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Burocracia bloqueia investimento

Entrevista com José Eduardo Carvalho, presidente da Nersant - Associação Empresarial da Região de Santarém

Numa longa entrevista onde se cruzam váriOs assuntos, José Eduardo Carvalho acusa a burocracia e a legislação de estarem a pôr em causa milhões de euros de investimento no Ribatejo, elogia a descentralização em curso e diz que no processo do TGV faltou peso político e empresarial para desviar o traçado da alta velocidade para a região.

Recentemente teceu duras críticas à burocracia e à legislação que enquadra o ordenamento do território, considerando mesmo que isso condiciona o desenvolvimento do país. A que se referia em concreto? Referi-me aos procedimentos da administração pública. Há uma legislação do ordenamento do território que foi feita com a melhor das intenções. Tentou-se definir parâmetros de urbanização, de utilização do solo... Simplesmente, tal como sucede por vezes neste país, as coisas são feitas com algum excesso. E há determinado tipo de situações que são autênticos bloqueios à actividade económica.Está a falar dos planos directores municipais (PDM) e das restrições que os mesmos impõem à construção em zonas de reserva agrícola (RAN) ou ecológica (REN)?Embora defenda pequenas alterações, acho que as zonas definidas devem ser respeitadas. Agora, quando se corre o risco de perder investimentos da ordem dos 12 milhões de contos, como existem neste distrito, por estarem presos por se alterar a cércea de um edifício de 10 para 12 metros, como é que é possível? E uma alteração dessas carece da autorização de um ministro! Onde é que sucede esse caso?SucEde em Santarém, sucede em Rio Maior, sucede em Torres Novas. Relativamente a Santarém, tem a ver com um grande investimento que a Unicer tem desde há dois anos. E que está preso por esse factor e também por outro, que também tem a ver com a parte ordenamento.Acha que a legislação devia ser mais flexível?Mais flexível neste aspecto: pequenas alterações do uso do solo ou pequenas alterações no regulamento dos PDM deviam ser mais simplificadas. Creio que vai haver um esforço de simplificação, porque situações como estas não se passam, por exemplo, em Espanha.Muitos municípios estão agora na fase de revisão dos PDM. Acredita que há sensibilidade para se fazerem essas necessárias alterações? A própria Nersant dá sugestões, participa na fase de discussão pública?Não. Mas algumas câmaras convidam-nos a pronunciarmo-nos sobre isso. Outras não, mas a discussão é pública e qualquer empresário poderá fazê-lo. Penso que está a haver um grande esforço de alteração, mas também vejo que os próprios meios que os serviços competentes têm devem ser incapazes, designadamente na correcção das cartas da REN, onde há zonas afectadas erradamente. Qual é então a prioridade?A prioridade deve ser não uma simples alteração do PDM mas sim agir sobre aquelas situações que condicionem o investimento. Nomeadamente o investimento privado. Se as coisas forem por esse caminho, é pRovável que depois apareçam as associações ambientalistas a protestar...Em tudo o que há excessiva protecção as coisas funcio-nam mal. Já viram a excessiva protecção que os sobreiros têm? A indústria da cortiça está super protegida e quando há protecção excessiva do Estado isso cria efeitos perversos.Há investimentos condicionados por essas razões?Sim. Quatro, cinco ou seis sobreiros condicionam milhões de contos de investimento e de criação de riqueza ao país por causa dessa protecção excessiva.Não há já parques industriais na região previstos para a instalação de empresas? É necessário que as empresas se tenham de instalar forçosamente em locais que colidem aparentemente com o meio ambiente?Infelizmente nesta região não há nenhuma área para indústria que esteja projectada que não tenha esses entraves. Ou é uma linha de água, ou apanha uma zona de reserva agrícola ou agro-florestal... Quer dizer que o atraso no processo da criação dos parques de negócios na região se deve a essas razões?Exactamente. Quando se inicia um plano de pormenor, toda a sua tramitação processual demora dois anos. Depois da autorização tem de se fazer todos os projectos de execução, de investimentos avultados, que deve demorar mais ano e meio. Significa que desde o início do processo até se começar a fazer a obra demora à volta de 4 anos. Sem parques de negócios, como é que é possível duplicar o investimento privado na região, que é um dos seus objectivos?É muito difícil. Por exemplo, neste momento em Rio Maior estão reservados, já com contratos assinados, 24 lotes que criam 179 postos de trabalho e correspondem a 98 mil metros quadrados de área. Mas se houver atrasos no desbloqueamento dos terrenos corre-se o riso do investimento se gorar. Há uma cláusula que permite que o investidor possa desobrigar-se dos compromissos assumidos. O que é que se passa em concreto?O parque de Rio Maior está preso por uma declaração de utilidade pública, por causa de uma linha de água e da zona de reserva ecológica junto à linha de água. Mas creio que isto se resolve até Junho.Acha que as autarquias deviam ter mais autonomia nestes processos?Sim. Espero que depois desta reforma administrativa ir para a frente com as comunidades urbanas sejam também descentralizadas algumas competências de ordenamento do território para estas comunidades. Que permitam por exemplo alterações pouco significativas do uso do solo, de alterações a algumas cláusulas dos artigos do regulamento... Deve haver apostas estratégicas de determinadas zonas em sectores específicos, como a de Rio Maior no desporto, de Constância no turismo e lazer ou de Chamusca na indústria ligada aos resíduos? Até para não haver colisão de objectivos entre os vários concelhos...Não tenho dúvidas nenhumas. Aliás, apresentámos à União Europeia um projecto de grande dimensão que vai animar quatro clusters. É um processo onde tem de haver obrigatoriamente três parceiros da comunidade: neste caso nós, que vamos gerir o projecto, e entidades da região de Marselha (França) e de Toscania (Itália).Quais são os sectores de actividade escolhidos?Penso que há grandes condições para trabalhar com quatro. Com o sector do mobiliário, na zona de Vilar dos Prazeres, com a indústria agro-alimentar, que está mais dividida pela zona da lezíria, com o turismo rural em toda a região e com o sector metalo-mecânico, sobretudo na zona de Abrantes. Para isto ser aprovado estamos a contar com um grande apoio do Governo. Falando em apostas estratégicas, como está o projecto do Parque Almourol?O Parque Almourol está a andar. Falta acabar o centro náutico de Constância, o centro náutico da Barquinha, que está na fase final, os percursos ribeirinhos que vão agora a concurso e a musealização do castelo de Almourol. Esse é o principal problema. Pensávamos que o mais difícil era dialogar com os militares, mas a colaboração da Escola Prática de Engenharia foi excepcional. O próprio museu militar fez o projecto de musealização do castelo. Mas chegou o IPPAR e acha que aquilo é uma proposta pouco ambiciosa, retrógrada, porque se tenta recriar a vivência da Idade Média...E agora?Não posso admitir esta situação e a sociedade civil tem que se revoltar contra isto. Como é que é possível na administração pública haver bloqueamentos a este tipo de iniciativas? É preferível ver o castelo tal como está, cheio de silvas? Aquilo está preso só por causa os senhores do IPPAR.Mudando de assunto. Em termos de formação, as escolas profissionais continuam a ser um bom investimento ou são projectos que poderiam ir mais além?O ensino dado por essas escolas está a tentar remediar a situação de terem acabado com o ensino técnico a seguir ao 25 de Abril. É salutar que isso se faça. Pensamos que o modelo seguido na Escola Profissional do Vale do Tejo era o melhor. Chamar as empresas, investir na formação a médio e longo prazo, serem os próprios accionistas a escolherem os cursos... E nesse sentido é importante que as escolas se transformem em empresas. Uma, a Escola Profissional do Vale do Tejo, já é, e ontem (dia 19) apresentámos uma proposta na assembleia geral para que a Escola Profissional de Torres Novas também se transforme.Para quê transformar as escolas em empresas?Para reforçarem a ligação ao tecido empresarial. Serem as empresas a estar na gestão da escola e a preocuparem-se com a sua evolução. E, depois, haver uma gestão empresarial. Um director da escola deve também ser accionista, sentir a escola como dele, comprometer-se com risco de sucesso da própria escola.“Projecto do TVT não é para deixar cair”Como é que a Nersant vê o desaproveitamento a que tem estado votado o Terminal Multimodal do Vale do Tejo (TVT), em Riachos?Neste momento não queria debruçar-me muito sobre essa questão pois há um conflito muito grande entre um accionista, o doutor Carlos Correia, e a administração e os restantes accionistas. Há uma série de questões jurídicas e judiciais e eu não queria falar publicamente sobre o assunto.Então fazemos a pergunta de outra forma. O que é que a região está a perder com o desaproveitamento daquela estrutura?A análise que faço é a seguinte: primeiro, é um investimento infraestruturante que se calhar veio cedo demais; em segundo, dependia muito do bom funcionamento do caminho de ferro. E nós verificamos que o caminho de ferro em Portugal, comparativamente com Espanha ou França, é um desastre. Por essa razão, aquela plataforma logística, se estivesse mais vocacionada para outro tipo de transporte, teria sido um sucesso nesta altura. Se estivesse junto a um aeroporto ou localizado próximo da autoestrada teria outro tipo de utilidade.Acredita que o TVT tem viabilidade?Se for resolvido o problema dos conflitos que existem na estrutura accionista, se houver alguma congregação de esforço para encontrar uma solução, acho que há parceiros com know how naquele negócio que podem resolver o problema. O dinheiro lá metido é muito, a Caixa Geral de Depósitos também lá tem agora uma participação extremamente importante e portanto não é projecto para deixar cair.Que soluções acha que se poderiam arranjar para relançar o projecto?No meu fraco entendimento, acho que deveria ter possivelmente outro tipo de valência em termos de área de negócio. Se calhar terão que ser construídos armazéns, para ter uma componente logística também importante e não só de mera interrupção modal, em que o contentor vem de um lado e carrega para outro. TGV: “Faltou-nos peso político”Como é que viu a opção do Governo de ligação ferroviária de alta velocidade a Espanha através do Alentejo?Não foi boa para a nossa região.A Nersant parece ter ficado um pouco nas covas desta vez. Foi uma questão de estratégia?Fez-se o possível. Na Associação Industrial Portuguesa eu e o Henrique Neto, de Leiria, éramos os únicos que defendíamos uma solução diferente. Havia uma forte corrente a inclinar-se para a solução escolhida. E há lutas em que nós temos de saber assentar os pés no chão e ver qual é o nosso peso. E a Nersant não teve peso.E os políticos da região?A Nersant, os políticos, as associações de municipios, ninguém teve peso. Nem ninguém acreditou que era possível construir o centro aqui.Acha que era um projecto estruturante para a região, ou nem por isso?Acho que era, mas comparando isso com o aeroporto da Ota, é preferível lutar pelo aeroporto.Não teme que essa decisão referente ao traçado do TGV pelo sul seja um sinal de que a Ota deixou de ser prioridade?Disso é que eu tenho medo. Vejo com alguma apreensão algum caminho que se está a tomar. Relativamente ao TGV, percebo que o Governo tomou a decisão mais acertada do ponto de vista dos interesses nacionais. Temos de compreender isso e não estar aqui com bairrismos bacocos. Mas, relativamente a Ota, a Nersant foi desde o início das poucas entidades que andou nisto. É daqueles investimentos que de maneira nenhuma posso concordar que seja adiado. E de maneira nenhuma posso concordar que se encontrem outras soluções que desvalorizem o peso que aquela infraestrutura poderá ter.João Calhaz e Margarida Cabeleira

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