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Rescisão de contrato de trabalho pelo trabalhador

O Rui trabalhava para a Doces Deliciosos, Lda. numa fábrica que esta tinha instalado numa grande cidade. Todos os dias o Rui, que vivia nos arredores daquela cidade, se levantava bem cedo, demorando cerca de uma hora e meia para se deslocar de casa para o trabalho e outra hora e meia para a ela regressar, sempre utilizando os transportes públicos. A dada altura o Rui adoeceu e esteve de baixa cerca de 2 meses. Ainda antes de regressar ao serviço, foi informado pela entidade patronal que a fábrica em questão ia ser mudada para outro local, local esse fora da cidade e que em concreto ficava mesmo a cerca de 50 quilómetros daquela. Regressado ao trabalho, constatou o Rui, com grande infelicidade, que esta mudança do seu local de trabalho para muito mais longe implicava um duplicar do tempo diariamente dispendido em deslocações: passava a necessitar de 3 horas para ir e de outras 3 para voltar, e só chegava a casa à noite já perto das 22horas, sendo que o horário de trabalho nas novas instalações era das 9 às 19h00. Para cúmulo, a entidade patronal retirou-lhe o pagamento do passe social que usava nos transportes públicos. Durante alguns dias ainda o Rui tentou adaptar-se a esta nova situação, mas depois, chegando à conclusão que tal representava um prejuízo insustentável, sem qualquer compensação financeira pela entidade patronal, resolveu rescindir o respectivo contrato de trabalho, com justa causa. E assim o fez, baseando tal rescisão no então disposto no art. 24.º,1 e 2 do Decr.-Lei 49408 ( lei do contrato individual de trabalho ), que estipulava que «a entidade patronal, salvo estipulação em contrário, só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, se essa transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador, ou se resultar de mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele preste serviço» sendo que tratando-se daquela mudança de estabelecimento «o trabalhador, querendo rescindir o contrato, tem direito à indemnização ( ... ), salvo se a entidade patronal provar que da mudança não resulta prejuízo sério para o trabalhador» e ainda no então vigente art. 34.º do Decr.-Lei 64-A/89, nos termos do qual, «ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato», o que deveria ser feito no prazo de quinze dias a contar do conhecimento dos factos justificativos da rescisão. Diga-se ainda que o actual Código do Trabalho estabelece, relativamente à mudança do local de trabalho, no seu art. 315.º, regime semelhante ao atrás referido. E também cabe presentemente, a situação acima referida, no âmbito da justa causa para rescisão do contrato pelo trabalhador. Rescindido o contrato, com a alegada justa causa, veio o Rui a intentar acção judicial contra a ex-entidade patronal, pedindo a condenação desta no pagamento a ele da indemnização de antiguidade prevista em caso de rescisão por justa causa. Na contestação apresentada em Tribunal, veio a Doces Deliciosos, Lda. alegar que o trabalhador, quando rescindira o contrato, já o fizera para lá do prazo de quinze dias sobre o conhecimento dos factos justificativos da rescisão, pelo que caducara o direito a rescindir o contrato por justa causa e consequentemente a obter a respectiva indemnização. O processo acabou por chegar ao Tribunal da Relação, para apreciação desta questão. De facto, o Rui fora informado pela entidade patronal de que o local de trabalho iria ser mudado cerca de 3 meses antes de rescindir o contrato, mas também se verificara que o rescindira menos de 15 dias depois de iniciar funções no novo local de trabalho. No acórdão final, entendeu a Relação que o momento decisivo, a partir do qual se deveria contar o prazo de 15 dias para rescisão do contrato, era o da comunicação, feita ao Rui pela entidade patronal, da mudança do local de trabalho e não o da entrada ao serviço naquele novo local. E refere-se ainda no respectivo acórdão que não era correcto alegar-se que só com a entrada ao serviço é que o trabalhador ficara a conhecer os prejuízos sofridos com a mudança do local de trabalho e daí concluir que só a partir dela se contaria o prazo de 15 dias legalmente previsto: é que se assim se entendesse, sempre os trabalhadores poderiam estar meses a verificar se lhes convinha ou não a mudança do local de trabalho, com insuportável incerteza da situação, nomeadamente para a entidade patronal. Consequentemente, julgou-se caducado o direito de o Rui rescindir, com justa causa, o contrato de trabalho, e improcedente a acção na qual este pedira a respectiva indemnização de antiguidade.* Advogado

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