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A terra mártir do Alviela

A terra mártir do Alviela

Pernes, uma freguesia antiga que já foi sede de concelho

Pernes já conheceu dias de maior fulgor. Martirizada décadas a fio pela poluição oriunda da indústria de curtumes de Alcanena, a vila tenta reassumir o estatuto que já fez dela sede de concelho. Bem servida de comércio e serviços, tem nas condicionantes à construção e na falta de rentabilização da zona industrial os seus principais problemas.

Longe vão já os tempos em que Pernes foi sede de concelho. Mas a martirizada vila ribeirinha do Alviela, desde 1834 integrada no concelho de Santarém, continua a orgulhar-se de ter vida própria e de evidenciar um dinamismo e uma militância que lhe conferem um estatuto especial entre as freguesias escalabitanas.Razoavelmente servida de comércio e de indústria, com boas ligações viárias - agora que a Nacional 3 está quase reparada – a Santarém e Torres Novas, e consequentemente à auto-estrada do Norte, Pernes possui um conjunto de equipamentos e de serviços que a colocam a par de algumas sedes de concelho da região. Faltam algumas repartições públicas, é verdade, mas há posto de abastecimento de combustíveis, escola até ao nono ano, posto da GNR – que há muito merece ser substituído -, corpo de bombeiros, lar de idosos, serviço local da segurança social, jardim de infância e vários restaurantes. Há transportes públicos com regularidade para Torres Novas e Santarém, biblioteca, posto médico com atendimento diário, farmácia e banco. E existe ainda um fervilhante mercado semanal todas as sexta-feiras que traz centenas de forasteiros ao largo do Rossio, o centro cívico da localidade que tem obras de requalificação prometidas.O património natural e edificado também não é de subestimar. Como as igrejas Matriz e da Misericórdia, a capela de Santo António, o moinho manuelino e a Torre do Relógio. Ou as quedas de água no Mouchão Parque, apesar de o local estar a necessitar de ser requalificado.Pernes, freguesia antiga com cerca de dois mil habitantes, é também conhecida pela pujança do seu movimento associativo. É natural que os tempos já tenham sido de maior fulgor, pois as solicitações de hoje são outras, mas a cultura continua a ter um espaço importante na vila, berço da orquestra do maestro Santos Rosa e do grupo coral Terra Nostra, por exemplo, onde há ainda outro orfeão ligado à igreja.O teatro, que funciona no seio da Sociedade Musical União Pernense (Música Nova), é igualmente presença regular na vila, dinamizado por nomes como o de Vicente Batalha, que ainda no ano passado encenou com grande sucesso uma peça de Miguel Torga recorrendo à prata da casa.Não se pode também esquecer instituições que levam ou já levaram o nome da terra bem longe. Como a Santa Casa da Misericórdia de Pernes, a que está ligada a Fundação Comendador José Gonçalves Pereira, que dispõe de várias valências para a terceira idade, e a Rádio Pernes da família Paradiz. Há ainda a organização ecologista CLAPA, pioneira da luta ambientalista no nosso país, ainda vigorava o antigo regime, a que ficará para sempre associado o nome de Joaquim Jorge Duarte, mais conhecido por “Diabo”.Numa página de jornal é impossível condensar a riqueza da vida associativa de Pernes, que acaba por se cruzar com a luta dos seus habitantes pelo direito a uma qualidade de vida digna. Durante anos o Alviela foi um autêntico esgoto a céu aberto, utilizado pelas indústrias de curtumes de Alcanena para despejarem os seus resíduos carregados do mortífero crómio. Alguns episódios dessa catástrofe recente, que ainda não está totalmente debelada, podem ser lidos nalgumas das obras de Mário Rui Silvestre, romancista, poeta, historiador que faz do amor à vila e ao Alviela a sua principal fonte de inspiração. São nacos deliciosos de prosa. Histórias de coragem protagonizadas por gente simples, alguma saída do anonimato pelo entusiasmo posto na defesa das suas convicções, que tudo fez para mudar o destino e a cor de um rio que teimavam em ser negros.Por esses escritos se pode ajuizar a rivalidade extrema que existia entre os sócios da Música Nova e os da Música Velha (Sociedade Recreativa e Filarmónica Pernense) e que por vezes acabava em pancadaria. Coisas de há décadas e que entretanto se esbateram pelo rodar dos tempos. Hoje, a militância associativa já não chega a esse ponto. E essas duas colectividades coexistem pacificamente, num universo onde gravitam ainda os dois grupos de dadores de sangue, o grupo de escuteiros, o grupo columbófilo, as duas associações de caçadores e as casas de convívio de Chã de Baixo e Outeiro de Fora e de Póvoa das Mós - os lugares que completam a freguesia a par com Moita.Pernes fervilha de memórias e de lendas. Diz-se que foi ali que D. Afonso Henriques falou pela última vez às tropas antes da reconquista de Santarém aos mouros. E célebre ficou também a proeza cometida por alguns homens da terra que se deslocaram à Cova de Iria a coberto da noite para cortar a azinheira em que se dizia ter aparecido Nossa Senhora de Fátima.Mas a vila não adormece à sombra de história e de personagens que não se repetem. O futuro conquista-se todos os dias. A indústria de torneados continua a pontificar na vila, a par da água de mesa ali captada e de algumas explorações agro-pecuárias. Mas falta uma zona industrial em condições, para captar mais investimento, como anota o presidente da junta de freguesia, José Viegas (CDU).Tal como falta terreno disponível no Plano Director Municipal para que se fixem na freguesia mais casais jovens. Apesar de estar previsto um empreendimento urbanístico de qualidade na zona alta da vila, resultante do acordo entre a Câmara de Santarém, a Junta de Pernes e a Agropernes, que levou à desactivação da suinicultura que essa empresa tinha à entrada da vila.O presidente da Junta de Pernes considera que é tempo de Pernes, que tão martirizada foi durante décadas, seja agora contemplada com alguma qualidade de vida. Um pavilhão desportivo e uma piscina coberta são projectos que gostaria de ver concretizados. “Era uma forma de recompensar o sofrimento por que esta população passou”.João Calhaz
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