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“Só falta chamar as televisões”

Luís Azevedo, presidente da Câmara de Alcanena, queixa-se da falta de resposta do Governo para resolver os problemas ambientais do concelho

Em Alcanena, terra de curtumes, foram investidos milhões de contos para tratar os efluentes industriais e domésticos. Cerca de 20 anos depois, os colectores estão degradados e o Alviela continua a receber descargas poluentes. O presidente da câmara, Luís Azevedo, acusa o Governo de protelar a resolução do problema e afirma que a autarquia e os industriais têm feito tudo, ou quase tudo, o que é possível. Em vésperas de mais uma edição da Festamb, as preocupações ambientais continuam na ordem do dia.

Houve avultados investimentos em Alcanena na área ambiental, designadamente na ETAR. No entanto, continua a ter problemas ambientais gravíssimos. Como vai resolver o problema?É um facto que Alcanena é um dos concelhos que mais tem investido no ambiente mas ainda não conseguiu resolver o problema, que se tem agravado nos últimos tempos. O sistema de tratamento de efluentes que está em funcionamento há 20 anos apresenta riscos preocupantes, em relação aos níveis freáticos e ao subsolo. Na grande maioria dos casos, os colectores que estão enterrados apresentam um grau de degradação bastante elevado. Esperemos que se consiga implantar a solução que se preconiza sem que o sistema entre em colapso. Seria demasiado complicado se isso acontecesse.Porém da parte da administração central não tem havido grandes respostas. Ainda recentemente o presidente da Assembleia da República escusou-se a fazer qualquer comentário e não reagiu quando lhe explicou os problemas e lhe pediu para ser interlocutor junto do Governo.Deixou o recado aos deputados presentes para não esquecerem do que foi dito. E eram todos do PSD e do CDS, portanto estão próximos do Governo. Da parte da administração central tem havido alguma disponibilidade para conversar, nada mais do que isso. É muito pouco e não resolve nada. O Governo está há dois anos no poder, penso que o anterior secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, a primeira visita oficial que fez foi ao concelho de Alcanena. A partir daí tem sido uma constante da nossa parte a insistência de se marcarem reuniões para encontrar soluções, mas até hoje nada foi feito.Alcanena não merece a devida atenção por parte da administração central?Não sei se é isso. Depois do ministro Isaltino Morais sair e entrar o ministro Amílcar Theias, que também já saiu, a relação dentro do Ministério do Ambiente foi de tal forma tensa, que transpareceu a falta de liderança e impossibilitou que, a partir de então, fossem encontradas soluções para os problemas de Alcanena. Esta é a grande questão. De tal forma, que o Presidente da República sentiu a obrigação de promover uma reunião para conseguir ultrapassar algumas das questões que estavam a ser faladas entre câmara, Austra e Ministério do Ambiente, e que resultou. O que resultou dessa reunião de concreto?Foi uma reunião cordial, durante um jantar aquando da visita presidencial ao Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros. Estava presente o ex-ministro Theias, parecia que estava tudo acordado e saíram dali algumas orientações. Por sugestão do ministro devia ser formada uma comissão e era suposto que tudo ficasse resolvido até final de Março. Mas a comissão nunca reuniu, nem nunca ninguém soube quem a constituía. Passou demasiado tempo, escrevemos uma carta ao secretário de Estado e ao ministro e marcámos uma reunião. Falámos uma vez, acordámos o que teríamos de fazer e estudar. Analisámos as questões e marcou-se nova reunião que o secretário de Estado desmarcou e até hoje. Quer dizer que ficou tudo na mesma?Agora já não sabemos com quem vamos falar outra vez. Continuamos na mesma indefinição, que já nem sei se é indefinição ou se não querem resolver o problema em Alcanena. Todos sabemos como resolvê-lo e os industriais, mesmo atravessando um momento negro dentro do sector, responsabilizam-se por uma parte do investimento. Já escrevemos uma carta a dizer isto mesmo, mas nem isso motivou o Governo.A câmara tem feito tudo o que lhe é exigido para solucionar o problema?Tudo o que está ao alcance do município e dos industriais tem sido feito, ou quase tudo. Faltou fazermos como os outros: chamarmos as televisões e a comunicação social. Mas como achamos que as coisas não se resolvem assim e continuamos a acreditar na bondade das pessoas, que somos pessoas de bem, sérias e que cumprimos com as obrigações, não o fizemos. Agora concluímos que se calhar foi isso que faltou. Vamos aguardar pela primeira conversa com o novo ministro ou secretário de Estado do Ambiente e ver se a denúncia pública é a solução.Como político e presidente da câmara esta situação é para si uma derrota?Não sei se será uma derrota, mas é seguramente um objectivo não conseguido, não cumprido. O que me deixa triste e desiludido, mas não depende só de nós. Se em determinada altura optássemos por pormos tudo isto de forma mais acintosa talvez se tivesse percebido. Nem sequer queremos que façam tudo, toda a gente já deu contributos, agora está só do lado do Governo. Até parece que não existe poluição em Alcanena. Andamos nisto há anos e ainda não se implantou a solução. Parece ser um problema que não tem grande interesse para o Governo.Para além da ETAR de Alcanena também a de Minde apresenta problemas. O que é que se passa? Está bastante subaproveitada em diversos aspectos. O tecido empresarial debilitou-se, há menos efluentes industriais com necessidade de tratamento. As indústrias que mais necessitavam eram as tinturarias e quase todas fecharam, existem duas e, salvo o erro, ambas em Mira de Aire, no concelho de Porto de Mós. Essa é uma das razões para os caudais serem mais reduzidos em relação aos que foram objecto de estudo para a concepção da ETAR para as freguesias de Minde e de Mira de Aire. Por outro lado, a Câmara de Porto de Mós ainda não construiu os colectores para os efluentes domésticos.Há desentendimento entre autarcas?Não, deverá ser por indisponibilidade financeira e porque a Câmara de Porto de Mós optou por outros investimentos que considerou prioritários. Continua a pensar-se que enquanto houver algares, eles comportam bem os esgotos.Mas o investimento foi feito em conjunto.As câmaras suportaram, em partes iguais, 10 por cento do valor total das obras. Mas a política de Porto de Mós deve ter outras prioridades. Neste momento, os únicos esgotos que estão a ser tratados são os de Minde.Há milhares de euros que estão a ser desperdiçados num país de fracos recursos. Como é que se explica este tipo de situações?Estamos a falar num investimento da ordem dos quase 6 milhões de euros. Foi um processo difícil que demorou muito tempo porque envolveu duas comissões coordenadoras regionais, a de Lisboa e Vale do Tejo (Alcanena) e a do Centro (Porto de Mós) e depois só os esgotos de Minde são canalizados para lá. A ETAR está subaproveitada, permitia duas linhas de tratamento de esgotos e só está uma a funcionar, a outra está a degradar-se. Por isso, ainda não foi inaugurada. Não faz sentido inaugurar um equipamento que só trata meia dúzia de metros cúbicos de efluentes, muito aquém da sua capacidade.Mas em Alcanena também falta implantar saneamento em cerca de 10 por cento do território municipal.Na freguesia da Serra de Santo António, dois lugares na freguesia de Minde, outros dois na de Monsanto e mais dois dispersos. Esses esgotos serão canalizados para a ETAR de Alcanena, à excepção dos efluentes do Vale Alto que irão para Minde. No entanto, os esgotos do concelho de Alcanena são tratados a 100 por cento. Onde não há rede de colectores, a câmara disponibiliza uma máquina para recolher os efluentes das fossas e levá-los para a ETAR. Falta a rede mas não o tratamento. O que falta é dinheiro. Só na Serra de Santo António o investimento custará entre 1,5 a 2 milhões de euros, o que para nós é um valor incomportável.A zona dos Olhos de Água, cuja qualidade e investimento são reconhecidos, nada tem que ver com o que se passa mais abaixo, nomeadamente nas freguesias de Vaqueiros e Pernes sempre que há descargas da ETAR de Alcanena. É assim tão difícil potencializar os gastos?Se o Alviela tivesse algum problema na nascente não teríamos água para o consumo humano no concelho e, ao mesmo tempo, para Lisboa. Felizmente que essa zona está a montante da ETAR e pudemos recuperá-la. Em alguns momentos, o rio está de pior qualidade, mas tem vida. O grau de poluição não é tão mau quanto foi. A poluição é provocada pelas descargas da ETAR e estas estão relacionadas com as rupturas nos colectores. Quando chove há infiltrações de águas pluviais e a ETAR não comporta o caudal que lá chega. Quando isso acontecesse surgem as descargas. Se se reparar o sistema de Alcanena, essa situação não se colocará.Para fazer face a todos estes problemas ambientais surgiu a Festamb, a Festa do Ambiente. Esta é a nona edição da Festamb, uma festa em que apostámos porque Alcanena era tida como um concelho onde o ambiente era menos bom, e ainda não conseguimos ultrapassar essa fase negativa. Com a Festamb tentámos dar uma imagem diferente e em grande parte conseguimo-lo porque potenciamos um espaço particularmente interessante, os Olhos de Água. Tentamos sempre envolver as entidades e as pessoas para mostrar que Alcanena tem hoje uma atitude diferente e uma preocupação muito grande relativamente ao ambiente. Fizemos uma mistura entre aquilo que eram e são as nossas preocupações, para que as pessoas sentissem o que estava a ser feito, a intervenção cada vez maior da comunidade escolar e com outras componentes como a gastronomia e a animação.Que novidades há para a Festamb de 2004?Este ano, vamos ter um espaço onde diremos às pessoas o que poderão ver no centro de interpretação da nascente do Alviela quando estiver a funcionar. Esperamos que seja até ao fim do ano. Haverá uma zona com a reprodução de um climatógrafo, uma plataforma que será usada para um percurso virtual pela nascente do rio. A movimentação desta estrutura dá a sensação que estamos mesmo dentro da nascente. Haverá ainda pontos de observação dos morcegos cavernícolas, um para os curiosos e outro para os estudiosos e especialistas. A directora do programa Ciência Viva vem visitar a Festamb. O programa tem outras actividades?Por outro lado e como estamos numa zona causticada pelos incêndios, incluímos no programa uma intervenção da Liga dos Bombeiros para aquilo que deve ser a prevenção dos fogos florestais. Por último, daremos uma atenção especial aos cuidados com o corpo. Há três semanas, o dr. Fernando Pádua fez um colóquio em Alcanena e formalizámos um protocolo para criar na vila uma delegação da Federação Fernando Pádua. Na tarde de domingo, dia 30, vão estar dois médicos para analisar o colesterol, a tensão arterial, os problemas do tabaco. É uma festa muito cara?Com a animação, com os stands que é a parte mais cara, anda próximo dos 30 a 40 mil eurosE é tida pela câmara como um investimento?Consideramos que sim. Por um lado divulgamos e promovemos os Olhos de Água, por outro chamamos a atenção para os problemas do ambiente e que estamos sempre preocupados para a melhoria do nosso ambiente. Temos objectivos não concretizados, mas continuamos a lutar.Margarida TrincãoAlcanena pode receber centro para eliminação das raspas azuisEm relação aos curtumes há outros subprodutos que também exigem tratamento. Refiro-me às raspas azuis e verdes e basta passar na A 1 perto do nó da Zibreira para se sentir um cheiro fétido. Qual tem sido o investimento para tratar estes resíduos?O que provoca o cheiro junto à auto-estrada são as raspas verdes, ou seja gordura animal que, em contacto com a água, apodrecem e são espalhadas na terra pelo dono do terreno que também tem uma empresa em Alcanena e faz o transporte para essa propriedade. Mas, apesar do cheiro, as raspas verdes não são poluentes, tanto assim que são utilizadas para a agricultura. No entanto, está em estudo um projecto-piloto para a produção de energia através das raspas verdes e das lamas da ETAR. É um trabalho que está a ser feito pelo CTIC – Centro Tecnológico da Industria do Couro – para ver qual a rentabilidade destes resíduos e de outros, provenientes dos matadouros, com as mesmas características. As raspas azuis que podem libertar crómio, através dos lixiviados, são devidamente acondicionadas em espaços próprios na ETAR.E para as raspas azuis não há outra solução que não seja o seu acondicionamento em células que quando cheias são isoladas?As raspas azuis são um problema muito grande. A produção não é tanta como já foi, mas a solução não pode passar por abrir um buraco e tapá-lo, tal como para o lixo. Tem de encontrar-se novas soluções. E como não há mal que não nos chegue, as raspas azuis foram consideradas resíduos industriais perigosos. O Governo criou uma nova estrutura os CIRVER (Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Perigosos) para tornar inertes esses resíduos. Alcanena está a tentar avaliar se existem ou não condições para instalar no município um equipamento destes, porque na nossa opinião os nossos resíduos não devem ir para outro lado. Essa estrutura seria só para os resíduos perigosos de Alcanena?Está a decorrer um concurso para este processo. O Governo quer instalar dois ou três CIRVER no país, e há que haver candidaturas ou intenção de candidaturas. Se o problema é nosso temos de resolvê-lo, os outros não têm de suportar subprodutos alheios. Por outro lado, isso iria penalizar a indústria que teria de suportar os custos do transporte.Mas nesse caso, seria Alcanena a receber resíduos perigosos produzidos noutros concelhos, ou não?Esse é o risco maior que Alcanena teria de suportar. Se calhar teremos de receber resíduos perigosos de outros locais do país para potenciar o equipamento. É uma questão que é urgente discutir. Vamos ter que avaliar, tendo em vista o futuro do nosso sector industrial. Pelas garantias que são dadas, a construção de um CIRVER não acarretará problemas ambientais. Foi a solução encontrada por este Governo para substituir as co-incineradoras.

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