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Os “milagres” continuam

Os “milagres” continuam

Domingos movimentados na Ladeira do Pinheiro

O templo da Ladeira do Pinheiro continua a ser alvo de romagens e fonte de devoção. A irmã Maria já morreu, mas há quem garanta que os milagres continuam.

“Ainda ontem um dos cálices que puseram sobre o caixão de Mãe Maria deslocou-se uns vinte centímetros. Sinal de que ela estava presente”, diz convicto o “Pai” Humberto, viúvo da “santa” da Ladeira, do alto das suas longas barbas brancas. Maria da Conceição morreu em Agosto, mas as peregrinações continuam com a mesma afluência e os milagres pelos vistos não acabaram. Ao meio-dia do primeiro domingo do mês os carrilhões da catedral anunciam a celebração da missa. A segunda do dia. Teresinha, a sucessora escolhida por Mãe Maria, toma o seu lugar numa das cadeiras de veludo vermelho, próxima do altar e em frente à porta do jazigo da “Santa”. Humberto Horta, viúvo de Mãe Maria, a quem chamam “Pai Humberto” acompanha-a e senta-se ao lado da nova “santa”.“A Mãe Maria escolheu-a e eu faço aquilo que ela quis. Posso fazê-lo porque sou o presidente da fundação”. A fundação de Maria da Conceição Mendes Horta e Humberto Horta, que financiou a catedral, acolhe idosos em vários lares, um dos quais na Golegã, recolhe crianças abandonadas ou filhos dos crentes e de muitas das gentes que habitam o casal Garcia Mogo, ali ao lado da Meia Via, concelho de Torres Novas Cria-se gado, trabalha-se a terra e muitos dos produtos são utilizados para consumo próprio. Há monjas vestidas de negro, mulheres do exército branco, padres de longas barbas e a Mãe Maria, que morreu com uma paragem cardio-respiratória, continua omnipresente.“Ainda ontem [sábado, dia 3 de Outubro] o bispo da Bulgária ficou admirado, pôs três cálices sobre o caixão e um deles deslocou-se uns 20 centímetros. Sinal de que ela está presente”, reforça o ancião.Maria Teresa Passadas, a Teresinha, vestida branco, como todo o exército das mulheres seguidoras do culto, está na Ladeira desde o primeiro dia de vida. Tem 32 anos, a “Mãe” curou-a da epilepsia e escolheu-a para lhe suceder: “É uma coisa que eu encaro porque ela me curou. Só tenho de seguir os seus passos”. Não fala muito, nunca conheceu outra vida. Maria da Conceição e Humberto foram os seus pais, bem como dos seus outros irmãos. “Agora não pode ser, no fim da missa se quiser volta a falar. A Teresinha tem de preparar-se para a missa” avisa zelosa uma “irmã” do exército branco. Teresinha endireita-se e olha para o altar. Da sacristia saem vários acólitos de vestes de cetim azul celeste balançando os incensários. Cânticos, sinos, incensários emanando o forte cheiro dos óleos santos são oscilados por jovens rapazes envergando vestes de cetim azul celeste e a cerimónia litúrgica começa envolto no fumo sagrado.No domingo passado, a cerimónia revestia-se de um carácter especial. O padre Estevão, monsenhor da Ladeira, foi entronizado bispo pelo representante da igreja Ortodoxa Búlgara, a que a Ladeira do Pinheiro e o seu santuário de Nossa Senhora de Todas as Graças estão ligados, após as divergências com a igreja ortodoxa de Portugal, dependente da igreja autocéfala da Polónia. Alheia a estas cerimónias Mercês da Fonseca, peregrina de há 40 anos, senta-se na carrinha de Carminda Leal e desfia as suas preocupações. “Já fui a uma missa, agora vim visitar a minha amiga que não via há muito tempo”, conta.Conheceram-se na Ladeira. Mercês vem todos os meses rezar e agradecer as bençãos que recebeu: “A Mãe curou-me de todos os vícios, fez com que a alegria entrasse de novo na minha casa. Eu era uma bêbada, tratava mal o meu homem e ele coitadinho nunca me tocou”, lacrimeja olhando o enorme medalhão que traz ao peito com a imagem de Cristo: “Tenho muita fé na Mãe Maria, mas sou católica apostólica”.Carminda Leal vai ao Casal Garcia Mogo por outros motivos: “Venho aqui vender estas coisas. Não faz mal nenhum, pois não?” Toda as alturas serão boas para fazer negócio e em vez de vender água benta em frasquinhos vende os produtos que cultiva em Casal da Penha, situado um pouco mais a norte, na freguesia torrejana de Chancelaria. No entanto, o negócio já foi melhor. “As pessoas são as mesmas, ou talvez mais do que as que vinham quando a Mãe Maria era viva, mas não há dinheiro. Foi por causa da troca da moeda. Ainda agora uma senhora me disse isso..”.“Menos peregrinos nem pensar... “, atalha Mercês Fonseca. “Há 40 anos que cá venho e continuarei a vir até que possa. Já tenho 84 anos, moro na Amadora, mas venho sempre. Há uma camioneta todos os meses para aqui. Logo há muito mais gente. De manhã vão a Fátima e depois vêm aqui”. E continua o seu relato: “Numa quinta-feira santa, a Mãe Maria vinha ali, com a cruz às costas, enterrada em lama quase até à cintura”.No grande largo, em frente à catedral, alguns carros e dois autocarros de passageiros. Lá dentro continuavam os cânticos, o barulho dos paramentos de cetim ornados de guizos e o forte cheiro a incenso. Os peregrinos vêm chegando porque não é a morte daquela que teve fama de milagreira que dilui a fé de quem acredita que naquele local algo de sobrenatural se passou. Pelo menos, por ora, os crentes mês após mês visitam o lugar “sagrado”. E diariamente, pelas três horas da tarde, é tempo de oração, agora rezada pela Teresinha.Margarida Trincão
Os “milagres” continuam

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