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Dar vida a peças velhas

Dar vida a peças velhas

Desde os 10 anos de idade que Carlos Freitas Lopes restaura móveis

Tinha dez anos quando começou a mexer em madeira. Três décadas depois Carlos Freitas Lopes é um dos mais conceituados marceneiros e restauradores de móveis do concelho de Tomar. Trabalha por paixão e pela arte e gostaria de ficar com todas as peças que vende e restaura.

Carlos Freitas Lopes fez a quarta classe e sem saber muito bem as voltas que a vida deu, acabou a trabalhar numa marcenaria da cidade, que ainda hoje existe. Tinha dez anos.“O senhor Abel foi o primeiro e o único patrão que tive até hoje. Aos 20 anos estabeleci-me por conta própria e mais tarde o meu irmão veio dar-me uma ajuda” - o António, um dos quatro irmãos que estão ligados ao mobiliário.Carlos diz ser hoje difícil perceber o que, com dez anos, faria na marcenaria. “Acho que comecei por fazer os recados, ir à loja de ferragens, lixar um ou outro móvel”. A pouco e pouco o patrão ia-lhe dando umas peças para lixar e Carlos Lopes foi-se apercebendo que gostava daquilo.Aos 17 anos já tinha decidido que o seu futuro passava pelo fabrico e restauro de móveis. Nessa altura comprou ferramentas e fazia já alguns trabalhos em casa. Três anos depois estabeleceu-se.Uma loja de mobiliário de Tomar deu-lhe uma mão, cedendo-lhe o espaço para a marcenaria. A contrapartida era fazer, quase em exclusivo, os móveis para o estabelecimento. Há 18 anos que montou oficina na rua de São João, quase defronte à igreja matriz da cidade. E desde essa altura que não tem tido mãos a medir. É conhecido por ser um restaurador exímio, perfeccionista. O marceneiro diz que não é melhor que os outros mas admite que há restauradores e restauradores. “Para ser bom no que se faz tem de se estar sempre a aprender, a actualizar-se, para se fazer o melhor possível”.E o melhor possível é conseguir que uma peça, depois de recuperada, continue com o seu ar antigo. “O restauro não é fazer novo, é evitar sempre substituir o mínimo de peças para que haja o máximo de verdade na peça restaurada”. Isto é, a peça deve identificar sempre a sua idade.Já lhe aconteceu muitas vezes receber peças que vieram das mãos de outros restauradores. “As pessoas ficaram desgostosas com o trabalho e vêm aqui ver se ainda a conseguimos salvar”. Em 31 anos de profissão, Carlos Lopes não teve qualquer reclamação.Talvez porque, como ele próprio diz, algumas vezes não faz o trabalho como gosta mas como o cliente quer. “Eu posso ter uma opinião, mas se o cliente tiver opinião diferente é a dele que avança. Apesar de eu o tentar sempre esclarecer acerca do que seria melhor para o móvel, em termos de restauro”. Afinal, manda quem paga...Há coisas que num instante podem estragar uma recuperação perfeita. Há anos, por exemplo, que o marceneiro não dá cor em móveis. “Se dermos uma cor artificial num móvel vamos esconder a beleza da madeira. Em móveis antigos, então isso é um crime”. Carlos Lopes diz que até ao fim da sua actividade irá lutar sempre para que o cliente não caia nesse erro.Para o marceneiro não há móveis irrecuperáveis. Embora às vezes alguns clientes tragam uma peça ou outra “ordinária”, sem valor, mas recuperável. “Nessa altura tenho de explicar ao cliente que recuperar o móvel é estar a fazê-lo perder dinheiro porque se a peça vale 250 euros e vai gastar mil euros a recuperá-la é deitar dinheiro à rua e não tem cabimento”.A profissão de marceneiro não é bem paga, apesar do restauro não ser barato. Parece um paradoxo mas é assim que funciona. Carlos Lopes paga-se a sete euros à hora, um valor irrisório se comparado com outras profissões ditas tradicionais – “Um electricista, canalizador ou pedreiro ganha muito mais”.Mas quem manda fazer um restauro acha sempre caro. “As pessoas às vezes esquecem-se que restaurar uma peça é um trabalho muito moroso, minucioso e delicado”, diz o marceneiro, adiantando que se perdem muitas horas e “se as horas forem traduzidas em dinheiro é verdade que sai caro”.Carlos Lopes garante no entanto que hoje em dia, qualquer mulher a dias consegue ganhar tanto como ele ao fim de um mês de trabalho.Ser marceneiro é uma profissão em vias de extinção, apesar de até haver em Tomar um curso superior de restauro. “Mas quem sai dali não quer este tipo de trabalho, prefere ir para museus ou coisas do Estado”. Carlos diz que o restauro que aprendem lá também é diferente do que ele aprendeu. “É um óptimo curso, dado por excelentes professores, mas é vocacionado para um tipo de restauro diferente, mais museológico”, diz Carlos Lopes, acrescentando que no seu entender há cada vez menos profissionais mas o negócio, ao contrário, aumenta.Cada vez mais há pessoas a quererem recuperar peças antigas, de família. Há muitas com que o marceneiro gostaria de ficar. “Mesmo as que compramos para recuperar e depois vender. Ficamos sempre com pena de nos desfazermos delas”, diz, olhando com ternura para o baú de madeira e pele, em fase final de restauro. “Esta, por exemplo, tinha muito gosto em ficar com ela, mas já está comprometida”, diz quem trabalha num ofício regido pela arte e pela paixão das coisas sem idade.Margarida Cabeleira
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