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Médica de família

Médica de família

Elvira Peres exerce medicina há 20 anos

Elvira Peres fez este ano 20 anos de carreira. Acabou o curso de medicina com 23 anos e começou a estagiar no hospital de Tomar quase um ano depois. Lidar com maleitas sempre foi o seu sonho. “Quando era pequenina queria ser veterinária porque adorava animais”. Mas acabou a curar humanos.

Exerceu sempre a profissão dentro da cidade mas há três anos foi colocada no posto médico de Carrazede, freguesia de Paialvo. Aqui, numa zona rural, Elvira Peres deparou-se com uma realidade muito diferente da que estava habituada.“Fazer medicina familiar aqui é muito mais estimulante. As pessoas sabem que é um bem escasso com que podem contar e estimam-no”, refere a médica de família. Talvez porque, ao contrário da cidade, nas aldeias não há alternativas.“Na cidade os doentes têm muito por onde escolher, se pudemos dizer assim. Há centros de saúde, um hospital e uma enorme variedade de médicos a exercer medicina privada. A nós quase não nos passam cartão, se bem que pessoalmente não tenha muita queixa”.Elvira Peres afirma que qualquer médico que exerça a profissão numa aldeia deve sentir-se mais estimulado. “Eu sinto-me assim e por isso também dou muito mais de mim”.Há pessoas que antes de ir à urgência do hospital vão ao posto médico informar “a doutora”, quase a pedir autorização. “Há pessoas muito carentes, não só em termos físicos mas também psicológicos”.Os doentes acamados são os que precisam quase sempre de mais carinho. “Nunca fiz tantos domicílios em toda a minha vida como nos últimos três anos”. Ali é-se médica de família na verdadeira acepção da palavra. Presta-se os cuidados necessários de saúde a várias gerações da mesma família.Elvira Peres salienta também a falta de informação que os doentes, particularmente os idosos, têm sobre os seus direitos. “Houve um caso que me deixou estupefacta. Era um doente acamado, com uma doença de mau prognóstico e apesar de já estar naquela situação há muito tempo nem sequer tinha um relatório de grande invalidez”.É por situações como esta que a médica de família da freguesia de Carrazede diz ter sentido, quando chegou, que a zona estava um pouco abandonada. “E isso foi ainda mais estimulante para mim”.Apesar de nos últimos tempos ter como doentes mais casais novos e crianças – “a consulta semanal de vigilância infantil está sempre totalmente preenchida” – a maioria dos doentes de Elvira Peres são os idosos.Se há vantagens em ser médica numa aldeia há também alguns senões. Há idosos que procuram muitas vezes a médica apenas porque precisam de desabafar com alguém, o que é “um bocadinho desgastante” para quem está a tentar minorar o sofrimento de outros. A médica de família atribui este “fenómeno” ao facto de a maioria das pessoas nessa situação não pagarem taxa moderadora. “Vêm uma semana e pedem uma coisinha, vêm outra semana e pedem outra coisa e por aí adiante e a maioria das vezes nem precisariam do médico para dar resposta aos seus pedidos”. São os chamados doentes “queima consultas”.Elvira Peres diz que os “queima consultas” se dividem em duas categorias – os que acham que têm um grande problema, e a esses desculpa-os porque não conseguem identificar os sintomas, e os outros, aqueles que não têm onde ir, passam pelo posto, o médico até está lá e decidem “consultar-se”.A médica é da opinião que deveria haver no sistema de saúde português um boletim de saúde como há em outros países em que a pessoa tem "X" consultas para gerir ao longo do ano. “A partir daí só vem se for mesmo urgente”, diz, libertando a médica para outros doentes que precisam mais.Elvira Peres nunca deixou no entanto de atender um doente. “Não trabalhamos para fazer medicina curativa mas também preventiva”. Não é por acaso que além das consultas de clínica geral e do ambulatório, este mais curativo, existem também as consultas de vigilância e de risco, associadas a patologias como a diabetes, saúde materna, planeamento e rasteio.Além do trabalho de medicina familiar no posto médico da aldeia, Elvira Peres ainda faz banco no hospital de Tomar. “A quinta-feira à tarde é sempre minha e além disso estou sempre escalada para horas extraordinárias à terça-feira, seja das 20 às 00h ou das 20h às oito da manhã, numa escala rotativa”.Nessas alturas Elvira faz uma directa do hospital para o posto médico. “Nesses dias à tarde estou quase KO”, confessa, apesar de estar habituada a dormir pouco. No serviço dos hospital está habituada a dormir entre a consulta a dois utentes.“É impensável que alguém possa trabalhar um dia de trabalho no posto médico e a noite no hospital e no outro dia regresse ao trabalho do posto como se nada fosse. Isso não é humano”, diz.Elvira Peres reivindica para a classe um gabinete médico próprio para que entre um e outro doente – “Há sempre um espaço temporal” – os médicos possam pelo menos estender as pernas. “Quem ganharia eram os próprios doentes porque no actual estado de coisas são os médicos que começam a falhar e a ficar doentes”.Margarida Cabeleira
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