atrás me dissessem que um dia iria ser presidente se calhar não acreditava nisso”, confessa.A presidência da câmara é um cargo que traz uma forte exposição pública. Demasiada até, para um homem que prefere trabalhar sem dar nas vistas. O autarca diz que gosta de passar despercebido e não compreende como é que outros colegas fazem grandes inaugurações “a um pedaço de rua ou ao arranjo de um fontanário”. “Não é necessário protagonismo para se ser um bom autarca”.Financeiramente, gere a autarquia com mão de ferro, porque o dinheiro é sempre pouco. Ao contrário do cidadão Luís Pereira, um mãos largas. “Por vezes até tenho medo que as pessoas se dirijam a mim, enquanto cidadão, a pedir dinheiro emprestado, porque não sou capaz de dizer que não. E às vezes arrependo-me”.Vícios não tem, desde que há pouco mais de um ano deixou o tabaco. Agora não lhe faz a mínima diferença mas na altura custou-lhe muito. “Andei mais de seis meses com o mesmo maço de tabaco, com cinco ou seis cigarros, dentro do bolso”. Cada vez que trocava de casaco mudava também o maço. “Nunca cheguei a pegar neles mas era um conforto saber que, se num dia de mais stress viesse a precisar, eles estavam à mão de semear”.Hoje em dia fuma apenas uma cigarrilha na noite da passagem do ano, por puro divertimento –“no dia seguinte já nem penso nisso”. O reiveillon é a sua festa por excelência. É a noite em que se esquece que é mau dançarino – “a minha mulher também não ajuda nada”, diz a brincar - e passa horas a dançar. E a aturar as “alegrias” provocadas pelo néctar dos Deuses. Ele, que nunca foi de beber. “Quase posso dizer que não gosto de vinho. Bebo um copo uma vez de tempos a tempos e só se o vinho for mesmo excepcional”.Nunca foi de correr o mundo. Férias mesmo só em Portugal, que conhece de lés a lés. Fez campismo e caravanismo durante anos a fio – “ainda hoje tenho uma caravana estacionada lá em casa” – mas deixou-se disso há uns tempos, quando a nova vaga de campistas “deixou de ter respeito pelos outros”.E sempre que o trabalho o permita Luís Pereira não esquece as origens e trata ele próprio dos terrenos herdados. “Não estranhe se algum dia me vir em cima de um tractor”, diz quem prefere a vida do campo ao sofá da sala.Margarida Cabeleira

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