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“No palco visto a pele de actor”

A timidez natural do vocalista dos Quinta do Bill desaparece nos concertos

A sua imagem de marca foi, até há pouco tempo, os longos cabelos que frequentemente apanhava num rabo de cavalo. Carlos Moisés cantou num coro, tocou jazz, fez parte de um grupo de música tradicional e fundou os Quinta do Bill. Mas diz que ainda tem quase tudo por fazer na sua vida. Quase, porque o principal sonho – conceber um filho - já vem a caminho e vai concretizar-se lá para Novembro.

Nasceu em Moçambique, na pequena cidade de Vila Pery, que depois da independência se transformou em Chimoio. Foi aí que Carlos Moisés , fundador e vocalista do grupo de Tomar Quinta do Bill, formou o seu primeiro conjunto musical. Tinha seis anos.Nessa altura ainda não eram conhecidos os seus dotes vocais. Gostava mais de fazer barulho, por isso foi eleito o baterista do grupo. Uma bateria feita por si, de uns caixotes de papelão. Os pais reconheciam-lhe a apetência musical mas pouco podiam fazer porque “lá no mato” não havia forma de aprender música.Filho único de uma alfacinha e de um tomarense ligado aos caminhos de ferro, Carlos Moisés não considera que tenha sido um “menino da mamã”. Diz que recebeu muito carinho dos pais, mas quando era preciso também levava umas palmadas. Tinha 12 anos quando se deu o 25 de Abril e foi “recambiado” para Portugal. O choque com o clima foi a pior coisa que lhe aconteceu quando chegou a Tomar. Ainda se recorda do tempo que usava luvas nas aulas do segundo ano do ciclo. E mesmo assim, diz, pouco conseguia escrever de tão enregelados que estavam os dedos.A timidez que se lhe conhece vem precisamente desse tempo, em que teve de se separar dos seus amigos de infância. Quando estava na idade de consolidar as amizades Carlos Moisés foi obrigado a fazer novos amigos, a partir do zero.Foi dos primeiros alunos a ingressar no conservatório de Tomar, que abriu na década de 80. Sabendo da sua grande paixão pela música, os pais apressaram-se a matriculá-lo, uma decisão que o músico hoje agradece.A música era tão importante na sua vida que por ela deixou “descarrilar” uma carreira académica. “Se não tivesse sido tão preguiçoso tinha conseguido arranjar tempo para tudo”, confessa, adiantando que na altura optou por deixar os estudos superiores para trás.Aprendeu canto e composição mas acha que não tem boa voz. “Dou uns toques com a voz”, diz, adiantando que há de certeza muito melhores vozes por esse país fora, até de pessoas que não fazem da música profissão.Admite que foi para o canto por já ter iniciado tarde a sua carreira musical. “Se se quer atingir determinado grau tem de se começar muito cedo”. Talvez por isso não se tenha dado muito bem na guitarra clássica – “nunca consegui passar da fase inicial de aprendizagem”.Enquanto estudou no conservatório, deu aulas de música na Associação Canto Firme, onde também pertenceu ao coro, e no ciclo preparatório. Foi precisamente na Canto Firme que formou o primeiro grupo a sério, de música tradicional. Uma aprendizagem que considera enriquecedora uma vez que lhe possibilitou o contacto com instrumentos tradicionais como o cavaquinho e a barguesa.A curiosidade em aprender novas sonoridades levou-o a inscrever-se na classe de música jazz que a Associação Canto Firme tinha entretanto aberto. Em 1987 Carlos Moisés conhece Paulo Bizarro (baixista) e Rui Dias (guitarrista), a quem mostra as letras que durante anos tinha guardado na gaveta.Começaram a tocar juntos mas apenas para si próprios, “só pelo prazer e o gozo que isso dava”. O barulho dos ensaios incomodava a vizinhança e tiveram que sair da cidade de malas aviadas para uma quinta parcialmente desabitada, que todos conheciam como a quinta do Bill. Foi dentro de um palheiro que, em finais de 1987, já com mais dois elementos na banda, adoptam o nome da quinta e decidem concorrer a um concurso de música moderna, no Rock Rendez Vous. E ao contrário do que sugere o nome do seu primeiro disco (Sem Rumo), os Quinta do Bill iniciaram ali um rumo que os levou à fama.O estrelato nunca lhe subiu à cabeça, nem quando a música “Os Filhos da Nação” andava na boca de milhares de jovens ou quando, mais recentemente, foi adoptada como o hino oficial do Futebol Clube do Porto. “Nunca gostei de mostrar mais do que aquilo que sou”.É por isso que não se importa de comer frango ou entrecosto numa qualquer festa popular, misturado com o povo. “Se as pessoas têm gosto em preparar o jantar para nós, para quê exigirmos um restaurante?”. Aprendeu a conviver com a falta de privacidade, embora de início lhe custasse estar sempre a ser olhado e abordado por pessoas que não conhecia. Antigamente recebia muitas cartas de fãs, hoje as pessoas fazem a abordagem através de e-mails. Moisés tenta responder a todas, mas admite que algumas vão ficando para trás por manifesta falta de tempo. Antes dos espectáculos a timidez do vocalista dos Quinta do Bill transforma-se em adrenalina pura. “Em cima do palco perco a timidez e visto a pele de actor”.Mas quando canta as músicas do “Trilho do Sol”, o álbum de 1996 dedicado quase em exclusivo à problemática dos índios, Carlos Moisés garante não estar a representar mas a ser ele próprio. O fascínio pelos índios começou desde pequeno, quando se sentava horas a fio diante do televisor a ver filmes de cowboys. Foi por isso que decidiu deixar crescer o cabelo, imagem de marca até há alguns anos atrás.Com 41 anos de idade o vocalista dos Quinta do Bill diz que ainda está quase tudo por fazer na sua vida – “é como se começasse agora, quero fazer muitos mais discos, mais canções, mais espectáculos”. A nível pessoal já concretizou o seu principal sonho – conceber um filho, que irá nascer em meados de Novembro.Margarida Cabeleira

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