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Uma terra onde o tempo corre devagar

Barrosa, uma aldeia tranquila do concelho de Benavente

A freguesia da Barrosa está a dois passos do bulício da área metropolitana de Lisboa mas suficientemente longe da confusão citadina. Na aldeia respira-se ar puro num ambiente tranquilo onde quase todos os habitantes se tratam pelo nome.

Quando se entra na Barrosa, os sinais recomendam limite de velocidade. Para além do perigo de se atravessar uma criança ou um idoso, existem os patos e galinhas que passeiam no alcatrão e não procuram a passadeira para fazer o atravessamento. A tranquilidade e a beleza da paisagem natural são cartões de visita da freguesia, a mais pequena e a última a ser criada no concelho de Benavente. Foi em Maio de 1988 que a aldeia adquiriu o novo estatuto e a sede da junta é um bom exemplo do orgulho barrosense. Ao chegarmos à localidade, depois de andarmos cinco quilómetros pela EM 515 a partir de Benavente, sentimos que estamos perto de tudo e longe da grande confusão das cidades e das vilas de maior dimensão. Na rua, toda a gente nos dá os bons dias. Se prolongarmos o diálogo temos conversa para horas porque na Barrosa o tempo corre devagar. “Já bastou quando a gente não tinha parança. Trabalhávamos de sol a sol para ganhar 15 escudos por dia e não podíamos falar com ninguém”, diz Francisco António, conhecido na aldeia como o “Saramago”. O trabalhador rural tem 78 anos bem vincados num rosto enrugado pelo tempo. Na Barrosa quase toda a gente tem uma alcunha, até porque há muitos nomes repetidos e os apelidos resumem-se a meia dúzia com predominância dos “Semeanos”, dos “Correias”, dos “Lúcios” e dos “Rosas”. A freguesia tem 1111 habitantes, uma curiosa capicua. Apesar de não haver desemprego, a esmagadora maioria da população trabalha fora porque na aldeia não há indústria e o comércio é escasso. A Taberna do Carlos (vende vinho, cerveja e sumos, mas não tem máquina de café), o Café do Chico, os dois bares das colectividades, as lojas do Nicola e da Adelaide, uma empresa de jardinagem e uma vendedora de roupas ao fim de semana, são os comércios existentes. A freguesia tem posto médico e posto de venda de medicamentos. Há um alvará para um lugar de táxi, mas o proprietário acabou por desistir por falta de clientes. Quase toda a gente tem carro e quem não tem viaja à boleia com os familiares ou vizinhos ou utiliza o autocarro da Ribatejana que passa pela aldeia duas vezes por dia. Quase metade dos moradores da freguesia não estão recenseados. Os ficheiros da junta acumulam 559 cidadãos e os moradores são 1111. O presidente da Junta de Freguesia da Barrosa, Joaquim Semeano, explica que nos últimos anos têm chegado novas famílias e casais recém casados que trocaram as suas terras de origem pela tranquilidade da Barrosa. Os terrenos foram vendidos a preços acessíveis, grande parte pela Câmara Municipal de Benavente, e os jovens construíram vivendas que ficaram pelo preço dos apartamentos nas vilas mais próximas. “Alguns só cá vêm dormir e ainda não estão envolvidos na comunidade”, lamenta Mário Rosa, 33 anos, licenciado em Informática e presidente da Associação Livre dos Trabalhadores da Barrosa (ALTB). As crianças da aldeia têm um jardim de infância com capacidade suficiente para acolher utentes de Benavente que não tiveram vaga na sua terra, escola primária, polivalente para a prática desportiva e um moderno parque infantil. Pior estão os jovens que se queixam dum vazio para a ocupação dos tempos livres e lamentam a suspensão do espaço “Internet para Todos”, que funcionou na sede da ALTB e era muito frequentado. Apesar do serviço estar disponível na sede da junta, os jovens não se deslocam ao local e os horários são condicionados. A sede da ALTB, que inclui o único posto multibanco da freguesia, é um ponto de encontro das várias gerações da aldeia e fica a escassos 70 metros da sede do Sport Clube Barrosense (SCB), outro local de diversão dos barrosenses com máquinas de jogo, matraquilhos e jogos de mesa. As duas sedes foram construídas com a ajuda dos sócios e fazem inveja às sedes dos clubes mais representativos da região. “Trabalhei nove anos seguidos para aquela casa”, sublinha Francisco “Saramago”, um dos fundadores da ALTB. O idoso responsabiliza as últimas direcções da associação pelo impasse no avanço da obra do centro de dia que já tem terreno disponibilizado na urbanização do Vale do Bispo. O presidente da ALTB compreende a insatisfação e partilha da ideia de que a sua geração poderia dar mais à terra onde nasceu. “Nós, os jovens, não queremos trabalhar e a desculpa mais fácil e dizermos que não temos tempo”, disse. Mas Mário Rosa contraria a regra. Trabalha em Lisboa e muitas vezes depois de 12 horas de trabalho ainda tem tempo para dar uma mãozinha nas tarefas da associação. O líder da ALTB defende que as duas associações da freguesia deveriam fundir-se. Juntando os patrimónios e a vontade dos directores e sócios é possível criar uma colectividade mais forte e minimizar as dificuldades de encontrar voluntários para assumirem a sua gestão. A ideia é acarinhada pelo presidente da junta. Joaquim Semeano, que é vice-presidente do Sport Clube Barrosense, já tem um plano para resolver o problema das dívidas do clube, que rondam os 35 mil euros. “O valor da renda do bar é suficiente para assumir os encargos da dívida”, garante. A fusão não será fácil porque há sócios de uma colectividade que não entram na sede da outra e a proposta da junção já foi chumbada há cerca de cinco anos. “Cada macaco no seu galho”, dizem os mais velhos. Esta rivalidade é um dos pontos negativos da freguesia. O Barrosense tem uma equipa de futebol sénior e uma equipa de iniciados treinada pelo presidente da junta. Até 2005, a Câmara Municipal de Benavente garante que o campo pelado vai ser transformado num relvado sintético e vão ser construídos um pavilhão gimnodesportivo e um piscina descoberta na Urbanização do Vale do Bispo A ALTB aguarda com ansiedade os novos equipamentos. A associação tem um grupo de ginástica aeróbica, karaté, uma equipa de cicloturismo e o jornal “Aldeão”, que “é o único que dá notícias da terra”. A colectividade quer alargar a oferta, logo que haja condições . A ALTB e a junta de freguesia organizam as festas de São Brás e Nossa Senhora de Fátima e a Sardinha Assada. Ao longo do ano dinamizam um conjunto de eventos que passam por cafés concerto, karaokes, passagens de modelos e encontros de jovens no parque de lazer do Vale da Asseiceira - um local paradisíaco utilizado por famílias para piqueniques e pescarias. Os mais velhos dizem que foi o 25 de Abril que mudou a face da Barrosa. Foi o poder local que desenvolveu a freguesia. Aos poucos chegou a água canalizada, a luz e os esgotos substituíram as fossas. No Verão, ou quando o vento está a favor, o cheiro a campo é perturbado pelos odores desagradáveis das explorações pecuárias que existem em redor da aldeia e os insectos incomodam os moradores. Um pequeno senão, numa freguesia onde a tranquilidade e a paz nos fazem sentir bem. Nelson Silva Lopes

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