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O músico que gosta de roçar mato

Vincent McCallum vive numa aldeia de Tomar e viaja por toda a Europa

Vincent McCallum penou muito para poder vingar como músico em Portugal. Apanhou azeitona, limpou barris de vinho e roçou mato. Hoje, este escocês toca no Centro Cultural de Belém e viaja por toda a Europa. Mas continua a fazer vida de agricultor na pequena aldeia de Outeiro, concelho de Tomar.

“Falo melhor inglês mas penso mais como os portugueses”, confessa Vincent McCallum, o músico escocês que há 34 anos, com os pais, deixou a linha de Cascais e veio morar para Outeiro, uma pequena aldeia do concelho de Tomar. Tinha então nove anos e nem sequer sonhava com o que a vida lhe tinha reservado.Quem na quarta-feira, 14, o ouviu tocar no Centro Cultural de Belém não imagina que aquele homem sardento, de longos cabelos cor de cenoura e sorriso cativante, comeu o pão que o diabo amassou antes de poder pisar aquele palco.O músico que hoje tem concertos agendados em Inglaterra, Escócia, Bélgica e em outros países europeus já roçou mato, apanhou azeitona e plantou couves para sobreviver. As dificuldades começaram logo quando os pais decidiram, em 1970, largar a elitista Cascais e fixar residência numa pequena aldeia do concelho de Tomar. Vincent tinha nove anos quando deixou o conceituado colégio inglês, em Carcavelos, e nunca mais pôs os pés numa escola. “Passei a estudar inglês por correspondência”.Aos portugueses o 25 de Abril trouxe liberdade. À família de Vincent apenas dificuldades. O pai, que ganhava 14 contos mensais a dar aulas aos “meninos bem” da linha, sofreu uma acentuada quebra financeira com o debandar de muitos alunos para outras paragens.E foi a música que salvou a situação. Pouco tempo depois de mudarem para Tomar, Vincent, o irmão e o pai – músico amador – tinham formado um grupo, que tocava aos fins-de-semana nas aldeias da redondeza. Quando a crise financeira bateu à porta da família o grupo passou a fazer mais actuações para equilibrar a balança. “Nessa altura ganhávamos 250 escudos por mês”. A adaptação à terra não foi fácil. As crianças da sua idade costumavam espreitá-los – a Vincent e ao irmão mais velho – por detrás das árvores, olhando de olhos bem arregalados para as bicicletas, então coisa rara por ali, que ostentavam.A pouco e pouco, quando passaram a emprestar as ditas, deixaram de ser “estranhos” e passaram a fazer parte das brincadeiras dos pequenos habitantes. As amizades que fez nessa altura ainda perduram hoje. E não é rara a vez que todos se juntam para comer umas febras e beber cerveja, enquanto ouvem Vincent MacCallum dedilhar na guitarra e cantar no seu português quase perfeito.São estes amigos, os verdadeiros, que nunca perdem um concerto seu, seja no Centro Cultural de Belém ou numa colectividade de uma aldeia vizinha. “O português é assim mesmo, quando faz amizades elas são para toda a vida”, refere o músico, que se sente como um verdadeiro provinciano português.Sentado no terraço do seu “Jardim das Oliveiras”, como diz o azulejo pintado à mão colocado à entrada da residência, Vincent McCallum ri do passado. Porque o ajudou a ser o homem que é. No pós 25 de Abril Vincent fez de tudo um pouco para ajudar os pais. Como era de estatura meã, as pessoas da terra contratavam-no para limpar os barris de vinho, na altura das vindimas. Tinha então 12 anos e, confessa, gostava quase tanto daquela vida como de tocar e cantar.Anos mais tarde, Vincent aproveitou as viagens de inter-rail para tocar em quase todos os países da Europa. Na década de 80 deixou a aldeia de Tomar para, com o irmão e os pais, tentar ganhar algum dinheiro em Inglaterra. Foi aí que formou um novo grupo – The Mamuts - mais virado para o rock e tirou um curso de técnico de som.Mas a “alma” de português falou mais alto e fá-lo voltar a Portugal, já casado. Sem conseguir vingar a nível nacional, tocava em bailaricos de aldeias, no metro e nas ruas de Lisboa. Pelo meio abriu um bar, num antigo lagar contíguo à sua casa. Ou melhor, foi abrindo e fechando ao longo dos anos, por causa da burocracia portuguesa. “Nunca estava tudo certo. Faltava sempre qualquer coisa para a câmara me dar a necessária licença”, diz.Podia ter ganho muito dinheiro, trabalhando como técnico de som em Portugal, mas o que lhe dava mesmo gozo era estar a tocar e não produzir. “Fiz sempre tudo por gozo e não por dinheiro”. É por isso que nunca desistiu do seu sonho.Em 1983 gravou um single com Ramon Galarza, José Nabo e Ramalho, um dos membros dos Delfins. “Andei sempre com um pé dentro e outro fora”, diz o músico que ainda hoje se considera um outsider no panorama musical nacional.Há três anos, já com novo nome artístico – Vincent McCallum e the Code – grava no estúdio caseiro do Jardim das Oliveiras o primeiro CD com canções em português. Chamou-lhe Fifty/Fifty e tem cinco temas em português e cinco em inglês.“Levei muitos anos para conseguir escrever em português”, refere o músico, adiantando que quando tocava as letras lá vinham as críticas – “ou as palavras eram mal ditas, ou havia falhas de pronúncia”. Depois de tanto “batalhar”, como diz em bom português, Vincent enviou o CD para o Ministério da Cultura. “Fiquei aprovado como um cantor escocês que canta em português”.Vincent McCallum levou 27 anos a conseguir este feito. Depois de ter sido inúmeras vezes rejeitado pelas editoras nacionais consegue concretizar o seu sonho e, no espaço de três anos, subir duas vezes ao palco de Centro Cultural de Belém como “cabeça de cartaz”.Mas porque tem feito sempre o que lhe dá gozo, Vincent continua a tocar em bailes. E a plantar couves e roçar mato. Sempre que as tournées deixem…Margarida Cabeleira

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