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Boas e más aplicações dos dinheiros públicos

Miguel Noras

Só a titulo de exemplo: na pág. 43 da "auditoria financeira" lê-se "exite uma despesa de 9.214 contos referentes à aquisição de moedas". Logo a seguir, o documento acrescenta ter havido "uma solicitação do Museu Nacional à Câmara para que esta efectue o pagamento". Leio e pasmo: um museu nacional a vender moedas? Moedas? Na realidade, estão a referir-se aos livros, de grande formato, lançados aquando da inauguração da Casa do Brasil!

Nos anos 70/80 desapareceram do Museu Municipal de Santarém algumas das suas moedas mais valiosas.Para compensar a desgraça, a última vereação escalabitana adquiriu várias colecções numismáticas constituídas, designadamente, por quarenta peças de origem romana encontradas no nosso distrito, em contextos arqueológicos perfeitamente datáveis.Aquando da compra da maior colecção, a imprensa acompanhou a respectiva deliberação camarária (tomada por unanimidade).O mais precioso destes documentos históricos constitui um verdadeiro tesouro nacional. Trata-se de uma moeda única, em excelente estado de conservação, do rei que fundou a nacionalidade e reconquistou Santarém.Ao contrário do que, agora, foi propalado na câmara, nada disto custou 20 000 mil contos, nem representou má aplicação de dinheiros públicos. Acresce que a vereação transacta conseguiu 506.589,21 euros em apoios mecenáticos destinados, precisamente, à divulgação do património cultural e à compra de documentos históricos. É motivo de orgulho para uma cidade possuir um acervo deste quilate e com tão elevado valor arqueológico.Recorde-se que o museu municipal, assim designado depois da implantação da República, é detentor de uma secção de numismática e de notafilia (bem representativa) desde a sua génese.Se algum dia, por hipótese absurda, a câmara rasgar, também, este imperativo museológico, terá uma boa alternativa: vender estas (e outras peças) adquiridas nos mandatos precedentes, obtendo, nessa altura, lucros significativos (basta lembrar que um centavo de bronze, com três gramas, datado de 1922, foi vendido o ano passado, em Lisboa, por 13 mil 685 contos e desta moeda até existem seis exemplares). Pior estarão os autarcas vindouros que, no próximo mandato, não terão nada para vender. Vejamos: quem vai querer os boletins da propaganda municipal que, só nas suas quatro edições, já custaram mais do que todas as moedas adquiridas para o museu municipal (desde a sua criação em 1911)? Quem quererá comprar os panfletos publicitários deste mandato por mais de vinte mil contos?Concluindo: tudo, na vida, é uma questão de método, de opções e de perspectivas. A primeira opção do próximo mandato terá de ser acabar com uma despesa de 50 mil contos, por ano, em propaganda que, em última análise, não serve para nada, nem mesmo para encobrir a incompetência (do “pelouro financeiro”) quando esta for por demais evidente.Eu tenho grande esperança que a Câmara de Santarém volte a ser “uma casa rica” e que o nosso concelho volte a entrar nos eixos. Julgo ser só uma questão de tempo. É um dos atributos da Democracia permitir a enfermidade política para, logo, lhe dar medicina eleitoral que a trate pela raiz!Observações:1 – O Museu Municipal de Santarém foi o herdeiro de todo o espólio do museu distrital criado em 16 de Fevereiro de 1876.2 – O álbum numismático, divulgado pela “propaganda autárquica” (com direito a fotografia), custou dois mil e seiscentos contos em 1998 (e não em 2001). É composto por 41 moedas (40 romanas e uma grega). O signatário, então presidente da edilidade, votou a favor desta aquisição. Hoje, voltaria a fazer exactamente o mesmo. Em contrapartida, extinguiria, de novo, o “boletim de propaganda”, acabando, de vez, com todas as ambiguidades que o envolvem.3 – Já existem coleccionadores interessados em adquirir a moeda afonsina à câmara escalabitana. Tratando-se de um exemplar único (em excelente estado de conservação) é fácil admitir que atinja entre seis a oito mil contos. Esta “pesada herança” (do anterior mandato) dará um jeitão para amortizar, parcialmente, os mais de 60 mil contos já gastos em propaganda, durante o actual mandato.4 - Os escrupulosos critérios dos funcionários da Câmara de Santarém merecem, uma vez mais, ser elogiados (sobretudo num momento em que os políticos neles pretendem esconder as suas notórias debilidades no domínio da gestão autárquica).Post ScrpitumNa mó de cimaA Juventude Socialista está cada vez mais forte, no concelho de Santarém, enquanto estrutura política qualificada e coesa. Na longa “subida da montanha” contou com o abnegado desempenho de destacados dirigentes. A permanência no cume dessa “montanha” será sempre provisória (tanto na vida, como na política). Ter lá chegado, de forma exemplar (como foi o caso), constituiu a melhor recompensa.A “descoberta”A mesma “imprensa” que, na devida oportunidade, acompanhou a aquisição de moedas pela Câmara de Santarém atribuiu a uma “auditoria” privada os “méritos” da sua “descoberta”. Estas preciosidades da numismática e, até, da relojoaria antiga foram, novamente, divulgadas, mas agora como sendo elementos patrimoniais desconhecidos e clandestinos. Para evitar estas figuras parciais, bastava reler os arquivos ou consultar as obras da autarquia sobre o assunto. O livro Torre das Cabaças, publicado em 1999, tem um inventário das peças do “Museu do Tempo”, incluindo a descrição de todos os relógios existentes até àquela data, os quais (já na altura) constituíam a melhor colecção ibérica. O Catálogo da Casa do Brasil (editado em 2000) refere uma fatia historicamente relevante do acervo numismático do nosso concelho. Assinale-se, ainda, que o Diário de Notícias de 23 de Abril (de 2003) trouxe belas fotografias da relojoaria autárquica e a literatura numismática especializada já publicou a moeda mais valiosa do espólio municipal. Viagens lucrativas Em Santarém ocorreram, recentemente, dois “fenómenos”: os autarcas (dos anteriores mandatos) que viajaram para o Brasil e para Angola, em missões minuciosamente estudadas, conseguiram trazer para o nosso município muito mais dinheiro do que aquele que resultou dos encargos com as respectivas deslocações. Não é conhecido outro exemplo idêntico em Portugal! No entanto, um dos repetentes participantes nessas missões, que testemunhou in loco a utilidade institucional e económica destas viagens, vem agora declarar que as mesmas constituíram “uma má aplicação financeira”.Como os mais de 75 000 contos, então obtidos, foram utilizados nas obras da Casa do Brasil, o referido autarca tem um bom remédio: faça o obséquio de vender ou dar destino a esta obra do mandato anterior! EstatuetasAinda há quem, no executivo escalabitano, insista na procura das três ou quatro estatuetas de bronze do consagrado escultor abrantino Santos Lopes.Só pode ser uma personalidade que passe pouco pelas rotundas e pela Casa do Brasil onde as esculturas continuam “escondidas” com as suas toneladas de peso e os seus metros de altura.É por isso que eu defendo pelouros para todos, a tempo inteiro, com direito a um par de óculos dotado de lentes de aumentar, sem esquecer uma boa dose de pastilhas contra a amnésia.Comentário final:1 - É preocupante que o actual líder da autarquia (por sinal também coleccionador) tenha autorizado o manuseamento directo (por simples curiosos) de uma moeda única de D. Afonso Henriques, sem os mais elementares cuidados exigidos para a preservação deste espécime multissecular. Lembro, enquanto numismata, que esta moeda, dos primórdios da nacionalidade, é extremamente frágil e não vale uma pequena fortuna apenas pelo seu grau de raridade. No cálculo do preço, o factor da sua conservação tem, de longe, o peso mais significativo.2 - É surpreendente que haja, no mesmo executivo municipal, quem desconheça que a Câmara de Santarém possui moedas de colecção desde a I República (há quase cem anos). Estas moedas, à semelhança do que se passou com o Museu Numismático Português, nem sempre estiveram expostas, uma vez que o referido museu, situado em Lisboa, está encerrado há décadas. Contudo, os seus responsáveis nem aos invisuais permitem “ver com as mãos” as respectivas preciosidades numismáticas.3 - A comprovar-se que, neste mandato, os documentos de suporte da aquisição de bens patrimoniais tenham desaparecido, poderemos estar em presença de uma torpe intentona política cuja prática terá de ser investigada e, a revelar-se criminosa, implicará a devida punição.4 - A divulgação da “auditoria escalabitana”, desacompanhada das respostas prestadas pelos serviços camarários, é de questionável transparência e de duvidoso sentido ético.5 - Manifestações explícitas e formais de dúvidas quanto à entrada de bens na câmara (os quais estão, de facto, na autarquia) ultrapassam as regras do combate político para recair no terreno da criminalidade.6 - Li e reli o respectivo relatório, com os olhos de quem está inscrito na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas. Dele depreendo que as observações são mais direccionadas para o presente do que para o anterior mandato. Onde é que já se viu alguém pedir uma “auditoria” e, depois, não proporcionar os dados essenciais a um trabalho que valesse a pena e justificasse o dinheiro investido? Os erros e as omissões da auditoria em causa devem-se, fundamentalmente, a este estranho comportamento político. Só a titulo de exemplo: na pág. 43 da "auditoria financeira" lê-se "exite uma despesa de 9.214 contos referentes à aquisição de moedas". Logo a seguir, o documento acrescenta ter havido "uma solicitação do Museu Nacional à Câmara para que esta efectue o pagamento". Leio e pasmo: um museu nacional a vender moedas? Moedas? Na realidade, estão a referir-se aos livros, de grande formato, lançados aquando da inauguração da Casa do Brasil! Confundir livros com moedas é, no mínimo, insólito!7 - Está provado que todas as peças numismáticas (efectivamente compradas) foram pagas no mandato anterior. Espero que não tenham de ser os futuros vereadores (e o novo presidente que será eleito em 2005) a terem de pagar, no próximo mandato, esta “auditoria” privada, a qual, com todos os custos imputados (valor da adjudicação, imposto, horas de trabalho de funcionários da autarquia, telefones, fotocópias, etc.) corresponde, sensivelmente, ao dobro, do preço pago pela moeda única de D. Afonso Henriques. 8 - Concluindo (técnica e politicamente): torna-se obrigatório efectuar, agora, uma verdadeira auditoria à referida “auditoria”, bem como aos procedimentos administrativos e financeiros de quem a mandou realizar. Com nove mil contos não se brinca, nem mesmo numa câmara que, afinal, já foi “casa rica”, conforme referiu, na última reunião do executivo municipal, um dos seus elementos. Santarém, 15 de Maio de 2003.jmnoras@mail.telepac.pt

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