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“A Meia Via era uma alegria”

“A Meia Via era uma alegria”

Júlia Encarnação da Cruz, 88 anos, contadora de histórias
É das pessoas mais velhas da freguesia e da terra onde nasceu conhece histórias que só ela. “A Meia Via era um jardim com flores bonitas”, diz recordando os tempos de rapariga em que nos trabalhos do campo cantava os fados da mítica Severa ou de Maria Alice e se faziam “lindas festas”, com teatros.“Quando não havia trabalho no campo, aprendia a costura, numa casa que ficava entre dois estabelecimentos e de um lado havia uma telefonia, do outro uma grafonola. Então, eu ouvia os fados e aprendia-os todos. Chegaram a dizer à minha família que se eu fosse para Lisboa ganhava dinheiro a cantar”, conta a senhora Júlia, com a alegria estampada no rosto.Pequenina e mirrada continua a manter uma vivacidade invejável. “Passei muito nesta vida, mas sempre fui bem disposta. Quando tinha que chorar, e chorei muito e ainda choro, era às escondidas, sem ninguém ver”.Nunca foi à escola – “o meu pai dizia que as cachopas não precisavam de saber ler nem escrever, para não escreverem cartas aos rapazes” – mas fez um longo poema que dedicou ao seu primeiro marido. “Só estive oito anos casada, ele morreu com um choque eléctrico numa fábrica em Torres Novas. Fiquei com três filhos pequeninos e uma pensão de 10 escudos”.Voltou a casar anos mais tarde, mas o seu grande amor foi o primeiro marido. E de dramas amorosos Júlia da Encarnação conhece alguns na Meia Via. “Lembro-me de duas meninas que se deixaram morrer por amor. Uma porque o pai antes queria vê-la morta do que casada com o empregado dele por quem a menina se tinha apaixonada. A outra porque o rapaz lhe roubou a honra e a deixou”.Mas a senhora Júlia, que conserva a alcunha “peixe-agulha” herdada da família, guarda na memória outras histórias mais divertidas. “Uma vez andava a mondar e a cantar ‘minha mãe chora de pena’ e dizia um senhor ‘Ai menina Júlia quando carrega no a...’ Daí a uns dias houve teatro e o senhor, a fazer de conta que brincava com um boneco, esteve sempre a olhar para o sítio onde eu estava”.“Havia teatros tão bonitos”, continua: “O senhor Lima, que veio do norte com as filhas e foi morar no Casal Vaz, chegou a fazer a vida de Santo António e a Festa do Bodo, tudo em teatro. Era uma alegria... Na Meia Via sempre houve gente muito barrista”.
“A Meia Via era uma alegria”

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