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Desesperar na urgência à espera de notícias

Desesperar na urgência à espera de notícias

Acompanhantes dos doentes esperam horas e horas por uma simples palavra

O serviço de urgência de um hospital é um local de dor, angústia e desespero. Os doentes estão no topo da pirâmide . Ligados a si, na negra cadeia hierárquica do sofrimento, está o pessoal que ali presta serviço. No outro extremo estão familiares e amigos que esperam horas a fio por uma informação. Por uma simples palavra.

Luís Malacho está na sala de espera do Hospital Reynaldo dos Santos, em Vila Franca de Xira, há mais de duas horas. O pai deu entrada no serviço de urgência na sequência de um grave acidente de viação e ele não sabe se está morto ou vivo. O seu rosto é reflexo do desespero que o invade. Da impotência. Está extremamente tenso. De repente explode: “Ninguém me segura. Se não me disserem como é que ele está eu juro que vou lá dentro saber”, grita. O segurança que faz serviço no local tenta acalmá-lo. Os minutos parecem horas quando alguém espera por notícias de familiares ou amigos na sala de espera da urgência. Dedos nervosos folheiam jornais que os olhos não conseguem ler. Há quem não consiga parar quieto. Passeios intermináveis entre a sala e o exterior. Olhares ansiosos para dentro do corredor que dá acesso ao local onde trabalham médicos e enfermeiros. No exterior fumam-se cigarros atrás de cigarros. Chegam ambulâncias e carros particulares que descarregam mais doentes. Os mais urgentes entram. Os outros aguardam a chamada.No guichet de atendimento há impressos à disposição dos acompanhantes. Quem quiser ir sendo informado do estado dos doentes deve preenchê-los. Mas quem é que repara nesses pormenores quando tem a seu lado alguém que sofre. Quando sabe que alguém que ama está em sofrimento numa maca, lá dentro, onde tanta gente luta pela sobrevivência. Onde há gemidos, gritos e silêncios de chumbo.“Infelizmente foi preciso exaltar-me para saber alguma coisa. Nem sequer ponho o atendimento médico em causa. O que me revolta é que os familiares, cá fora, não saibam de nada. Dos seguranças mandam-nos para o guinchet das informações, das informações para os seguranças, e continuo na mesma”, desabafa Luís Malacho para quem o quer ouvir.Todos os doentes que chegam, passam pelo serviço de triagem por ordem de chegada. Num painel electrónico é divulgada informação alusiva à prioridade atribuída a cada um. Os casos mais graves (cores vermelha e laranja) são prontamente assistidos. Os restantes doentes vão ter que esperar. Uma hora, duas horas, na melhor das hipóteses.José Alexandre acompanhou o avô ao hospital, depois deste ter perdido os sentidos de um momento para o outro. “O INEM foi impecável. Em menos de cinco minutos estava a dar entrada nas urgências”, recorda. Mas já lá vão três horas e nem novas nem mandadas. “O que me revolta é não haver aqui nenhuma preocupação em dar informações. E quando nos dirigimos ao guichet, tratam-nos com indiferença. Com uma insensibilidade que irrita.”, lamenta-se. Tal como Luís Malacho, só ao fim de duas horas de espera é que tomou conhecimento dos impressos para informações.Depois do desespero, alguma tranquilidade. Finalmente soube notícias do seu o avô. Naquele caso valeu a boa vontade do segurança, que perante a ansiedade de José Alexandre e do seu irmão, foi saber o que se passava. Mas nem sempre é assim, e os familiares têm de esperar pela disponibilidade dos enfermeiros de serviço, a quem compete dar informações relativas aos doentes.Se a espera por informações é uma tortura durante o dia, torna-se um pesadelo a partir das nove da noite. No período diurno (das 10h00 às 21h00) as informações podem ser prestadas de duas em duas horas. Depois as notícias só chegam à meia-noite, quatro da manhã e sete horas.Naquelas alturas os mais expeditos recorrem a todos os estratagemas. Procura-se um médico conhecido. Uma vizinha que tem uma amiga que é enfermeira. E há quem chegue a iludir a vigilância dos seguranças para chegar junto do familiar que está a ser atendido.Segundo o director do serviço de urgências do HRS, João Guerra, a informação que é dada nestes horários tende a ser mais de carácter geral do que clínico. Procura-se explicar à família onde é que o doente se encontra e se prevê que fique internado ou não. Por vezes são facilitadas algumas visitas, por escassos segundos.Os familiares dos doentes que já estejam internados na S.O. (Sala de Observações) ou na U.T.I (Unidade de Tratamento Intensivo) já podem recorrer a outro tipo de informação. Das 11h00 às 12h00 podem falar com um enfermeiro ou um médico sobre o estado clínico do familiar, e da parte da tarde podem ainda fazer-lhe uma visita, de trinta minutos.“É claro que os médicos, sempre que solicitado, podem prestar esclarecimentos quanto ao estado clínico dos doentes em geral, mas dado o número considerável de pessoas que assistem por dia, é mais vulgar que sejam os enfermeiros a fazê-lo.” Ainda segundo João Guerra, quanto aos doentes internados, e uma vez que tendem a ser casos mais graves, os médicos fazem um esforço por serem eles próprios a explicar o quadro clínico.Num dia “calmo” são atendidos perto de 350 utentes na urgência do Hospital Reynaldo dos Santos. E a rotina mantém-se, 24 sobre 24 horas. Por dia costumam estar de serviço um cardiologista, três médicos internos, e dois ou três cirurgiões. No balcão de atendimento estão por vezes quatro médicos, “o que nem sempre acontece porque estes profissionais não pertencem ao quadro do hospital”, lembra João Guerra.Por dia costumam ainda estar cinco enfermeiros, que se dividem entre a sala de triagem, os balcões de ortopedia, cardiologia e o balcão geral. O pouco tempo que sobra passam-no a informar os familiares dos doentes.“Há dificuldades sérias no recrutamento de pessoal médico ou de enfermagem para o serviço de urgência”. Do ponto de vista do director das urgências, não se trata de falta de vontade da administração em contratar pessoal. “O trabalho de urgência é penoso e é um trabalho onde existe uma maior vulnerabilidade para se cometerem erros de diagnóstico, por isso poucos optam pelas urgências”, explica. Como consequência, os tempos de espera no atendimento e no serviço de informação aumentam. Para António Soares, cirurgião geral (e uma vez por semana chefe da equipa geral do banco de urgência) o problema não reside apenas na falta de recursos humanos. “As pessoas têm de compreender, de uma vez por todas, que a vinda indiscriminada às urgências faz aumentar os tempos de espera”, refere.Miriam Dias
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