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“Banco do Estado” com a corda na garganta

Entretanto, as receitas autárquicas, que mal chegam para pagar a inspecção das viaturas, ficam cada vez mais aquém das despesas efectuadas. Com uma agravante: o Estado não se exime de transformar uma autarquia no seu banco e, paradoxalmente, impede às câmaras o acesso à banca.

O Secretário de Estado da Educação veio a Santarém (no dia 5 de Maio de 2004) inaugurar o pavilhão desportivo da Escola D. João II. Durante a cerimónia, declarou o seguinte: “Neste caso [construção do pavilhão], a autarquia funcionou como banco do Estado” (sic). Na realidade, o município ribatejano instituiu-se como “dono da obra”, assumindo as implicações financeiras daí resultantes, à semelhança do que fizera, no penúltimo mandato, aquando da edificação do amplo e qualificado pavilhão da Escola Alexandre Herculano. Quer um pavilhão quer outro constituem, nos termos da lei da separação dos investimentos públicos, uma responsabilidade exclusiva do Estado. Todavia, apesar das distintas lideranças, a Câmara de Santarém avançou com verbas, contraiu dívidas e ficou, no fim dos dois empreendimentos, com um saldo extremamente negativo. Jamais recuperou os montantes investidos no pavilhão da Escola Alexandre Herculano e — é ponto assente — também não receberá a totalidade das verbas recentemente aplicadas em idêntico equipamento da Escola D. João II.A constatação destes factos obriga a uma pergunta imediata: porque motivo uma câmara, seja a de Santarém ou qualquer outra (quase todas o fazem), realiza obras que, à luz da legislação vigente (leia-se, a título de exemplo, a Lei nº 159/99, de 14 de Setembro), competem à Administração Central, isto é, ao Governo?O que acontece é que, para efectuar determinada obra, o Estado afirma necessitar de uma ajuda da autarquia (por exemplo de 50%, 40%, 30% ou 25% da adjudicação). Sentindo mais de perto os anseios das populações e interpretando como nenhum outro “Poder” a defesa dos direitos dos cidadãos, os municípios acabam cedendo perante tamanha “generosidade” governamental. Entretanto, as receitas autárquicas, que mal chegam para pagar a inspecção das viaturas, ficam cada vez mais aquém das despesas efectuadas. Com uma agravante: o Estado não se exime de transformar uma autarquia no seu banco e, paradoxalmente, impede às câmaras o acesso à banca. No caso de Santarém, a situação é profundamente injusta. Com efeito, a autarquia escalabitana endividou-se à razão de quatro mil e novecentos contos por dia, durante 2003 (contra 1440 contos/dia em 2002), o seu recorde absoluto. Tendo a Câmara de Santarém, deste modo, a corda tão perto da garganta, como é que consegue financiar o próprio Estado? De facto, só um elevadíssimo sentido de humor poderá admitir a transformação do “Poder Local” (prefiro a expressão “Dever Local” por ser a mais realista) em Banco do Estado!Saídos da ficção, a realidade está bem à vista: por cada cinco mil contos de endividamento diário, há, dramaticamente, dezenas empresas a agonizar e centenas de trabalhadores com salários e empregos em risco.Daí que eu conclua: em vez de serem as câmaras a financiar o Estado, à custa dos seus empreiteiros e fornecedores, Portugal só ganharia se o mesmo Estado cumprisse a “Lei das Finanças Locais” e “autorizasse” os municípios a diferirem os seus endividamentos de curto prazo, através de recurso à banca. Só assim se cumprirá o princípio defendido pelo actual Primeiro Ministro, quando assegurou (no Congresso dos Municípios Portugueses, de 2002, na FIL) que um euro gasto pelas autarquias vale mais do que um euro utilizado pela Administração Central.Bastará para tanto, desmentir a tese de Bertrand Russel: os políticos têm uma dupla moral — pregam o que não praticam e praticam o que não pregam.Somente a reconhecida dinâmica da pasta da Administração Local poderá alimentar, neste domínio, o benefício da dúvida relativamente às “autárquicas palavras” do actual Primeiro Ministro.Post Scriptum — Não se veja nesta crónica a apologia do Governo A ou B, dado que a prática descrita (comparticipação das obras do Estado pelos municípios) atravessou todos eles, não obstante as verbas para as Autarquias Locais terem duplicado (justiça seja feita) durante a Administração do ex-Primeiro Ministro António Guterres.Póvoa da Isenta (Moinho de Vento), 8 de Maio de 2004

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