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Pucioasa tenta acertar o passo com o desenvolvimento

Pucioasa tenta acertar o passo com o desenvolvimento

A cidade romena geminada com o Cartaxo

A cidade gémea do Cartaxo na Roménia chama-se Pucioasa. Tem 16 mil habitantes e é famosa pela sua água sulfurosa, utilizada para tratamentos há quase 200 anos. Situada na região de Muntenia, colada à Transilvânia do sul, é uma localidade rural. Os investimentos internacionais começaram a chegar, bem como algumas ajudas comunitárias, mas uma das grandes dores de cabeça do presidente do município ainda é o trânsito de carroças.

Ó que calma vai no campoPiata Centrala Cartaxo. O letreiro colocado na entrada do mercado de Pucioasa é bem visível e assinala a ligação da cidade romena à portuguesa. Pouco passa das oito da manhã de uma terça-feira e o movimento não é muito. Nem ali nem em toda a zona envolvente. Estamos no centro. Num raio de duzentos metros fica a câmara municipal, o jardim, o principal hotel, o tribunal, a estação de caminho de ferro, o hospital e algumas escolas. Numa rotunda junto ao hotel Ceres que recebe turistas para tratamentos com as famosas águas sulfurosas da região, um relógio com dois mostradores, que também assinala a geminação entre Pucioasa e Cartaxo, deixou de funcionar há muito tempo. Do lado da cidade romena indica que faltam dez minutos para as nove. Do lado português quatro horas e dois minutos. Nem sequer a diferença horária (mais duas horas na Roménia) foi respeitada pela paralisia súbita do equipamento. Ouvindo o presidente da câmara, Mircea Simion, falar da actual relação entre as duas cidades compreendemos que o desacerto da máquina reflecte a realidade.Em frente ao hotel um placarde com fotos antigas da cidade, uma grande celha em madeira e a data da abertura dos banhos sulfurosos: 1828. A cidade recebe cerca de 10 mil turistas por ano. Pessoas que vêm para tratamento. A maior parte de nacionalidade romena.Na esplanada de um café homens bebericam enormes canecas de cerveja. Passam mulheres com crianças pela mão. Uma jovem senta-se num banco junto ao passeio e compõe uma mensagem no telemóvel. Mais acima um idoso está embrenhado na leitura do jornal. Os mais velhos vestem-se como as pessoas das aldeias em Portugal. Os mais jovens tentam imitar as tendências ocidentais, calças largueironas, ténis e t-shirts de marca, ou a imitar conhecidas marcas. No pequeno jardim em frente ao tribunal há grupos de pessoas na conversa. Mais abaixo, na estação de caminho de ferro está tudo calmo. Apenas duas mulheres à espera. Um grupo de funcionários dos caminhos de ferro descarrega, à força de braços, sacos de adubo de um vagão. Na estrada, velhos Dacia (o carro de fabrico nacional) e camiões seguem pacientemente atrás de carroças puxadas por cavalos. Nos passeios largos há frondosos castanheiros bravos. Carrinhas de 24 lugares de cor branca, os chamados maxi-taxis, descarregam no centro da cidade pessoas que vêm das aldeias vizinhas. Uma velhota rebusca num caixote do lixo. Passa uma corroça carregada de garrafas velhas. Os edifícios de apartamentos estão decrépitos.Estamos numa cidade rural mas de vez em quando passa uma ou outra mulher bem vestida, maquilhada e penteada. Uma rapariga loira, de pele muito branca, envergando uma mini-saia super curta, atravessa a rua principal e pára a falar com um homem. As mulheres têm um jeito muito próprio de andar que faz dançar apenas algumas partes do corpo. São elegantes sem serem particularmente bonitas. Os sorrisos são raros. A maior parte dos romenos passeia de semblante carregado. Uns dizem que ordenados médios de 140 euros não permitem alegrias. Outros defendem que é uma questão de postura. O atendimento nos restaurantes e lojas é profissional mas distante. A simpatia só se revela após um contacto mais prolongado. Nessa altura descobrem-se pessoas simples, afáveis e acolhedoras.Numa das saídas a norte da cidade funciona uma loja de roupa em segunda mão. 10.000 lei (25 cêntimos) a peça, anuncia um letreiro. Em frente, num edifício de paredes revestidas de hera, ficam as sedes de, pelos menos, três partidos políticos. O Partido Social Democrata, talvez por ser o que está no poder, tem outra sede a poucos metros de distância. Na saída sul que conduz a Târgoviste, a capital do distrito de Dâmbovita, há pessoas que conduzem vacas pela arreata. As casas afastadas do centro são moradias unifamiliares de telhados muito inclinados por causa da neve. Todas possuem pequenos quintais.Não há peixe nem peixeiras Compram-se croissantes de estranhas formas e bolos com pouco açúcar a 8.000 lei, o equivalente a 20 cêntimos. Numa fabriqueta de pão, à vista dos clientes, três homens vestidos de branco tendem massa e enrolam-na em argolas do tamanho de pulseiras que depois de irem ao forno são vendidas enfiadas em arames. Uma espécie de pão rijo que nem madeira.Frente à entrada principal do mercado um largo calcetado com bancos pintados de verde, floreiras, uma esplanada e lojas diversas. Talhos, mercearias, comércios de produtos lácteos, sapatarias, pronto-a-vestir. No mercado os tomates estão a 25 cêntimos o quilo, as cenouras e os alhos a 30.Vende-se salsa com raiz que é usada como ingrediente em algumas sopas. As ameixas estão a 50 cêntimos. A fruta mais cara é o pêssego a 1 euro e 25 cêntimos o quilo. As melancias acumulam-se no espaço exterior. São a fruta mais procurada. As vendedoras ainda calam os enormes frutos para os dar a provar aos clientes. A única secção que não existe, nem no mercado de Pucioasa nem na maioria dos mercados do interior da Roménia, é a do peixe. Mesmo nos restaurantes os pratos de peixe são raros. Na cidade gémea do Cartaxo apenas servem um pequeno peixe de rio. Alberto BastosO trânsito de carroças é uma dor de cabeçaUma das grandes dores de cabeça do presidente da câmara municipal de Pucioasa, Mircea Simion, é o trânsito de carroças no centro da cidade. “Estabelecemos limites mas eles não são respeitados. Estamos numa zona rural e as carroças fazem parte do dia a dia. Da tradição local. Nós bem tentamos mas não conseguimos controlar a situação”, confessa com um sorriso.Pucioasa tem 16 mil habitantes e o documento mais antigo que faz referência à sua autonomia tem 466 anos. Fica situada na região de Muntenia, a uma centena de quilómetros a Norte–Oeste da capital da Roménia, Bucareste, e a 20 da capital do distrito de Dâmbovita que é Târgoviste (cidade de 200 mil habitantes geminada com Santarém).Quando se entra no gabinete do autarca, na parede do lado direito, salta à vista o brasão da cidade portuguesa do Cartaxo com a qual Pucioasa estabeleceu há seis anos um protocolo de geminação apadrinhado pelo então embaixador de Portugal na Roménia, José Augusto Seabra. Mircea Simion esperava mais do acordo de cooperação mas compreende que a distância que separa os dois países não ajuda. Pressente-se nas suas palavras que as relações têm vindo a esfriar. “A última vez que esteve na Roménia o meu colega Paulo Caldas, presidente da câmara do Cartaxo, só passou 16 horas aqui na cidade”, refere.Não há qualquer investimento português em Pucioasa (em toda a Roménia há cerca de 40empresas portuguesas) que foi outrora um grande centro têxtil, uma actividade que declinou após a queda do regime de Ceausescu (1989). Nos últimos dois anos vieram alemães, que reabriram uma fábrica de confecções; italianos e turcos que instalaram a primeira fábrica de papel para usos domésticos do país; americanos que montaram uma fábrica de portas e janelas; italianos que abriram uma indústria de revestimentos em madeira para soalhos; israelitas que fazem lapidação de diamantes e belgas que montaram uma fábrica de velas ornamentais.Um investidor local chegou a abrir um restaurante denominado “Casa Portuguesa”. A ideia era abrir mais tarde um outro estabelecimento de restauração no Cartaxo, mas não foi bem sucedido e a “Casa Portuguesa” fechou. Algumas ideias que o presidente da câmara de Pucioasa tinha para o desenvolvimento do processo de geminação, como o intercâmbio de estudantes e de famílias durante o período de férias, estão em “banho-maria”. Apesar disso o autarca não deixa de formular um convite a todos os portugueses. “Venham ver este país com os vossos próprios olhos”.Apesar de ainda não fazer parte da União Europeia (a entrada está marcada para 2007) a Roménia já recebe ajudas comunitárias, para programas sociais e para infra-estruturas. A Câmara de Pucioasa teve vários projectos aprovados. A autarquia dispõe de um gabinete próprio para elaboração de candidaturas. “Contratei técnicos competentes. Foi um bom investimento.”, diz o presidente. A cidade recebeu fundos para a construção de um jardim de infância, para obras de remodelação do hospital, para a modernização do sistema de distribuição de água e para a abertura de um centro de apoio social que abrange toda a região.E Santarém tão longeEm Târgoviste à procura de um DVDNão há uma única loja que venda DVD em Târgoviste, capital do distrito de Dâmbovita, cidade de 200 mil habitantes geminada com Santarém. Em algumas lojas de electrodomésticos onde se vendem leitores de DVD os empregados utilizam cópias piratas para as demonstrações. E é no mercado negro que os raros possuidores de equipamentos se abastecem de filmes.A zona central da cidade é bonita graças a uma série de edifícios monumentais e igrejas. O pior são os blocos de apartamentos a necessitar urgentemente de reparações. No tempo do comunismo eram propriedade do Estado. Agora o Estado não tem dinheiro para os arranjar e os inquilinos não têm dinheiro para os adquirir. No parque Mitropolei há grupos de homens a jogar xadrês. Ali perto, na avenida Carol I, um aglomerado de pessoas junto à delegação do ministério do interior. Nos passeios alguns mendigos sentados no chão. Na Independenteii, uma das artérias mais movimentadas, há dois seguranças de farda negra, fortemente armados à porta do centro comercial Merloni. No interior do centro comercial a maior parte dos clientes é jovem. Poucas lojas. Dois andares apenas. Rapariguinhas do shopping iguais às de qualquer centro comercial europeu. Roupas modernas, mini-saias, maquilhagem. Ali só se vendem roupas de marca, bijuterias e pouco mais. As lojas de telemóveis, muito procuradas, ficam no exterior. O centro tem ar condicionado, ao contrário de quase todos os outros, e ouve-se música moderna.O parque automóvel está tão envelhecido como os blocos de apartamentos. Não há sinais visíveis de investimentos no sector da construção civil. Apenas meia dúzia de gruas em toda a cidade. O grande centro de consumo é o enorme supermercado XXL. Os carrinhos de compras não estão presos uns aos outros como nos supermercados portugueses. Os preços são baixos mas os romenos têm que saber gerir muito bem o que ganham. Nas compras para um jantar de carne assada à portuguesa, para 5 adultos e três crianças, com vinho, sumos, fruta, gelados e o digestivo nacional romeno, a aguardente de maçã conhecida por Suiça, gastamos o equivalente a um quinto do ordenado mínimo nacional.
Pucioasa tenta acertar o passo com o desenvolvimento

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