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Viva bem com o Governo que tem

A propósito da Secretaria de Estado

«Isto está tudo decadente: já nem decadentes há!» (Fernando Pessoa)Andar de candeias às avessas com a Administração Central é má política para Santarém. Só trará prejuízos para o desenvolvimento do nosso concelho e das suas 28 freguesias!

As minhas “núpcias autárquicas” passei-as, em 1992, com o último Governo do Professor Cavaco Silva. Foi uma “descentralização ao contrário” porque eu não saía de Lisboa, a fim de garantir recursos da Administração Central para o município escalabitano.Quando assumi a presidência de Santarém, há 12 anos, a maior obra autárquica do século XX tinha acabado de ser adjudicada no nosso concelho. Tratava-se da primeira circular urbana da cidade, com perfil de auto-estrada, separador central e diversos viadutos. Simplesmente, não existiam nem terrenos adquiridos, nem um centavo para arrancar com tamanha obra.Ao aperceber-se, a vereação “desancou” forte e feio o PS. Estava no seu pleno direito.Inadvertidamente, a Câmara de Santarém ficara na “boca do lobo”: os proprietários dos terrenos iriam, com toda a certeza, exigir preços mais elevados, acrescidos de contrapartidas significativas.É por isso que a circular urbana, teimosamente conhecida por “Rua O”, tem bombas de gasolina de 900 em 900 metros. Mas, o pior consistia na necessidade de atravessar (de acordo com o projecto da obra) a carreira de tiro militar que, a partir daí, passei a chamar “Cabo das Tormentas”.Somente o Governo poderia viabilizar os apoios imprescindíveis a tão sumptuosos empreendimentos. Percebi, no entanto, que esse seria o segundo passo. O primeiro passo implicava pedir ajuda a toda a Câmara, tanto mais que o PS se encontrava em minoria. Trabalho difícil, mas estimulante, o de assegurar a unidade autárquica na diferença de posições e no confronto das ideias, sempre com tolerância e respeito por todos. Valeu a pena! Do lado da CDU, primeiro Tanora Gonçalves (infelizmente desaparecido) e, mais tarde, Jaime Carvalho revelaram-se vereadores extraordinários, probos e competentes, ao serviço de Santarém. Eurico Saramago, que ficara a meio passo de ganhar a Câmara pelo PSD, em 1989, demonstrou ser, igualmente, um grande autarca e amigo do nosso concelho. Os seus companheiros de partido seguiram-no com idêntico espírito de missão.Uma vez a Câmara unida, batemos aos ferrolhos do Governo. O interlocutor foi o Ministro Valente de Oliveira. Disse-lhe, durante uma das várias reuniões que realizámos:— Em Santarém, temos o “Cabo das Tormentas”. O Exército pretende que a Câmara construa e pague uma nova carreira de tiro, na ordem dos 100 mil contos, como compensação por uma nesga de terreno necessária à circular urbana. Só espero que, nestas minhas “núpcias autárquicas”, uma vez que acabo de chegar à liderança do município, Santarém possa ter, neste Governo, o seu “Cabo da Boa Esperança”.— Pelos vistos, do que Santarém precisa é de descobrir o caminho marítimo para a Índia. Eu não sou Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral até está em Santarém... Mas, olhe que ambos fizeram coisas bem mais difíceis e inacreditáveis! Eu irei estudar o seu caso. Está bem? — rematou o ministro. — Não, inteiramente, — atalhei — a Câmara precisa de um sinal de esperança. — Telefonar-lhe-ei dentro de 15 dias – concluiu Valente de Oliveira.Nessa altura, a autarquia escalabitana necessitava de cerca de 140 mil contos para o lançamento da circular urbana/“Rua O”.Passados 10 dias, o telefonema chegou:— Como vai o seu “Cabo das Tormentas”?— Nem me fale, senhor ministro!— Sabe — prosseguiu Valente de Oliveira — gostei da sua argumentação, mas terá de compreender que não é possível ter respostas prontas para questões tão graves e urgentes como a sua! Com esta frase, senti-me quase “KO”.O ministro questionou:— Caiu a chamada? — Não! — É que, na semana passada — explicou Valente de Oliveira — não tinha uma resposta para si. Quero dizer-lhe, hoje, que acabo de engordar a conta da Câmara de Santarém com 140 mil contos. Já lá estão!Foi por esta e por outras “especiarias da Índia” (passe a metáfora) que eu deixei de acreditar que os Governos só vieram ao mundo com a finalidade exclusiva de torturar as Câmaras Municipais.O episódio verídico, acima transcrito, remete-me para o caso da Secretaria de Estado da Agricultura que Santarém acaba de perder, depois de esta ter sido dada como certa na capital do Ribatejo.É preciso readoptar, hoje, este princípio basilar: viva bem com o Governo que tem, não por si, mas pela cidade, bem como pelas 28 freguesias do município.Como sou optimista, desejo e acredito que, na anunciada aurora do fim deste ciclo autárquico, possamos recordar três factos: termos uma cidade – Santarém – com o Ministério da Agricultura (a médio prazo) no seu seio, tal como prometido pelo Primeiro-Ministro; orgulharmo-nos da primeira vila de Portugal – Golegã, que é do distrito de Santarém – com uma Secretaria de Estado; e verificarmos que a autarquia escalabitana se encontra reconciliada com o Governo, seja ele qual for. Andar de candeias às avessas com a Administração Central é má política para Santarém. Só trará prejuízos para o desenvolvimento do nosso concelho e das suas 28 freguesias!Não adianta versejar à Lua ou afirmar que a “coisa está preta” em Santarém porque o Governo fez ou deixou de fazer! Para quê resmungar? Já ninguém ouve, nesta altura do campeonato das “Autárquicas 2005”.É preciso combater com garra, a tempo inteiro, sem folgas, com muita chama e, acima de tudo, com credibilidade e com convicção, pela nossa terra. Santarém merece e vai ter – estou seguro – uma nova esperança!Post ScriptumChocar os ovos da serpenteReceio que, neste processo, tanto o Governo, como a Câmaras de Santarém tenham perdido, perdido muito. Enquanto ambos chocavam os ovos da serpente das desavenças, estes répteis do descrédito político não cessaram de crescer. E Santarém não parou de perder! Teve o pássaro na mão mas sucumbiu diante dos “ofídios desentendimentos”! Um insulto? Uma humilhação? Lamentável. Mau de mais. Soa a falso. Parece mentira!A árvore e a florestaA responsabilidade pela perda da Secretaria de Estado da Agricultura e Alimentação foi atribuída, por alguns sectores políticos, a Manuel Afonso, Vice-Presidente da Câmara de Santarém.Sinceramente, desconhecia que o referido vereador tivesse tomado posse como ministro da tutela e despachado nessa conformidade.Alguém acredita que o tivesse feito, em manifesto prejuízo do concelho que serve abnegadamente, como se possuísse “sete braços”?Creio que, na autarquia escalabitana, já ninguém confunde a árvore com a floresta!Póvoa da Isenta (Moinho de Vento), 6 de Agosto de 2004.

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