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Correr atrás do vento

Figo preto de Torres Novas é uma espécie de quimera
A Feira Nacional de Frutos Secos e Passados, a decorrer em Torres Novas, anexou este ano ao título “Primeira Feira do Figo Preto de Torres Novas”. A intenção é conseguir a denominação de origem desse produto. Mas figo preto cada vez há menos e por muito que se queira desmentir o mercado prefere as variedades brancas.O declínio do figo preto começou logo que o seu escoamento para a indústria passou a ser pouco rentável, porque a extracção do álcool a partir do melaço mostrou-se mais vantajosa economicamente. Depois, na década de 80, veio a extinção da AGA (Administração Geral do Álcool), organismo onde os produtores eram legalmente obrigados a entregar a aguardente destilada, que embora o preço fosse inferior ao do mercado, garantia o escoamento. A entrada de Portugal na UE veio logo depois e com ela surgiu um novo imposto, o IEC (Imposto Especial de Consumo). A partir de então, comercializar aguardente de figo tornou-se praticamente impossível. Restava a hipótese do vinagre. Mas, aí, as coisas também não são fáceis. Apesar de o vinagre a partir do figo ser fabricado sem recurso a produtos químicos, o mercado continua a preferir o vinagre de vinho. Perante este cenário, restava a transformação em doçaria ou a comercialização do figo como produto final, ou seja em passado. No entanto, também aqui a situação não é fácil. A Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste (DRARO) apontava já em 1998 um problema difícil de ultrapassar. “O figo preto de Torres Novas tem também o inconveniente de ter uma cor escura, o que diminui o seu valor comercial. É devido a este factor que, de acordo com a classificação atribuída pelo INGA [Instituto Nacional de Garantia Agrícola], ele não ultrapassa a última categoria, ou seja a categoria D”. No entanto, todo este historial parece passar ao lado da autarquia, do Gabinete de Apoio ao Desenvolvido Rural e da Associação Nacional de Frutos Secos e Passados, presidida pelo vice-presidente da câmara, que continuam a apostar no figo preto de Torres Novas. “É preciso divulgar este produto que é único e os produtores devem organizar-se para que o figo de Torres Novas seja uma imagem de marca”, defende António Ferreira, técnico do Gabinete e membro da Associação.Os produtores de figo preto escasseiam tanto como o próprio produto. Quem faz figo optou pelas variedades brancas, pingo de mel, com muito mais procura e comercializados a preços quase 10 vezes mais altos. Só os agricultores mais idosos continuam a apanhar e a secar o figo preto nos grandes tabuleiros de madeira dispostos lado a lado nos terreiros, mais por tradição do que como fonte de rendimento.No sector agrícola do Centro de Recuperação Infantil Torrejano (CRIT), um dos poucos produtores de figo do concelho, só existe uma figueira de figo preto: “Está lá, mas nunca apanhamos nada, como tem muita água o figo acaba por azedar”, diz Aurora Urbano, engenheira da instituição.No CRIT o figo é rentável, mas só nas variedades brancas e porque se trata de uma escola: “Vendemos o máximo que podemos em verde, mas não é fácil. Entregamos a um senhor de Riachos que os leva para Lisboa e nos paga a um euro o quilo”, continua. O que não se consegue vender em fresco, vai para passa e como é branco acaba por ter mercado. “Mas a mão-de-obra é muito cara”, acrescenta a mesma técnica. Na Feira de Frutos Secos e Passados, instalada num pavilhão desmontável à beira da Avenida 8 de Julho, o figo preto é uma minoria ao pé das variedades brancas. Poucos clientes o procuram, apesar do preço ser muito mais convidativo.Margarida TrincãoFigo branco é que está a darLuís Mendes, agricultor da Lamarosa, aldeia do concelho de Torres Novas, defende que o figo de Torres Novas pode ser certificado, mas nas variedades brancas. E neste caso, como se trata de uma produção muito localizada, a autarquia tem uma palavra a dizer.“Já não há figo preto, a câmara deveria investir na criação de um centro de estudos, onde se desenvolvessem variedades de figueiras perfeitamente adaptadas a esta região. Porque toda a zona de Torres Novas tem um micro-clima especial para a produção de figo”, defende Luís Mendes.No seu caso, toda a produção tem escoamento assegurado. Deixou a agricultura tradicional, optou pela biológica e está certificado. “Faço agricultura biológica, o que significa que o figo, o vinho e o azeite são produzidos sem qualquer recurso a produtos químicos. No figo não fazemos qualquer expurga química, usamos a expurgação térmica”. O que significa que o figo depois de seco é mergulhado em água a ferver e embalado no vácuo.A secagem é feita numa espécie de estufa com uma entrada de ar junto ao solo e uma chaminé para saída do ar quente. “O figo continua a ser seco ao sol, mas não directamente nos passadouros”, esclarece.Mas para seco só vai o figo que não sai em fresco. Esse também tem escoamento assegurado, nos circuitos dos produtos biológicos: “Na altura da apanha vou todos os dias a Lisboa, apanho o figo de manhã e às cinco da tarde está entregue. Não se pode guardar a apanha de um dia para o outro”.No entanto, não crê que a solução do figo de Torres Novas passe pela comercialização em fresco deste fruto: “O figo tem escoamento na altura da fruta temporã, tem uma logística muito complicada. Só pode ser apanhado maduro, não amadurece fora da árvore, como acontece na maior parte dos frutos, e não dura mais de oito dias apanhado”.Do figo preto desistiu há muito tempo. Reconverteu os figueirais herdados de família e experimentou novas variedades. “Tenho quatro espécies de figo, mas se fosse agora optava apenas por duas. Era para isto que servia um centro de estudos”, reforça.

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