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O cortejo das crianças foi mais um aperitivo para a grande festa de domingo

Cortejo de palmo e meio

Duas mil crianças desfilaram em Tomar carregando 700 tabuleiros

Foi mais um episódio da grande festa dos Tabuleiros. Em Tomar, desfilaram as crianças. Uma antevisão de palmo e meio do desfile, a sério, marcado para a tarde do próximo domingo.

A Mata dos Sete Montes, em Tomar, mais parecia um enorme jardim florido de todas as cores. Um ingénuo e inocente jardim onde, além das flores dos tabuleiros propriamente ditos, havia ainda cerca de duas mil flores imaculadas a desabrochar – as crianças de todas as escolas do concelho que, naquele dia, iam fazer o seu cortejo na Festa dos Tabuleiros.Perfiladas pelas incansáveis professoras e auxiliares, as crianças aguardavam impacientemente o início do cortejo. Já passava das 10 das manhã, hora marcada para a saída da Mata dos Sete Montes, e as mãos dos pequenotes agarravam avidamente os tabuleiros que, a seu lado, esperavam calmamente ser içados.Com um brilhozinho nos olhos, as mulheres de amanhã colocavam a rodilha que iria ajudá-las a suportar os tabuleiros. A seu lado, os pequenos homens compunham o barrete que repousava no ombro, para o que desse e viesse. E dois a dois, transpuseram o portão, numa onda enorme que parecia dirigir-se ao rio Nabão.E ouviam-se palmas, muitas palmas, milhares de palmas de uma multidão sôfrega de ver desfilar a filha, neta, sobrinha, prima. “Olha ali vai ela, coitadinha, espero que aguente”, dizia uma avó babada para ninguém. Para a multidão que a envolvia.Indiferentes ao impacto que a sua passagem gerava nos milhares de pessoas que enchiam as ruas de Tomar, as crianças lá iam desfilando, serenas e não seguras. Os fotógrafos passavam-lhes à frente, os flashes disparavam, os sorrisos acentuavam-se.Em dia de São Pedro, o santo também quis ajudar à festa. Mas na ânsia de afastar o temido sol, carregou o céu de nuvens cinzentas. E ainda não se havia chegado à rotunda da fonte cibernética já a chuva se tinha associado ao cortejo.Primeiro, miudinha, depois cada vez mais grossa. Os chapéus que a multidão trazia para se proteger do sol foram-se abrindo aqui e ali. Mas ninguém arredava pé.“Isto estava combinado. Como às 11 horas em ponto tinha que aspergir as crianças, assim faço só um bocadinho e todas sentem o borrifo”, brincava o padre João Borga, que junto à esquina da Igreja de São João Baptista esperava as crianças que subiam então a rua Serpa Pinto (vulgarmente conhecida por Corredoura).Visto da Praça da República, o cortejo assemelhava-se agora a um mar colorido mas revolto. Os tabuleiros já há muito que tinham deixado a sua altivez e balançavam, como se empurrados por ondas gigantes. Mas nenhum sucumbiu à água. E carregados de flores e pão, 700 tabuleiros dobraram o “Cabo Bojador” e encheram a praça do município. Para o primeiro e único descanso dos pequenos “descobridores” tomarenses.Os grandes olhos azuis da pequena Júlia não davam mostras de cansaço mas os dedos das mãos que agarravam o tabuleiro de flores, também azuis, estavam brancos, quase sem pinga de sangue. O seu companheiro, João Filipe, teve a tarefa facilitada, já que não foi preciso pôr o tabuleiro ao ombro. “Não estou nada cansada”, dizia Júlia, e João Filipe abanava a cabeça como que a confirmar. “Ela consegue levá-lo só com uma mão”, afiançava.Menos sorte teve o Dani, da escola de Valdonas, que teve de ajudar “só um bocadito” a Tatiana, que com os seus tenros seis anitos sentiu algumas dificuldades em manter o tabuleiro à cabeça.No palanque improvisado junto à porta da Igreja de São João Baptista, o padre Borga gritava “olá” para a multidão de palmo e meio, que retribuiu a saudação de forma ruidosa. Depois dos “vivas” ao pais, professores, polícias, bombeiros “e toda a gente”, o maior “viva” foi para a festa e para as crianças.O Bispo Emérito de Angra, D. Aurélio Granada Escudeiro, procedeu então à benção das crianças e dos seus tabuleiros, ziguezagueando por entre o colorido que enchia o recinto. Flávia e Ricardo, da escola básica nº1 dos Templários, agarravam o cesto a meias. Porque foi também a meias que decidiram participar na festa. Alguém segredou à nossa reportagem que o pequeno casal tinha já planeado tudo antes de começar o cortejo, levando o tabuleiro à vez. Postos perante a inconfidência, os dois confessaram e o Ricardo até tinha contado quantas vezes pôs o tabuleiro ao ombro. “Eu ajudei seis vezes!”. “Ele queria era levar o tabuleiro à cabeça”, dizia por seu lado a Flávia.O sino da torre da Igreja tocou então. As conversas foram parando e todos ficaram muito quietos. Aquele toque era o sinal de que estavam prestas a içar novamente o tabuleiro. Ao segundo toque todas as crianças se baixaram e, ao terceiro, as centenas de tabuleiros emergiram em simultâneo. Era hora de iniciar novamente a marcha, desta vez pela rua Infantaria 15 e pela avenida Cândido Madureira. Uma marcha que só teria o seu fim quando se transpusessem de novo os altos portões da Mata dos Sete Montes. Quase uma hora depois, os pequenos actores da festa, já sentados no chão, retemperavam forças com sandes, sumos e gelados. Do lado de fora, a polícia fazia um cordão humano tentando impedir que a ansiosa multidão quebrasse o descanso. E quando minutos depois os portões se abriram novamente centenas de pais, avós, tios, primos e irmãos correram desenfreados para abraçar os seus pequenos grandes heróis.No último domingo, em Tomar, a festa esteve na rua. E pela mão de duas mil crianças o Espírito Santo mostrou como o mundo pode ser bonito. E inocente.Margarida Cabeleira
O cortejo das crianças foi mais um aperitivo para a grande festa de domingo

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