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Guerra aberta na construção

Construtores gladiam-se para ganhar obras, mesmo esmagando margens de lucro

As obras de requalificação de uma rua de Coruche tiveram 23 concorrentes. Em Vila Franca de Xira 35 empresas apresentaram-se para um simples concurso de ideias para projectar um pavilhão desportivo. Em Abrantes, um consórcio reclamou da decisão da câmara de entregar a obra a um concorrente, quando tinha apresentado o preço mais baixo. É o salve-se quem puder no sector da construção.

A crise chegou ao sector da construção civil. A era do betão já foi chão que deu uvas e o Governo tarda em lançar novas obras públicas. As grandes empresas de construção, com centenas de trabalhadores, viraram-se para a província, um mercado até há pouco governado pelas construtoras locais e regionais. É a guerra aberta no sector.No único acto público de abertura de propostas ocorrido este ano, relativo ao concurso de arquitectura paisagística dos espaços exteriores da entrada norte de Vila Franca de Xira, a câmara da cidade recebeu 17 propostas de empresas ligadas ao ramo. Pequenas empresas, mas também grandes empresas, como a Vibeiras e a Resin. Pensar-se-á que é muito o dinheiro em jogo, mas nem por isso – o preço-base de adjudicação da obra é de 252 mil euros.Este é apenas um exemplo da voracidade com que as empresas do ramo da construção civil tentam “abocanhar” o mercado, já de si fraco devido à crise e, no caso desta região, à falta de fundos comunitários que façam surgir grandes projectos.Só a crise instalada explica como é que 23 empresas concorreram ao concurso para requalificação da rua Salgueiro Maia, em Coruche, uma obra cujo valor ascende a 350 mil euros. Fonte da câmara da vila ribatejana confirmou ao nosso jornal que este foi um número absolutamente recorde em termos de concorrentes a concursos públicos. Uma situação ainda mais anormal se se tiver em conta que alguns nomes dos concorrentes, são a Construtora do Lena ou a Cerejo dos Santos.As câmaras agradecem a concorrência, as empresas desesperam e quase se digladiam para conseguir uma obra, mesmo que espremam ao máximo a sua margem de lucro.O consórcio João Salvador/Conduril/Sofomil recorreu da decisão da Câmara de Abrantes em entregar ao consórcio MSF/Construtora do Lena a construção do açude insuflável no rio Tejo, que vai criar um espelho de água para permitir actividades nas duas margens.A reclamação do consórcio onde a firma de Tomar está integrada prende-se com o facto de ter apresentado um preço inferior em cerca de 200 mil contos e mesmo assim a autarquia ter optado por entregar a obra a outro candidato. O desespero de João Salvador não é para menos – em causa estão cerca de cinco milhões de euros, que em tempo de vacas magras valem a dobrar.Câmaras agradecemQuem parece ficar a ganhar com esta “guerra” no sector da construção e obras públicas são as autarquias. O presidente da Câmara do Cartaxo, Paulo Caldas, tem conseguido adjudicar obras por um preço inferior ao próprio preço-base imposto pelo município. A Teixeira Duarte ganhou a obra do cine-teatro da cidade apresentando um preço 150 mil euros abaixo do preço base (2,75 milhões de euros contra os 2,9 milhões exigidos pela autarquia).“A adesão aos concursos tem sido anormalmente alta, mas a concorrência acrescida é saudável”, refere Paulo Caldas. É que, apesar de só uma empresa poder sair vencedora, quanto mais concorrentes houver melhor para os municípios, uma vez que cada candidato tem de levantar o caderno de encargos se quiser concorrer e, obviamente, de o pagar à autarquia.Mas algumas vezes o que parece ser mais barato sai mais caro. Porque as empresas recorrem frequentemente aos trabalhos a mais para tentar obter mais algumas receitas.Os grandes grupos nacionais, que durante anos “se esqueceram” da administração local, entram agora em força no mercado, independentemente do valor da obra. A razão é simples – os últimos dados estatísticos da Associação de Empresas de Construção Civil e Obras Públicas (AECOPS), referentes a 2001, dizem que a administração central abriu 844 concursos públicos, contra os 2357 da administração local.Teixeira Duarte, Mota Engil, MSF, Somague concorrem agora lado a lado com firmas mais pequenas como a Pastilha & Pastilha.“Basta abrir o boletim informativo de qualquer câmara da região para se perceber quem ganha a maio-ria das obras”, queixa-se António Sousa, engenheiro da empresa Pastilha & Pastilha, de Alcanena. Que aponta também o dedo, tal como João Salvador, à aguerrida entrada no mercado regional português de construtoras do país vizinho. “A San José está a ganhar tudo o que há para fazer em Tomar, Abrantes e no Entroncamento”, refere o responsável, adiantando que muitas vezes “ter nome” é meio caminho andado. Apesar de ter maior dificuldade em angariar obras Pastilha & Pastilha vai trabalhando, agora mais na construção privada. “O importante é manter os trabalhadores ocupados e ter com que lhes pagar no final do mês”.Para o empresário tomarense João Salvador, que trabalha de Norte a Sul do país, a situação é mais preocupante. “Já perdi este ano entre 30 a 40 por cento do valor das obras que deveria ter em carteira”, diz, adiantando que as câmaras dão muitas vezes “cobertura” às grandes companhias.“Quando partem de uma classificação em que o maior índice técnico e/ou financeiro é factor decisivo para se ganhar uma obra, independentemente do preço que se apresenta, é estar logo à partida a penalizar as empresas mais pequenas”.Margarida Cabeleira

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