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A marca do tempo

Margarida Trincão*

“Mesmo sabendo que nada é mais velho do que a notícia do dia anterior, mesmo sabendo que o jornal que hoje se vende na banca é arremessado no lixo no dia seguinte, ou utilizado para forrar o caixote do gato, os jornais fazem a história de todos os dias”

Já todos devem ter dito o mesmo. Ser jornalista é um desafio diário, um corre-corre sem fim. É tudo isso e o stress das horas. O tempo que não estica e é preciso acabar os textos, as informações que têm de conseguir-se custe o que custar. E é aliciante.Mesmo sabendo que nada é mais velho do que a notícia do dia anterior, mesmo sabendo que o jornal que hoje se vende na banca é arremessado no lixo no dia seguinte, ou utilizado para forrar o caixote do gato, os jornais fazem a história de todos os dias. Só banalidades dirão alguns. Mas a vida é feita de coisas banais, das pequenas grandes guerras entre paredes, do pão que voltou a aumentar, do político descuidado que não soube, ou não foi capaz de tapar convenientemente “a prova do crime”. E há outras banalidades, as que arrastam multidões e fazem sofrer individualmente, porque o sofrimento, como a morte, são sentimentos individuais e intransmissíveis. As injustiças, as misérias seja qual for a forma de que se revestem e que os jornais retratam.Apesar de efémera, a notícia deixa a sua marca. Nos arquivos, porque há sempre um sítio onde os jornais amarelecem conservando a sua dignidade, continuam a estar presentes as histórias que foram notícia, as posições tomadas, os interesses dos leitores, porque é para eles que os jornalistas martelam nos teclados dos computadores os acontecimentos da semana.A forma como são escritos os textos, o modo como são dispostos na página, os assuntos que têm chamada de primeira página são a marca do tempo em que se vive. Um tempo em que a televisão avassala as salas de família de imagens bombásticas, de escândalos, de burlas e traficâncias, de comportamentos desviantes.É esta a marca do nosso tempo. De uma época em que a representação se tornou na essência da coisa, porque não há tempo para mais.Mas ser jornalista continua a ser aliciante. Há gente que se descobre, recônditos espaços inviolados, realidades circunscritas a um mundo diferente que urge desvendar. Porque além do mais, os jornais têm uma função social e sem serem justiceiros conseguem resolver situações intricadas. Às vezes basta um contacto, a identificação de ser jornalista e os problemas resolvem-se. Isto porque a exposição pública é dura para quem tem telhados de vidro.Cada um de nós pode contar uma história em que, sem qualquer intenção, desmascarou uma tramóia. Por isso também os jornalistas assustam. Há medo de falar, de fornecer informações que podem ser comprometedoras. É mais um jogo, dizer apenas o que interessa como se ainda não se percebesse que quanto mais detalhada for a informação, menos hipótese há de ir à procura do que está para além. Contraditório? Não, apenas a realidade do dia a dia do nosso tempo.* Jornalista

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