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Uma voz militante

Pedro Barroso, cantor, músico, compositor, homem de causas e convicções

Nas suas canções evoca a mulher, o mar, a natureza, Portugal, o seu povo e a sua história. Chama-se Pedro Barroso, tem o seu quartel general na Quinta da Raposa, em Riachos, e não faz concessões à mediocridade.

Pedro Barroso não nasceu para a música, mas há mais de 30 anos que acaba por viver dela e para ela. O próprio cantor e autor confessa que foi uma criança e um adolescente “absolutamente normal” até que “um acaso” o levou a participar no célebre programa televisivo Zip Zip, em 1969, e lhe desviou o curso da vida. Até ao seu baptismo televisivo, empenhara-se sobretudo na prática do atletismo, em que chegou a internacional.Quando teve a oportunidade de participar, com apenas 19 anos, no programa televisivo onde pontificavam Fialho Gouveia, Carlos Cruz e Raul Solnado, Pedro Barroso já fazia algum teatro, poesia e canto e avançou com uma “performance” diferente, hoje popularizada como stand up comedy. “Fazia umas imitações, contava umas histórias e cantava baladas contra a guerra”. Vingou a faceta de cantor, apesar de na crítica feita ao seu desempenho no Diário de Lisboa, por Mário Castrim, não lhe fosse augurado grande futuro. “Comecei logo por cima, num programa que emergiu da mediocridade e do cinzentismo do que era a televisão nessa altura. Um programa riquíssimo do ponto de vista humano e onde se dava voz às pessoas. Foi um grande mérito desses homens”. Na altura, Fialho Gouveia pediu-lhe para alterar a letra de uma balada, por causa da censura. “Tirei as referências belicistas e a letra ficou tipo canção de amor instantânea”, conta, com humor.As portas do mundo do espectáculo estavam abertas e o jovem Pedro Barroso acaba por ingressar também no Teatro Experimental de Cascais, de Carlos Avilez, onde foi actor. Estava-se na fase final do regime de Marcelo Caetano. O 25 de Abril apanha-o no serviço militar, no curso de oficiais da Marinha. Os tempos agitados que se seguem contam com a sua participação activa. Canta nas acções de dinamização cultural do Movimento das Forças Armadas (MFA), palmilha o país com companheiros de estrada como Manuel Freire, José Barata Moura, Rui Mingas, Carlos Alberto Moniz, padre Fanhais e Luís Cília. A partir daí dedica-se à música, que concilia com as aulas de educação física. “PROFESSOR DE DIA, MÚSICO À NOITE”Filho de professores – o seu pai foi uma figura ilustre de Riachos, terra onde o cantor, autor e compositor vive numa quinta povoada de recantos acolhedores -, Pedro Barroso acabou por seguir-lhes as pisadas e licenciou-se em Educação Física. Durante mais de vinte anos foi docente, sobretudo em Lisboa, para onde partiu com quatro anos acompanhando os pais. Tirou ainda um curso de psicoterapia, actividade que exerceu no Hospital Júlio de Matos. “De dia era professor e à noite actor ou cantor”.O “grito do Ipiranga” deu-o há cerca de dez anos, quando se reformou antecipadamente e decidiu rumar às origens – o Casal da Raposa, em Riachos, uma casa de família há algumas gerações. “É um mundo próprio, que me habituei a considerar como o centro de operações da minha vida”. É ali que pinta e molda as suas esculturas. Junto aos campos ribatejanos e aos cavalos, outra das suas paixões. É ali que escreve os poemas e compõe.Nas suas canções evoca a mulher, o mar, a natureza, Portugal, o seu povo e a sua história. Da canção mais popular, de que ficaram êxitos como “A Perninha da Menina” ou “Ai Consta”, passa para um estilo mais elaborado e intimista, “sem concessões” às editoras. O belíssimo tema “Menina dos Olhos d’Água”, que recebeu o prémio de melhor canção em 1987, é a fronteira que separa as duas fases. Pedro Barroso não é um cantor de modas. Assume-se mesmo como um “músico à margem do sistema”. É uma questão de feitio. “Sei que vivo de alguma visibilidade mas não faço absolutamente nada para ter tempo de antena, pois já tive o suficiente”. E reforça: “Em 34 anos entraram aqui cinco ou seis jornalistas, entre os quais o Fernando Assis Pacheco. Não abro a porta a qualquer um”.LUTADOR IRREDUTÍVEL PELA CAUSA DA CULTURAApesar de não surgir nas revistas da moda nem nos programas de TV onde pontificam as vedetas do momento, os espectáculos vão acontecendo com regularidade e não há razões de queixa. Este ano Pedro Barroso já actuou em vários pontos do país e tem um Verão recheado de espectáculos. Geralmente um por semana, porque os anos pesam e gosta de ter tempo para recuperar. O Inverno é para escrever, para criar.Cantor, músico, compositor, director de orquestra, autor, poeta, pintor, escultor, mas sempre e acima de tudo homem de causas e convicções. “Lutador irredutível” pela causa da cultura, pela qualidade do produto artístico, pela dignificação da música e de quem vive dela. Uma vida que se torna mais difícil em tempos de crise, quando as bolsas das autarquias se retraem. “É uma divina estupidez e uma cândida ignorância sermos considerados produtores de um bem perfeitamente prescindível. Para pessoas menos conhecidas ou em princípio de carreira é uma guerra para conquistar mercado”, lamenta. Por isso diz que, “felizmente”, dos seus três filhos apenas um seguiu o mundo da música: Nuno Barroso, que foi vocalista da banda Além Mar. Crítico feroz de um sistema que tanto conduz à glória efémera como ao rápido esquecimento, de um mundo que produz vedetas que nada têm de substantivo, Pedro Barroso não perde uma oportunidade de ir à luta. Está na génese do manifesto a favor da música portuguesa que há uns meses deu brado. É o principal “instigador” da candidatura do seu companheiro e amigo Manuel Freire à presidência da Sociedade Portuguesa de Autores. Na parede do seu escritório, num recorte de jornal é catalogado como “dinossauro” da música portuguesa de intervenção. Os seus espectáculos – que prefere em auditório – são uma caixinha de surpresas. Nem os seus músicos de eleição sabem o que dali pode sair. “De repente lembro-me de uma história e páro a música a meio. Gosto também de falar entre as canções, de trocar ideias”.Resumindo e concluindo: “Sempre me senti um comunicador com uma enorme apetência pelas relações humanas e com uma vontade enorme de transmitir e receber arte, cultura, experiências”. Pedro Barroso continua a “acreditar piamente que é preciso reformular mentalidades”, para que se ponha fim ao “processo de desculturização” em curso no nosso país “promovido pelo telelixo, pela má rádio e pela má informação”.João Calhaz

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