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Pasta da Educação “roubada” pela revolução

Tomada de posse estava marcada para 28 de Abril de 1974
O tom de voz de Verísimo Serrão eleva-se quando se fala de política. Intitula-se democrata praticante e admirador de Marcelo Caetano. Nota-se que ainda hoje não consegue perdoar quem maltratou o líder do regime deposto, que morreu no exílio, no Brasil.A sua amizade e fidelidade a Caetano, de que são testemunho as inúmeras cartas trocadas pelos dois, acabaram por lhe trazer dissabores no pós-25 de Abril, quando se viu impedido de dar aulas na Faculdade de Letras de Lisboa, onde fora reitor nos dois anos anteriores ao golpe militar. Nas décadas de 50 e 60, deu aulas durante dez anos na Universidade de Toulouse (França) e esteve cinco anos como director do Centro Gulbenkian em Paris.Curiosamente, a revolução a que a sua Santarém fica indelevelmente ligada roubou-lhe a possibilidade de ser ministro a Educação do Governo marcelista. A posse estava marcada para 28 de Abril de 1974, revelou num aparte desta entrevista. A política e os cargos políticos nunca o interessaram. Mas revela o seu orgulho por ter sido mandatário, em 1995, da candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República. Em 1976 foi convidado para secretário de Estado da Cultura. Recusou em nome da coerência. “Não podia dar um salto do 24 para o 26 de Abril como fizeram muitos, os chamados adesivos”.Quando fala da política partidária nota-se nas suas palavras alguma mágoa e revolta.Nunca estive em nenhum partido, nem antes nem depois do 25 de Abril, porque sei que os partidos obrigam a obedecer a certas normas. E as pessoas independentes não aceitam isso. Gostam de criticar o que está mal e louvar o que está bem. Eu num partido seria um rebelde... Mas não há democracia sem partidos...Sim. Mas acho que um Governo deve ser julgado ao fim de quatro anos. Deixem-no governar e ao fim de quatro anos peçam-lhe contas. Agora estar a armadilhá-lo todos os dias, constantemente, não leva a nada. Essa luta partidária não tem interesse nacional. Apesar de não ter militância partidária, em 1995 aceitou ser mandatário de Cavaco Silva à presidência da República. Voltaria a aceitar um cargo desses?Tenho um conceito de interesse nacional. Fiz parte com o professor Marcelo Caetano daquele grupo da chamada Primavera marcelista. O país tinha de avançar, de se abrir... Mas não como político, sou um homem de cultura, de pensamento. E acho que a forma como ele foi corrido é uma ignomínia. Não se faz a um homem daquela categoria ser metido num tanque e ser posto fora do país…Avançando para 1995.Em 1995 o professor Cavaco Silva pediu-me para ser mandatário distrital da sua candidatura e eu aceitei.Estaria disponível para aceitar igual desafio, se Cavaco Silva se recandidatar a Belém?Admiro a competência e honestidade, e o professor Cavaco Silva reúne essas características. Claro que iria pensar no assunto, mas desejo que não me peçam. Há gente mais nova que tem de ser aproveitada.Nunca foi assediado para integrar projectos políticos a nível local?Não. E nem aceitava. Mas em 1976 fui convidado para secretário de Estado da Cultura. Na altura pensei: sou muito amigo do professor Marcelo Catenao, ele está no Brasil... Se desse um pulo do 24 para o 26 de Abril o que é que se pensaria. Uma das qualidades fundamentais do homem é a lealdade e a fidelidade, sobretudo nas horas graves. Estar ao lado daqueles que vencem é muito fácil. O que é de facto nobre é estarmos ao lado dos vencidos.Como é que o académico e o cidadão que tem admiração confessa por figuras do anterior regime encara a revolução do 25 de Abril? Quando é assinalada a data o que é que lhe vem ao pensamento?O que me vem ao pensamento é que a revolução podia ter ocorrido, mas com sentimento de união entre os portugueses. Essa revolução trouxe ódios, saneamentos, prisões sem culpa formada. Eu, que nunca tinha tido problemas com os meus alunos na Faculaddes de Letras de Lisboa, fui durante quatro anos impedido de dar aulas. Foi uma revolução feita com um sentimento fratricida. Pôs uns portugueses contra outros portugueses, quando se devia dar as mãos para se construir um Portugal melhor. Essa parte da vingança que está subjacente ao 25 de Abril é imperdoável.Mas houve pessoas que fizeram o 25 de Abril que pretendiam apenas ajudar a instalar um regime democrático em Portugal.Muitos fizeram-nos por idealismo, é verdade. Mas depois veio toda a outra malta atrás. Já acontecera no 5 de Outubro, quando muitos deram o pulo do 4 para o 6 de Outubro. E agora houve os que deram o pulo do 24 para o 26 de Abril. São os adesivos... Além disso, onde o Partido Comunista está metido, com o cortejo de vinganças e de ódios acumulados, não há paz possível. Não se pode fazer uma revolução a odiar.Concorda com a tese de Winston Churchill que considerava que a democracia mesmo assim é o melhor regime?Não se conhece regime melhor, é verdade. Mas o que é preciso é que a democracia não seja apenas uma palavra e seja uma vivência. Democracia não é eu gritar que sou democrata. É na minha postura humana e cívica ter atitudes de respeito para com todos e sobretudo fazer uma coisa que a nossa democracia não fez: diminuir o fosso entre ricos e pobres.Sim, mas proporcionou coisas que não existiam antes do 25 de Abril, como eleições livres, partidos políticos, liberdade de opinião...Mas também aumentou o fosso entre ricos e pobres. A democracia deve tender para acabar com as desigualdades sociais.Considera-se um democrata?Considero-me um homem para quem a democracia não é uma palavra, não é um benefício, mas sim uma vivência que se pratica no respeito e na tolerância com os outros. Entendo a democracia como um sistema que procura resolver os problemas dos mais desfavorecidos. Não se admite que haja pessoas a ganhar 50 ou 60 contos por mês e que outros ganhem três ou quatro mil contos.

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