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A artesã de bonequinhas

Palmira Governo é a “mãe” das embaixadoras de Constância

Palmira Governo é a artesã das tradicionais bonecas de Constância, que representam as várias classes sociais do tempo em que a vila era povoada por marítimos. As pernas de cana e os braços de cartolina dão vida a camponesas e damas antigas, vestidas com tecidos coloridos. As bonequinhas, verdadeiras embaixadoras da vila, já fizeram as delícias de meninos de outros tempos e são agora relíquias do artesanato.

Camponesas, saloias, amas, noivas e damas antigas com elegantes chapéus de penas são algumas das tradicionais bonecas de Constância, criadas pela artesã Palmira Governo, 52 anos.As bonecas, verdadeiras embaixadoras da vila poema, representam as várias classes sociais do tempo em que Constância era povoada pelos marítimos.Enquanto os homens partiam para a faina, as mulheres ficavam em terra ocupadas com a confecção das bonecas criadas a partir de restos de tecido de camisas ou lençóis. Para colorir os tecidos utilizavam anilina, um produto que servia para tingir trapos de várias cores. As mulheres dos marítimos vendiam as bonecas, que serviam também para as brincadeiras das crianças da terra. Não há memória da altura em que se terão inventado as bonequinhas. “Sabe-se apenas que são muito antigas”, atesta Palmira Governo.A dama antiga, requintada, é uma senhora de mais idade com véu pela cara com o seu traje e bolsa a condizer, descreve a artesã.Palmira Governo precisa de inspiração para criar cada um dos exemplares. Cada boneca é uma peça única. “Uma boneca nunca é igual à outra”.As pernas da boneca são feitas de cana e enroladas em nastro, uma fita estreita de algodão, que substitui as meias. As canas são colhidas nos canaviais perto dos rios.Na cabeça, forrada em tecido, é aplicado o cabelo da boneca, que não é mais que lã preta de ovelha. “Quando não temos lã preta tingimos a lã de castanho. Os cabelos brancos não têm muita procura”, explica. A cabeça é montada sobre as canas que sustêm o corpo da boneca.O enchimento com algodão dá volume ao “corpinho” da boneca. Os braços são desenhados em cartolina branca. Os olhos, o nariz e a boca são bordados e as faces rosadas com lápis vermelho. Antigamente eram tingidas com flores.Além de conceber a estrutura da boneca, Palmira Governo encarrega-se de todo o trabalho de corte e costura das vestes das bonecas, desde os colotes, saia de baixo e de cima até à mangas dos vestidos. As costureiras da terra fornecem-lhe os tecidos, que também vai comprar a lojas e armazéns.Os adornos dependem do tipo de boneca. As camponesas levam um lenço à cabeça e as damas usam chapéu. Há também a boneca que carrega à cabeça um cesto de vime, um cântaro com água, um molho de lenha ou a trouxa da roupa para lavar no rio.Os exemplares mais procurados são as bonecas saloias de lenços e as damas com chapéus enfeitados com penas.A artesã só tem a ajuda do marido para fazer as bases redondas de madeira que permitem que a boneca fique de pé ao mesmo tempo que promovem único concelho onde são feitas. Antigamente as bonecas eram estendidas num cordel nas feiras para serem vendidas. Para conjugar os fatos e cores refugia-se no sossego da garagem na sua casa onde costuma trabalhar. “Tento variar. Quando corto os fatos faço um de cada vez para não cansar”, elucida. Uma boneca nunca é feita do princípio ao fim. Um dia é dedicado às cabeças das bonecas. Outro dia é passado a engomar os vestidos ou a fazer o enchimento do corpo. O que gosta menos é de colocar o cabelo nas bonecas. “Mas nunca deixei nenhuma boneca careca”, diz com humor. O trabalho final da artesã é compensador. “Gosto de olhar para a boneca já quase concluída e ver qual é o lenço ou o chapéu que fica melhor”.É sobretudo à tarde e à noite que a artesã se dedica às bonecas. Chega a trabalhar até às duas da manhã. Cada boneca exige cerca de oito horas de um trabalho que não é muito rentável monetariamente. Todos os meses produz entre 20 a 25 bonecas. “Demoram muito tempo a ser confeccionadas porque exigem um trabalho muito minucioso”. Antigamente custavam 25 tostões. Hoje custam entre 11 e 15 euros.Os exemplares que produz estão no Posto de Turismo de Constância. Evita ter bonecas à consignação porque se estragam facilmente. É na própria terra que as bonecas mais se vendem porque há quem goste de levar uma recordação. Vende o seu trabalho nas feiras, sobretudo as que se realizam no concelho. A autarquia local é um dos principais clientes.Palmira Governo aprendeu a arte há 12 anos durante um curso de bonecas tradicionais organizado pela Câmara Municipal de Constância e pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional que se prolongou por um ano e meio.Na família não tem ninguém que lhe tenha seguido os passos, mas acredita que a tradição não irá morrer por falta de seguidores.Ana Santiago

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